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Pontifical de Luxo Brácaro-Romano

Pontifical de Luxo Brácaro-Romano: Ms. 870 do Arquivo Distrital de Braga [1485-1516]

(...) Sem mais delongas e pensando, sobretudo, em quem não teve ainda um contacto direto com esta obra, de 1128 páginas, que ostenta um título, à primeira vista, um pouco surpreendente ─ Pontifical de Luxo Brácaro-Romano: Ms. 870 do Arquivo Distrital de Braga [1485-1516] ─ diremos que se trata do vasto e excelente estudo, elaborado pelo Cónego Joaquim Félix, a partir de uma importante fonte manuscrita da liturgia bracarense, conservada no Arquivo Distrital de Braga, apresentado, como tese ou dissertação de doutoramento ao Pontifício Instituto de Santo Anselmo de Roma, aí defendida com pleno êxito, tendo obtido a mais elevada classificação ─ «summa cum laude» ─, equivalente, em Portugal, a «com distinção e louvor». (...)

De forma muito simples, podemos afirmar que esta obra é muito mais do que a edição crítica do antigo pontifical bracarense, conservado no Arquivo Distrital de Braga, sob a cota Ms. 870, pois constitui uma revisão da história do rito ou costume bracarense, integrada nos diversos contextos histórico-culturais que o mesmo atravessou, ao longo dos séculos. Esta visão de conjunto, indispensável para a análise interna desta fonte litúrgica bracarense, realizada pelo Doutor Joaquim Félix, numa base intensamente comparativa, agora publicada e ao alcance de todos, é, ao mesmo tempo, um vigoroso contributo para a clarificação de alguns aspetos da liturgia bracarense, cuja amplitude não tinha sido possível captar, desconhecimento grave, que está na base de situações lamentáveis que, há décadas, ensombraram a vida diocesana (...).

Antes de prosseguirmos, impõe-se esclarecer o título da obra: Pontifical de Luxo / Brácaro-Romano: Ms. 870 do Arquivo Distrital de Braga / [1485-1516], que revela as três grandes partes que a integram,e passamos a explicitar para todos sabermos de que se está a falar:

Pontifical - trata-se do livro, essencialmente, constituído pelos textos das missas e bênçãos, utilizados nas celebrações presididas pelo Arcebispo (pontífice), ao longo ano litúrgico;

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de luxo - porque, mercê do cuidado e atenção postos na escolha dos elementos materiais utilizados na estrutura deste códice e da qualidade e esmero ou, mesmo, requinte, com que foram executadas a escrita, a decoração e a própria encadernação, bem merece ser classificado obra de luxo e colocado ao nível de outros, de idêntica qualidade, espalhados por sés e arquivos, nacionais e estrangeiros;

brácaro-romano - esta designação destina-se a indicar aos leitores, de forma imediata, a génese do seu conteúdo, que se insere nas duas fontes tradicionais específicas da liturgia de Braga, que é, sem dúvida, uma glória multissecular da nossa Arquidiocese, isto é, o fundo local, autóctone e os elementos recebidos da tradição romana;

por fim, a data crítica, compreendida entre [1485-1516], traduz a conclusão a que o Autor chegou, após um intenso trabalho de análises comparativas, para situar cronologicamente, a origem desta importante fonte litúrgica, infelizmente, não datada. (...)

Não é possível acompanhar aqui a riqueza informativa aduzida pelo Doutor Joaquim Félix acerca dos diversos períodos abordados, ao longo dos catorze séculos por ele percorridos neste estudo, convindo, no entanto, anotar que no primeiro ─ que bem se pode considerar fundacional ─, delimitado pela mencionada consulta do arcebispo Profuturo (537) e pela reunião do IV Concílio de Toledo (633), não obstante as conhecidas e prolongadas discussões teológicas de então, à luz das orientações da carta do Papa Vigílio e das disposições do I Concílio de Braga, foi possível consolidar a doutrina e a liturgia da Eucaristia e a do Batismo, com a integração da tríplice imersão.

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Nos tempos seguintes, após a anexação do reino suevo pelos visigodos, em 585 e, sobretudo, nos conturbados tempos da dominação árabe e o longo confronto dos reinos cristãos do Norte da Península com os dominadores da restante Ibéria, assistiu-se ao desenvolvimento da liturgia hispânica em diversos sentidos, até que, em 1080-1085, se documentam os primeiros sintomas da presença da liturgia romana, no âmbito da antiga diocese de Braga, restaurada em 1071. Durante os primeiros anos da restauração da Diocese e da progressiva organização paroquial, acrescida do entusiasmo existente em torno da construção da Sé, bem patente nas inúmeras doações transcritas no Liber Fidei, a liturgia hispânica aqui seguida teve uma fase de desenvolvimento verdadeiramente notável.

