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Poesia

"Categorias e outras paisagens": Um modo de ler o último livro de Fernando Echevarria

São quase quinhentas páginas, cada uma com seu poema, que nos são dadas a ler na última obra de Fernando Echevarria (Porto, Afrontamento, 2013).

Com nome estranho - Categorias e outros poemas – entendendo nós, à partida tratar-se das categorias do espaço e do tempo nas quais, segundo Kant, se fecha todo o entendimento.

Se fecha ou se abre?

É este o desafio, que, a meu ver, o poeta se coloca, pousando o olhar e elevando-o à memória, ao pensamento, ao afim, à ideia, como se o real implicasse ser absorvido, pensado, contemplado, enfim.

Pois,

«O silencia resigna-se a Palavra.
E esta tende a um silêncio
que, ao recolhê-la, alarga
o seu halo de quase pensamento.»

Em toda a obra de Echevarria, desde os próprios títulos – Introdução à Filosofia, Fenomenologia, Epifanias – há uma espécie de exercício ou ofício que consiste em captar as coisas e a sua própria manifestação, conduzindo-a de si para si. De certa forma, o artista exerce uma função maiêutica (no grau ontológico) permitindo que a verdade resplandeça nas coisas.

Assim,

«Era dentro que a paisagem vinha.
Apareciam as figuras nela
com a presença da memória ida
para confins de mais nenhuma terra.
(…)»

Não se trata em Echevarria, como em Platão, de afirmar a unidade ideal do ser pela contemplação. Trata-se de produzi-lo.

Há algo na leitura aturada desta obra, que fizemos à lareira neste inverno tão convidativo ao aconchego, indo e voltando, que nos recorda aquelas palavras de Nietzsche em Gaia ciência: só como criadores podemos destruir mas não esqueçamos entretanto isto: «basta criar novos nomes, valorações e probabilidades, para criar no horizonte novas coisas».

A recriação de Echevarria não é para a morte, é, de certa forma, para que a coisa possa ser o que é. Mas, não raro devia falar-se também para além desta facticidade do real numa dimensão de transitividade. Vejamos o seguinte poema:

«Foram abrindo-se. Foram
alargando a luz do estudo.
Pairam aqui. Mas, agora,
o espírito estende o uso
sobre o visto. Sobre a lomba
que dá para além de tudo.
Será paisagem nova?
Categoria? Ou abrupto
Pensamento? Livre, à conta
de quanto, sofrendo o estudo,
o levam por uma rota
de fundação. Sobe o mundo
à sua surpresa. À onda
de novidade. O tumulto
abismou-se. Ficou fora
a deslumbração do estudo»

O pensamento da morte e do além surge nesta obra discretamente na denominação da ocorrência do encontro com o outro de si, ou de si mesmo como outro, como diria P. Ricoeur, onde, a vida como escreve,

«É átrio e fim. Que morte é nascimento.
Aí categorias e paisagens
cessando estão. Professam sacramento
de espera, à espera de sofrer imagem.»

A obra subentende quase sempre, a difícil questão do tempo. O tempo como limite mas também como porta:

«Estamos perto de ver
o que não pode ser visto
mas se promete. Através
desse recuo infinito
que entrega a ausência
(…)
E o arroubo arrouba ver.
E ver abre-se ao não visto»

Como referi no começo, a poesia de Echevarria situa-se longe do nihilismo numa espécie de permanente recriação ontológica do real correspondendo aquilo que em Kant pretendia ser a tarefa da imaginação produtiva entre eros e memória, configuradora de imagens simbólicas, capaz de desenhar e configurar o próprio futuro naquilo que já representa. Esta síntese de eros e memória constituindo uma das melhores chaves de compreensão do ser humano.

Fernando Echevarria foi, em 2005, a primeira personalidade distinguida com o Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes, instituído pela Igreja católica em Portugal e entregue pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura com o objetivo de distinguir um percurso ou obra que refletem o Humanismo e a experiência cristã.

 

Arnaldo de Pinho
In Voz Portucalense, 12.2.2014
Com SNPC/rjm
12.02.14

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