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Fé e cultura

Um novo comboio a partir

Recordo sempre com algum humor as aulas de História da Igreja, principalmente no que se refere a Gregório XVI, um Papa do século XIX. Viveu em plena revolução industrial, onde o vapor substituiu vários processos de manufatura. Não gostava particularmente da ideia dos comboios. Dizia: “chemin de fer, chemin d'enfer”. O comboio revelou-se, contudo, sinónimo de transformação, sem desencadear a perda de fé, como talvez receasse o Papa.

Passados dois séculos, estamos numa nova revolução: a era digital e o crescimento exponencial da internet. Até há alguns anos dizíamos: “vou à internet”, hoje, ela acompanha-nos para todo o lado (smartphones, tablets/ipad, netbooks, laptops).

Numa sociedade profundamente transformada pelo digital (à imagem da revolução industrial), torna-se anacrónico falar de um mundo virtual em contraposição a um mundo real. Aquilo que ainda se chama de “virtual”, como o fazem alguns documentos da Igreja, é tão real quanto o “real”. Se assim não fosse, qual seria a lógica de uma Igreja presente num mundo “não-real”? Diria até que não faz sentido falar de “mundos” (ou de um sistema de contraposição), de modo a que não se gere uma linguagem ambígua, mas sim de uma sociedade que vive numa era digital e está cada vez mais online.

O ano passado, a Prof. Chiara Giaccardi, a pedido da Conferência Episcopal Italiana, orientou um estudo sobre “as relações comunicativas e afetivas dos jovens no cenário digital”. Muito resumidamente, podemos dizer que se concluiu que existe uma “baixa descontinuidade” entre o offline e o online, ou seja, configuram-se “como dois níveis de experiência unitária (unificada pelo sujeito em relação) e não como dois mundos paralelos, alternativos)”. O mesmo é dizer que, para os jovens, as relações humanas atravessam indistintamente os vários níveis da dimensão comunicativa: o “João” dá bom dia à “Maria” numa SMS, encontra-se com ela na universidade, comenta as suas fotos no Facebook e, à noite, liga-lhe através do telefone ou Skype.

Os espaços da rede não são utopias, projeções de uma vida alienada. Pelo contrário, são lugares complementares e antropologicamente significativos. Assim, não se pode afirmar que existem riscos exclusivos da internet. O isolamento, as vidas duplas ou a perda do sentido dos valores são fenómenos anteriores à era digital e que, certamente, continuarão a existir.

Apenas nesta ótica percebemos o interesse da Igreja na internet e nas redes sociais. Uma Igreja ausente desta realidade é uma Igreja que se dispensa de falar de Cristo ao mundo de hoje. Mas como estar e onde estar?

Quer seja a nível institucional, quer a nível pessoal, terá de ser uma presença com a marca de um testemunho coerente e genuíno, o que implica, desde logo, uma transparência quanto à sua condição de crente. O “testemunho” é a única linguagem que encontra um recetor disponível. Não existem posições neutras. Pode existir, isso sim, um itinerário pedagógico que, por vezes, o diálogo exige.

O primeiro nível de presença, a nível institucional, é a página oficial. Serve de referência, como sinal de estabilidade e fonte de notícias credíveis. Contudo, já não é suficiente. Ter um site equivale analogamente a ter uma igreja. Quem entra numa igreja? Quem tem um sentido de pertença. E se nós quisermos falar com os não-crentes ou aqueles batizados afastados?

Um segundo nível passa pela disponibilização de conteúdos multimédia de elevada qualidade, quer no conteúdo quer na forma: entrevistas, reflexões, concertos e notícias de interesse comum entre crentes e não-crentes.

Um terceiro nível, certamente mais arriscado e proactivo, passa pelas redes sociais e, particularmente, pelo Facebook. Neste momento, o Facebook conta com 630 milhões de utilizadores e, em média, é utilizado 44 vezes por mês, ou seja, pelo menos um vez todos os dias. Perante este cenário, pode a Igreja ignorar o seu potencial? Penso que não. Importa, por isso mesmo, refletir sobre as modalidades de presença.

Em boa verdade, as iniciativas mais assertivas neste âmbito encontram-se a nível individual: “Toques de Deus”, “Passo-a-rezar” (com cerca de 12.000 pessoas), “Auditório Vita” ou ainda o Prof. Bento Oliveira com a iniciativa “Lent2Face”. Partilhar conteúdos, provocar a reflexão, criar uma atmosfera recetiva, tudo isso é importante. Mas mais importante é o atrevimento de um testemunho sincero e provocador, de quem não se inibe de anunciar Cristo, ainda que para muitos seja “o Desconhecido”. O sucesso destas pessoas / iniciativas é que não levaram para o Facebook ou blogs uma carga institucional, informativa, mas ousaram expor-se, falarem de si e daquilo/daquele em que(m) acreditam. No fundo, criaram a imagem de uma Igreja que acompanha o quotidiano das pessoas, que vai ao seu encontro (seja no computador, no ipod ou no diálogo presencial), e que se preocupa com as suas inquietações. E se cada pessoa que for tocada passar a mensagem, então cria-se uma verdadeira rede de evangelizadores.

E isto leva-me ao quarto e último nível. Apesar das potencialidades do Facebook, seria necessário, também na internet, criar um “Pátio dos gentios”, um espaço onde, de um modo mais alargado, fosse possível dialogar sobre “O desconhecido”. Ora, este espaço terá de assentar num projeto cultural. Por “cultural” entende-se, neste âmbito, as múltiplas dimensões que constituem a vida das pessoas: família, trabalho, educação, lazer, cultura e afetos. Isto para que, finalmente, dialoguemos sobre as dúvidas que as pessoas têm e não permaneçamos na lógica de quem oferece respostas a dúvidas que ainda não existem. Neste “Pátio” é necessário, portanto, fazer silêncio para ouvir, para que fale “o Desconhecido” que, pela incarnação, adquire um rosto: Jesus Cristo.

 

Imagem

 

Tiago Freitas
www.patiodosgentios.com
In Agência Ecclesia
29.03.11

Foto
Uden Graham/Redlink/Redlink/Corbis
























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