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Leigos para o Desenvolvimento assinalam aniversário com "25 anos 25 contos"

Os Leigos para o Desenvolvimento assinalam o seu 25.º aniversário com o livro “25 anos, 25 contos”, que vai ser lançado a 12 de dezembro.

Os editores pediram a 25 personalidades que escrevessem textos inspirados em fotografias obtidas nos países lusófonos onde a organização tem projetos de cooperação.

O volume contém depoimentos de Abel Neves, Andreia Faria, António Pinto Leite, António Vaz Pinto sj, Carminho, Catarina Furtado, Cristina Peres, Danílio Barros, Fernanda Freitas, Gabriela Ludovice, Isabel Stilwell, José Luís Peixoto, José Rui Teixeira, Laurinda Alves, Lígia Roque, Mafalda Veiga, Marcos Pinto, Mário Cláudio, Mukhwarura, Nuno Tovar de Lemos sj, Olinda Beja, Paulo Magalhães, Rosa Alice Branco, São Deus Lima e Zé Pedro.

Os textos reunidos na obra que conta com a parceria das Edições Tenacitas são assinados por autores de Portugal e dos países onde os Leigos para o Desenvolvimento estão instalados: São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor.

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A sessão de lançamento está marcada para Lisboa, às 19h, na Livraria Ler Devagar, no espaço Lx Factory (rua Rodrigues Faria, 103, perto de Alcântara). O encontro conta com as intervenções de António Vaz Pinto, s.j., Cristina Peres, Fernanda Freitas, Filipe Pinto, Laurinda Alves e Lígia Roque.

As receitas obtidas com a venda do livro revertem a favor dos projectos implementados pela organização não governamental para o desenvolvimento (ONGD) nos países em que está presente.

O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura apresenta as fotografias e os textos criados por António Pinto Leite, José Luís Peixoto e Mário Cláudio.

 

António Pinto Leite
O amor ao próximo como critério de gestão empresarial

Foto

Esta fotografia tem uma beleza subtil: o caminhar pobre e lento daquelas mulheres esconde uma silenciosa harmonia. Para uma mente instintiva, inspira preocupação material e desejo de intervir. Para um olhar mais complexo, inspira perguntas irreverentes sobre as nossas certezas apressadas.

A fotografia leva-me a fazer uma pergunta improvável: como caminha a tua empresa, aqueles que nela trabalham, aqueles que dela dependem, aqueles que dela esperam, aqueles que nela confiam? Há naquele caminhar africano da fotografia uma aureola de pobreza e fatalidade, mas há uma harmonia que desafia. Será aquele caminhar apenas africano, ou as nossas empresas caminham no mesmo circunstancialismo?

Não me refiro à pobreza que torna a empresa insolvente. Penso na sua falta de responsabilidade social, na sua obsessão lucrativa, na sua ignorância sobre o que faz feliz o seu colaborador, na sua tensão destruidora, no seu pulsar insustentável de curto prazo, na sua desconsideração sobre o mundo que a rodeia e sobre o mundo que há-de vir.

A concorrência económica permite algum papel a Deus? É Cristo bem vindo na competição empresarial, ou é um intruso que apenas atrapalha? A ausência de Deus na nossa vida empresarial é uma fatalidade, inscrita na natureza das coisas?

Como presidente da ACEGE - Associação Cristã de Empresários e Gestores, este tem sido o centro da minha missão e do meu serviço.

Fala-se muito em ética empresarial, em ética nos negócios, mas falta falar em ética cristã.

O primeiro ponto está, precisamente, em compreender o que é a ética cristã, a sua raiz, o núcleo que lhe dá vida.

A ética cristã é diferente da ética em sentido comum. O centro da ética cristã não é uma abstracção intelectual ou um consenso social, é Cristo, é o Amor. O fundamento do dever ser cristão não é uma moral, é o Amor. Não podemos confundir Cristo com o princípio da boa fé, nem o Evangelho com o Código Civil.

O Amor contém, ele próprio, um código de conduta, a sua ética. A honestidade, a prudência, a justiça, a humanidade, a energia criadora, o longo prazo, são consequências naturais do Amor.

