Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes
Maria Helena da Rocha Pereira

Ignorar o que se passou antes de uma pessoa ter nascido é ser sempre criança

A 20 de Junho, no decorrer das IV Jornadas da Pastoral da Cultura, a Professora Maria Helena da Rocha Pereira recebeu das mãos de D. Manuel Clemente o Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes 2008.

Apresentamos agora as palavras proferidas na ocasião pela eminente investigadora.

"Estou naturalmente muito grata ao Secretariado da Pastoral da Cultura da Igreja Católica por ter tido a generosidade de me escolher para a atribuição do Prémio Padre Manuel Antunes para este ano. Mas mais grata ainda por duas outras razões, que passo a enumerar.

A primeira deriva da escolha da área a contemplar, uma área que está nos alicerces da Cultura Europeia e de todas aquelas que, tributárias desta em muitos continentes – sem esquecer a longínqua Austrália e Nova Zelândia –, dela derivam. Podem muitos dos nossos contemporâneos esforçar-se por esbater ou mesmo ignorar esta relação, mas a verdade é que tentar fazê-lo é renegar a História. É desconhecer a necessidade de aprender com aquela forma do saber que há mais de vinte séculos Cícero chamou “testemunha dos tempos, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida” e sobre a qual escreveu uma outra frase que ainda hoje precisa de ser meditada, sejam quais forem os caminhos para onde a sociologia actual pretenda desviar-nos: “Ignorar o que se passou antes de uma pessoa ter nascido é ser sempre criança”. E é também renunciar aos benefícios que traz consigo o estudo do Grego e do Latim, essas línguas cuja estrutura é tão propícia ao desenvolvimento do raciocínio e de cujo vocabulário brota quase toda a linguagem científica e técnica de que nos servimos – quer vinda directamente da Antiguidade, quer assente em neologismos a partir daquele constituídos.

Maria Helena da Rocha Pereira e D. Manuel Clemente

A outra razão que me desvanece é o prestígio que ao prémio advém do nome do seu patrono. Uma circunstância fortuita investiu-nos, a ele e a mim, na regência de uma mesma cadeira cujo ensino se inaugurava então em Portugal – a de História da Cultura Clássica, criada pela inovadora reforma de 1957 – no seu conjunto, a melhor de quantas até hoje vigoraram nas nossas Faculdades de Letras. Coube a ele assegurá-la durante anos sucessivos, em Lisboa, e a mim, em Coimbra. Apesar disso, tanto quanto me lembro, nunca nos encontramos pessoalmente, salvo uma única vez, num júri de doutoramento. Mas eu lia os seus livros e artigos na revista Brotéria e noutras publicações, e por aí pude apreciar e, cada vez mais, admirar as suas múltiplas qualidades, que o contacto ocasional com antigos alunos seus – e eles eram aos milhares, visto que a cadeira era obrigatória para todos os cursos de Letras, excepto Geografia – sucessivamente confirmava.

Os livros e artigos são numerosos, e está felizmente em curso a sua reedição na totalidade, graças à Fundação Calouste Gulbenkian. Tão variegado era o espectro dos interesses do P. Manuel Antunes que houve necessidade de os repartir em volumes por nada menos de cinco áreas, desde a Theoria e Paideia à Estética e Crítica Literárias. Recordemos que a formação escolar do autor era constituída por um sólido conhecimento das Línguas Clássicas, que a cada passo ele mostra dominar na perfeição. Mas o seu conhecimento não se restringia àquela conhecida máxima: “Conjuga e declina e saberás a língua latina”. Ele alargava-se ao domínio da Literatura, da História, da Filosofia. E mais: a sua prática dos principais idiomas estrangeiros permitia-lhe o acesso a tudo o que de melhor se ia publicando. Mas tal não se limitava apenas ao âmbito das suas aulas e trabalhos na respectiva área. Com o mesmo conhecimento de causa, ele era capaz de analisar obras da Literatura Inglesa ou o efeito das teorias políticas ao longo dos tempos, sem esquecer, antes voltando a elas frequentemente, em perspectivas diversas, as de Hobbes, Rousseau, Marx e Engels, entre muitas outras. Mas, para além da informação e da amplitude da sua formação filosófica, há que elogiar a objectividade e a serenidade dos seus juízos de valor. Até uma questão que diríamos menor, como a tão debatida existência ou não de uma filosofia portuguesa, em que tanta tinta se tem gasto, ele foi capaz de situar e analisar, elogiando diversas figuras, para terminar por reduzir a discussão às suas verdadeiras dimensões: “se é nacional, não é filosofia; se é filosofia, não é nacional”.

Profundidade de pensamento, amplitude de informação, clareza da escrita, sensibilidade ao fenómeno literário são algumas das qualidades que ressaltam dos seus muito variados escritos. Mas sente-se também que ele é um homem da polis, cuja organização analisa com lucidez e coragem, mas sempre com a serena objectividade que o caracteriza.

Um dos seus últimos livros, “Repensar Portugal”, é uma reflexão sobre o País, em que convergem todas as qualidades que distinguiam o autor. Editado em 1979 e reeditado em 2005, é uma obra modelar, sempre actual, em que a informação e a isenção se conjugam, mais uma vez, de forma paradigmática.

É por todos estes motivos, sumariamente enumerados, que me sinto particularmente sensibilizada pela concessão deste Prémio.

Nome maior da Cultura em Portugal, no Padre Manuel Antunes confluem o grande conhecedor das Letras Clássicas, o modelo do professor que não foi nunca «homo unius libri», o detentor de qualidades morais e intelectuais que nos legou uma herança difícil de ultrapassar."

Maria Helena da Rocha Pereira

Acto de entrega do Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes 2008, Fátima, 20.06.2008

© SNPC | 07.10.2008

 

 

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