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Memória e Património

As ruínas da igreja de Santo António de Campolide

Às primeiras chuvas batidas pelo vento instala-se o desassossego. É um vaivém acima-abaixo sobre tábuas cedentes para despejar alguidares, baldes e banheiras de plástico estrategicamente colocados debaixo do telhado. Quem se faz a esta lida está sujeito, no mínimo, a deslocar os tornozelos nas madeiras que esperadamente dão de si.

No interior da igreja de Santo António de Campolide, Lisboa, são bem visíveis os sinais de degradação: andaimes e tapumes sustentam paredes e tectos que se esboroam e desfazem. Mesmo o presbitério não dispensa um balde para aparar as gotas.

Para quem não conhece, estamos a falar de um templo do século XIX, que em 1993 foi declarado imóvel de interesse público pelo Instituto Português do Património Arquitectónico (recentemente transformado no IGESPAR).

A igreja pertence actualmente ao Ministério das Finanças, mas nem sempre foi assim. A sua história está ligada ao regresso dos Jesuítas, em 1858, depois da expulsão do território português. A dedicação ocorreu em 1884, cinco anos após o lançamento da primeira pedra. Três dias depois da Implantação da República (5.10.1910) a igreja foi encerrada, passando a ser utilizada como depósito da Farmácia Central do Exército; desaparece então o seu recheio, incluindo a imagem do orago original, a Imaculada Conceição.

Em 1917 a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e Senhor Jesus dos Passos da Santa Via Sacra, da Igreja Conventual de Santa Joana, foi desapossada do seu templo e dos seus bens. Como compensação, foi-lhe entregue, em 1924, a Igreja da Imaculada Conceição, de que só viria a tomar posse em 1938. A 13 de Outubro do mesmo ano, o Cardeal Patriarca, D. Manuel Cerejeira, criou a Paróquia de Santo António de Campolide, cuja sede instalou na igreja de que agora falamos.

Para o pároco, P. João Nogueira, o que é mais chocante “não é o desprezo pela paróquia, mas pela memória histórica e artística do edifício”.

Subamos ao primeiro andar. As imagens que deixamos (ver abaixo) revelam o essencial, mas fica ainda por dizer que a ruína dos algerozes provoca o abate sucessivo do tecto, que se abre sob o peso dos pombos vivos e mortos, dos ninhos e dos dejectos. Não é difícil conceber a imagem e o cheiro destes destroços quando eles soçobram em todo o lado, incluindo no próprio gabinete do pároco. “Desgasta muito. Temos de viver um dia de cada vez”, desabafa. Interromper o culto está fora de questão, pois isso significaria a transferência total e definitiva do templo – cujo uso foi cedido a título precário e gratuito – para a posse do Estado.

Só quem vê, continua o pároco, é que se pode dar conta do estado a que chegou a igreja. Nós preferimos dizer: ver não chega; seria preciso viver na tensão criada pela expectativa do que pode suceder nas horas de dilúvio. Sem nos demorarmos nos perigos associados à frágil sustentação das madeiras, que a obrigação das inspecções diárias faz esquecer, a maior inquietação reside no perigo de incêndio, dado que a chuva cai sobre os projectores e sobre as caixas eléctricas. O Padre João não teme pela sua vida, mas pela dos seus: “O meu maior medo é que aconteça alguma coisa enquanto estiverem aqui pessoas”.

Para evitar que o problema caia no esquecimento, foi colocada em 2005 uma faixa no exterior, denunciando que a igreja “está a cair aos bocados”; nos últimos anos têm sido enviadas cartas à Presidência da República, ao Ministério das Finanças, à Câmara Municipal, ao Provedor de Justiça, e ao IGESPAR. As últimas notícias referem que os organismos estatais competentes não têm verbas para proceder às reparações.

Perante esta situação, o Patriarca de Lisboa solicitou ao Ministério a entrega da posse da igreja à Irmandade. Talvez com esta medida se tornasse mais fácil obter e aplicar os fundos necessários para a reconstrução do telhado, obra que impediria males maiores e que, por isso, é a mais urgente.

 

Imagens da igreja de Santo António de Campolide (1.ª série)
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Imagens da igreja de Santo António de Campolide (2.ª série)
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Conheça o «site» da Paróquia de Santo António de Campolide

 

© SNPC - Publicado em 20.11.2007

 

 

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P. João Nogueira
P. João Nogueira no seu gabinete.
Ao canto, os recipientes
para apanhar a água
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