E este é o segundo ponto que importa compreender: o Amor é o mais poderoso critério racional de liderança de uma organização. Na sua intimidade, permite decidir sem grande esforço.

O Amor é sério e honesto, o Amor é responsável diante dos riscos, o Amor vê e alcança todos os que podem ser atingidos pelas suas decisões. O Amor procura a competência para poder servir. O Amor tem os outros no centro das suas preocupações. O Amor não abusa dos mais fracos, antes protege os mais fracos.  O Amor não é ganancioso, nem árido de valores, nem obsessivo com o lucro pessoal. O Amor é ansioso por dar frutos e multiplicar. O Amor é ganhador, protege o que lhe cabe amar. O Amor nasceu ensinado sobre a dignidade da pessoa humana e a sua centralidade. O Amor tende para sempre e tem o longo prazo como critério. O Amor é exigente e frontal, é inspirador e não manipula. O Amor faz as pessoas felizes.

Por isso, a mensagem é directa: adoptemos o princípio do amor ao próximo como critério de gestão empresarial. Parece absurdo, inaplicável, místico ou ridículo. Mas não é: significa tratar os outros como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles. Nenhum critério pode ser mais pragmático ou operacional. Ao tomarmos decisões, coloquemo-nos sempre no lugar do nosso colaborador, do nosso fornecedor, do nosso cliente, do nosso accionista, do nosso concorrente, da comunidade que nos envolve e sofre, dos que hão-de vir e esperam receber de nós um mundo vivível.

No lugar deles, que esperaria eu de mim?

Se há uma crise moderna do Homem, ela passa por aqui. A sociedade estruturou as suas referências, as suas expectativas e os seus comportamentos como se o Amor não fosse a pedra angular da vida em sociedade, mesmo em contextos competitivos. Perdermo-nos do Amor como explicação e natureza essencial do Homem, é alienar o próprio Homem. É projectar a vida real das pessoas, o seu quotidiano de realização e de entrega, amputando a parte mais decisiva que as faz ser felizes e fazer a diferença na empresa e no mundo.

A economia parece, tantas vezes, uma arena de luta sem regras, de egoísmo predador, de gabarolice ganhadora, de sobrevivência gratuita. Está mal e não devemos pactuar com isso. Devemos tratar os outros como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles.

Tenho o privilégio de dirigir, com os meus sócios, uma organização com 250 pessoas, com elevado reconhecimento e lucrativa. O que aqui escrevo não é de ânimo leve, nem sem sentido da realidade e do pragmatismo empresarial.

Não se trata de gerir de modo ingénuo ou impossível, de recusar ser competitivo, de não enfrentar o sofrimento, como um despedimento, quando necessário. Nada disso. Trata-se de fazer tudo o que uma boa empresa impõe, trazendo aquela pergunta na nossa consciência: no lugar deles, que esperaria eu de mim?

Os responsáveis empresariais devem ser dignos dos dons extraordinários com que Deus os distinguiu. O dom do risco, o dom da liderança, o dom do negócio, o dom da organização, o dom da entrega do resultado, o dom de não quebrar, o dom da energia, o dom do sentimento positivo, o dom de empreender, o dom de exigir, o dom de decidir. Aos líderes cristãos acresce o dom da Fé.

Líderes com valores cristãos fazem organizações humanizadas. Organizações humanizadas fazem pessoas felizes. Pessoas felizes fazem empresas produtivas. Empresas produtivas fazem uma economia competitiva. Uma economia competitiva faz uma sociedade justa.