Os testemunhos documentais da presença de textos da liturgia romana dentro do território diocesano bracarense está, sem dúvida, relacionado com a chegada dos primeiros monges beneditinos cluniacenses, que por toda a parte foram os grandes difusores da Reforma gregoriana e da liturgia romana, como poderoso elemento de coesão em torno do Romano Pontífice, a braços com o desenvolvimento da conhecida Questão das investiduras, de repetidas consequências nefastas no contexto bracarense, concretizadas nas deposições do bispo D. Pedro (1092) e do arcebispo D. Maurício Burdino (1118). Em relação ao declínio e subsequente abolição da liturgia hispânica, apesar da anunciada presença inicial do rito romano, entre 1080-1085, a deposição do bispo D. Pedro abriu caminho ao avanço dos partidários da introdução da liturgia romana, durante o período de sede vacante (1092-1099), que ganhou novo fôlego com a subida de D. Geraldo ao sólio bracarense, agora exornado com o reconhecimento da dignidade metropolítica, cuja recusa já tantos males tinha causado na vida diocesana. Por sua vez, D. Geraldo, convicto partidário da implantação do monaquismo beneditino cluniacense ─ em que, gradualmente, se iriam filiar as comunidades monásticas autóctones ou de tradição frutuosiana ─, da introdução da Reforma gregoriana e de liturgia romana, foi, ao mesmo tempo, o maior adversário da sobrevivência da liturgia hispânica, como se pode concluir da consulta feita ao Romano Pontífice acerca da validade das ordens sacras conferidas segundo o rito hispânico.

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O período decorrente entre 1092 e 1108  ─ deposição do bispo D. Pedro e morte de D. Geraldo ─ assinala a agonia e supressão oficial da liturgia hispânica e a afirmação da liturgia romana, que teve muitos obstáculos a vencer na sua longa caminhada, sendo um dos mais graves a falta de livros, que urgia mandar copiar para responder às necessidades do clero e das comunidades espalhadas pela cidade de Braga e por toda a Arquidiocese. (...)

Este período de mudança litúrgica a que nos estamos a referir foi decisivo na afirmação da liturgia romana, que, afinal, está na base do que vulgarmente se designava liturgia bracarense. Esta nova realidade litúrgica foi, atentamente, estudada pelo Doutor Joaquim Félix de Carvalho nesta obra, tendo demonstrado e acompanhado a sua coesão até ao segundo quartel do século XVI (1537/38), situando-se também nesses três séculos e meio as fontes da liturgia bracarense, objetos dos mais importantes estudos que precederam a edição que estamos a apresentar, nomeadamente, sobre o Missal de Mateus, o Breviário de Soeiro e este Pontifical. (...)

Ao longo dessa bela síntese histórica dos caminhos da liturgia bracarense, o Autor teve sempre presentes duas preocupações: determinar a génese e a data do Pontifical, objetos do seu estudo, que a partir de 1537, adquiriu nova dimensão. (...)

[A investigação permitiu ao autor apurar a] (...) dependência dos missais bracarenses de 1538 e 1558, respetivamente, das seguintes fontes romanas, respetivamente: o Manual (ou ritual) conimbricense, de 1518, e o Missal de Salamanca de 1533, e que o de 1924 depende do romanizado de 1558, cuja edição se ficou a dever à iniciativa e aos esforços de D. Frei Baltasar Limpo.

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E não admira que este missal de 1558 tenha continuado a exercer grande influência em edições futuras bracarenses, pois, no exemplar impresso em pergaminho, D. Frei Bartolomeu do Mártires deixou uma nota autógrafa ordenando a sua guarda no Arquivo para servir de modelo a futuras edições, já que, entretanto, as outras dioceses da Província optaram, definitivamente, pelo rito romano.

Após longo cotejo da importante fonte litúrgica bracarense, que é o Ms. 870, com outras similares, inclusive, do século XV, (em Roma e nos arquivos e catedrais de Espanha), teve a satisfação de verificar e esclarecer a sua dependência do Pontificale romanum, organizado por ordem de Inocêncio VIII, a fim de banir as divergências, então correntes, nas celebrações episcopais, publicado, em Roma, em 20 de dezembro de 1485.