 

José Luís Peixoto
Outro aqui

Foto

É bem lá fora. É até por detrás das montanhas. Mais longe do que o Tarrafal, mais longe do que Pedra Badejo, mais longe do que a Praia. É longe sim. Se fosse perto, era fácil. Se fosse perto, quase que não tinha valor. Ouve-me bem, menino, escuta-me. É mesmo mais longe do que Portugal, mais longe do que a Holanda, mais longe do que a América. Tu, que conheces os netos da Nha Rosa de Odjo Fino, sabes do que estou a falar. Quando eles chegam, Agosto sim, Agosto não, com aquelas roupas novas, brilhantes de Portugal, com o crioulo enferrujado e as mãos desacostumadas do pilão. Quando eles chegam embalsamados como pássaros de penas envernizadas, a cheirarem a avião e com os olhos inchados de tudo o que viram, com a boca a tropeçar nas palavras que não chegam para explicar tudo. Pois, fica sabendo que nem os netos da Nha Rosa de Odjo Fino, filhos da Neide de Nha Rosa, filhos da Zumila de Nha Rosa, vieram de tão longe, nem eles conheceram tanta distância.

Aproxima-te, menino. Este ano, as montanhas esverdearam-se. As caldeiras que os homens cavaram, as montanhas escamadas, tiveram utilidade preciosa para receber a chuva. Santa chuva, sagrada chuva, bênção molhada, repente de milagre. Este ano, haverá milho distribuído por cachupas ricas e, depois, cachupas guisadas. Cachupas ricas ao domingo, barrigas redondas, homens de perna aberta, sentados, a conversarem sobre a mocidade antiga, o sol morno, e crianças correndo, não sentindo as pedras, terra vermelha, cheia de esperança. E, depois, cachupas guisadas, junto com o café da manhã, cheiro bom de acordar com fartura, manhãs tão limpas, tão nítidas e, lá por detrás da montanha, o mar.

Deixa-me falar-te agora do mar. A Ilha de Santiago é tão grande. A estrada entre a Praia e o Tarrafal, com paragem na Assomada para esticar as pernas, para lhes dar outra vez a articulação natural das pernas, é tão grande. A estrada é tão grande. Ainda em Fevereiro, talvez em Fevereiro, quando apanhei um Hiace, ia cheia de coragem e, mesmo assim, esmoreceu-me o espírito logo ao fim da primeira hora. Num quadradinho de espelho, lá à frente, eu via os olhos compenetrados do rapaz que ia a guiar o Hiace. Eu confiava que estava a fazer o melhor que se podia fazer, mas eu sabia que o problema é o tamanho desta terra. Porquê tão grande? Faz falta mais mar, mais oceano, cheio de fresco e de peixe para fazer caldo de peixe.

Tão bom. Tu não, menino, mas os homens podem tomar o grogue que quiserem, podem até abusar um poucochinho, nada chega a ser muito num poucochinho, depois, um caldo de peixe bem picante, daquele que faz transpirar na raiz dos cabelos, limpa tudo, faz passar tudo. Até as gengivas se encolhem no topo dos dentes. Ui. É muito bom ter a língua a arder e passá-la pelos lábios. Essas horas têm também a forma das tardes de domingo, requerem descanso enorme e sombra. Eu, de fala com as minhas irmãs, sempre conheci essas horas. O meu pai, teu avô, chamava-lhes "horas dormidas". Repetem-se semanalmente e, nesses instantes, toda a Ilha de Santiago aproveita para respirar. Na Praia, e na Assomada também, os papéis são arrastados nas ruas pelo vento. Na Pedra Badejo ou na Calheta de São Miguel, as ondas, já se sabe.

Mas chega de falar da água. Eu sei que aquilo que queres saber não é líquido. Olhas para mim, imaginas nesta paisagem tudo aquilo que digo. Como eu, conheces e és capaz de recordar cada minuto do dia, cada instante aqui na nossa terra. Por isso, eu espero que me entendas, menino: é bem lá fora. Está lá longe, a vários destinos de caminho. Se te digo que é outro o ar que toca esse ponto de mundo é porque quero que sejas capaz de imaginar o imenso. Pensa no cachorro do Nho Antone Salvavida. É bravo, não é? Ninguém se pode chegar a menos de três passos, dois passos de pernas largas. Então, imagina uma distância que seja tão brava como o cachorro do Nho Antone. Imagina uma distância que rosne ao movimento mínimo, ainda nem estás perto de te aproximares, ainda não há sequer o cheiro e já está a rosnar. Depois, meio passo depois, já está a mostrar-te os dentes, como se quisesse rasgar-te o medo de dentro do peito. É assim o tamanho dessa lonjura. É selvagem e selvática ao mesmo tempo.

Por isto e por mais do que isto, meu menino, passa todas as horas que tiveres, passa tardes desmedidas a antever cada detalhe dessa resposta que procuras. Não deixes que ninguém te roube esse tempo. Não o troques por nenhuma regalia. Essa resposta pertence-te, inventa-lhe as arestas e, de olhos fechados, sente o toque de cada uma dessas mesmas arestas na palma da mão. Assim, estarás a preparar-te. Assim, estarás quase lá. Decide a cor que deverá ter em cada uma das suas faces. Descobre a evolução dessa cor conforme as horas do dia. Não te esqueças da aurora. Acorda cedo, mas não te esqueças de definir a cor que terá na aurora, é fundamental.

Essa tarefa poderá demorar anos. As tuas pernas e os teus braços, ninguém poderá evitá-lo, crescerão. Não deixes que esse resto de natureza te perturbe. Esse crescimento faz parte daquele invisível que nos atravessa, aceita-o, respeita-o. Se continuares sempre, chegará um ponto no tempo em que terás em ti, como se estivesse à tua frente, todos os contornos dessa resposta. Terá horizonte e claridade, multidão e silêncio. Terá tudo o que a realidade necessita. Então, nesse ponto preciso, a essas tantas horas, a esses tantos minutos e a esses tantos segundos, mesmo exacto como na televisão e nas coisas perfeitas, chegará o instante de começares a viagem.

Não temas a viagem. Fizeram-nos viajantes. Sabemos que existe aqui, a Nha Rosalinda tão velha, as meninas que se encostam à ombreira da porta e fixam a montanha, o Nho Raimundo Talvez, ou eu, que sou tua mãe e serei avó dos teus filhos, velha como uma praga; mas sabemos também que existe lá longe. Menino, lá longe está à nossa espera. Lá longe não mete desdém porque chegaremos lá e, nesse momento, transformar-nos-emos em lá longe. Não é lá longe que se transforma em nós, é o contrário, o vice-versa.

Não acredites que basta um avião para alcançar os lugares mais distantes. Às vezes, perto e longe são uma misturada. Às vezes, está tão perto e está parecido com milhentos quilómetros de lonjura. Às vezes, está na ponta do nariz, só se vê de olhos vesgos e, mesmo assim, está pior do que a lua ou do que aquelas estrelas que não se percebe se são estrelas ou se são reflexos a falharem nos olhos.

Repito: não temas a viagem. Quando a começares, lembra-te sempre que é longe, very longe, como diziam os primos americanos do Malaquias. Dá o primeiro passo já com essa certeza. Não queiras esquecer-te do tamanho enorme dessa distância. Lê-a nos meus olhos. Repara bem lá no fundo dos meus olhos. Vês? Mais fundo do que um poço, mais fundo do que todos os anos da minha vida, todos os anos da tua vida. É longe, menino. É longe com muita força, com muito peso. Quando parecer que falta pouco, desconfia. Quando parecer que já chegaste, não acredites. Não há vento, chuva ou sol, não há mar, nem sequer mar, não há céu ou noite, não há morte ou planeta que seja tão longe. Lá fora, logo ali, há muito. Há suficiente para lembrar pela vida inteira, não importa quantos anos tenha. Mas, lá longe, há tudo. Mesmo que seja tão longe, tão lá fora, tão sem protecção, sob a inclemência de segredos que nunca serão completamente desvendados.

Longe, muito longe, filho, mas não impossível.

 

Mário Cláudio
Bornal

Foto

No azul do nylon
onde a chuva
se suspende
juntas a pena de águia
a lâmina de ardósia
o ramo de cavalinha.

Debaixo do candeeiro de pé
o que escreve
decifra
os livros escuros
onde nenhum mistério
se guarda.

Tomas o atalho
de bornal pesado
carregas
o tesouro do sono
o deserto do homem
que fica.

 

Leigos para o Desenvolvimento
© SNPC | 07.12.11

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