Foi esta clara dependência do Pontificale romanum, impresso em 1485, que permitiu ao Doutor Joaquim Félix classificar de híbrido o Pontifical bracarense por ele estudado. (...)

Apesar da riqueza de informações patente nos dois primeiros capítulos, o essencial deste projeto de investigação atinge o ponto culminante com o Estudo Litúrgico comparativo do conteúdo deste Pontifical, constituído pelos textos das bênçãos, missas e outros formulários inerentes às principais solenidades oficiadas pelo arcebispo de Braga, do Natal à Assunção de Nossa Senhora, com outras fontes similares, em ordem à eventual determinação de alguma influência genética, não faltando, em todos os casos, a sistemática integração no quadro do rito bracarense. (...)

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O terceiro capítulo é, por isso, também o mais importante e complexo desta obra, não sendo possível, neste momento, dada a sua natureza, tentar analisar o respetivo conteúdo, bastando esclarecer que os resultados comparativos dos formulários do Pontifical em estudo são sintetizados nos respetivos mapas esquemáticos das fontes detetadas, sendo apoiados, em jeito de resumo, por algumas observações finais. (...)

Além de uma longa conclusão, em que o Autor não deixou de formular algumas perguntas, que são autênticos desafios à prossecução da investigação acerca de questões em aberto sobre a história da liturgia bracarense, é justo salientar que esta obra, além de um extenso elenco de fontes e da vasta bibliografia utilizadas, está enriquecida com um minucioso quadro sinóptico dos textos paralelos das diversas fontes confrontadas. (...)

A tese do Doutor Joaquim Félix – que bem podemos considerar como o seu opus magnum - situa-se na linha de outros importantes estudos sobre a Liturgia Bracarense e a história da Arquidiocese, frequentemente por ele citados, mesmo quando as conclusões pessoais lhe sugeriram outras opções.

Apesar dos aspetos importantes que o Autor nos foi revelando ao longo do seu estudo, é importante ter presentes as seguintes conclusões:

- a liturgia de Braga é de matriz romana desde os primeiros tempos;

- não obstante o hibridismo que a caracteriza, o período mais característico e da sua maior coesão decorreu entre os princípios do século XII e 1537/1538;

- com D. Frei Baltasar Limpo, sofreu uma grande descaracterização;

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- na sequência da legislação pontifícia de 1568 e 1570, que, apesar da força unificante da publicação do Breviário e do Missal romanos, permitia a manutenção dos costumes litúrgicos com mais de duzentos anos, as dioceses sufragâneas de Braga optaram, definitivamente, pela liturgia romana, sobrevivendo o costume de Braga, apenas na nossa Arquidiocese;

- algumas das notas mais características da liturgia bracarense são tardias e não são exclusivas de Braga, nomeadamente, as dimensões eucarística, mariana e a devoção ao Espírito Santo, que, no entanto, deverão ser incentivadas.

Este estudo do Prof. Doutor Joaquim Félix de Carvalho proporciona a todos os interessados um conhecimento objetivo sobre a origem e as vicissitudes do rito ou costume bracarense, através da História da Diocese e da própria Igreja, em períodos e momentos concretos, que nos deve estimular a um amor consciente do nosso passado coletivo, nas dimensões cultural e religiosa.

Já não há tempo para retomar as evocadas perturbações, de há uns quarenta anos, em torno do rito bracarense e das votações adversas de muitos sacerdotes, feitas sem verdadeiro conhecimento de causa. (...)

E não hesitamos retomar as palavras com que encerrámos o prefácio (...): ─ Nesta obra, a Igreja de Braga e a Cultura Portuguesa têm um excelente motivo de grande satisfação e todos nós um exemplo de clarividente e aturada dedicação ao trabalho, sendo, por isso, devida uma palavra de louvor ao Autor, extensiva às Instituições que patrocinaram a sua realização e publicação.

 

Esta transcrição omite as notas de rodapé.

 

José Marques
Professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, membro da Academia Portuguesa de História
Excertos da apresentação da obra, Braga, 29.06.2011
Fotografias: Pontifical de luxo brácaro-romano
29.07.11

Capa

Pontifical de Luxo
Brácaro-Romano
Ms. 870 do Arquivo Distrital de Braga [1485-1516]

Autor
Joaquim Félix de Carvalho

Editora
Pedra Angular

Ano
2011

Preço
43,20 €

ISBN
978-989-971-190-7


 

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