O jornal “New York Times”, em 1942, em plena guerra, publicava uma série de artigos sobre homens da Igreja que se opunham a Hitler. A 8 de junho, o diário norte-americano abria a série intitulada “Churchmen who defy Hitler” com um artigo sobre o bispo alemão de Münster, Clemens August von Galen, definindo-o nestes termos: «O opositor mais obstinado do programa nacional-socialista anticristão».
O primeiro biógrafo de von Galen, o sacerdote Heinrich Portmann, tinha notado uma coincidência: «Galen governou como bispo durante um lapso de tempo igual ao de Adolf Hitler. Foi consagrado bispo nove meses depois de Hitler ter subido ao poder e morreu cerca de nove meses depois da morte do “führer”».
Certo é que quando a 5 de setembro de 1933 o papa Pio XI nomeia Clemens August para a cátedra de S. Ludgero, em Münster, os capacetes de aço com as cruzes recurvadas do Terceiro Reich presentes na solene cerimónia da sua entrada na diocese não imaginavam o osso duro de roer que era este prelado da Westfalia, de origens aristocráticas e enraizados sentimentos patrióticos.
Von Galen foi o primeiro bispo eleito no Terceiro Reich. O primeiro após a “Reichskonkordat” selada com a Santa Sé a 20 de julho de 1933, e foi um dos primeiros bispos alemães não só a intuir e a desmascarar com extrema lucidez e firmeza as mentiras da propaganda do regime e o perigo da ideologia do nazismo, mas também a denunciar fortemente e publicamente os crimes e a barbárie nazi.
Nas suas três famosas pregações do verão de há oitenta anos denunciou também o insano projeto nazista T4 para a eliminação das «vidas sem valor». «Não nos impele nem o louvor nem o temor dos homens», declarou em 1933, explicando o moto episcopal por ele escolhido: “Nec laudibus nec timore”.
Já em 1934, quando Alfred Rosenberg, o principal teórico do nacional-socialismo nomeado substituto do “führer” para a direção espiritual e ideológica do partido, faz difundir massivamente o seu “Mito do século XX”, von Gallen, na sua primeira carta pastoral diocesana da Páscoa, condena sem reservas a “Weltanschauung” neopagã do nazismo, evidenciando o carácter religioso dessa ideologia: «Uma nova nefasta doutrina totalitária que coloca a raça acima da moralidade, coloca o sangue sobre a lei, repudia a revelação, visa destruir os fundamentos do cristianismo. É um engano religioso. Por vezes acontece que este novo paganismo se oculte até sob nomes cristãos».
Mas é com as pregações do verão de 1941 que o bispo se torna famoso em todo o mundo, ganhando o apelido de Leão de Münster. A primeira pregação é de 12 de julho, quando, tendo vindo a saber da ocupação das casas dos jesuítas na “Konigstrasse”, o prelado decide intervir publicamente e desmascarar diante de todos as vis intenções da Gestapo.
É do púlpito da igreja de S. Lamberto que aponta a polícia secreta como responsável por todas as violações da mais elementar justiça social: «O comportamento da Gestapo lesa gravemente larguíssimos estratos da população alemã. Em nome do povo germânico honesto, em nome da majestade da justiça, no interesse da paz, ergo a minha voz na qualidade de homem alemão, de cidadão, de ministro da religião católica, de bispo católico, eu grito: exigimos justiça!».
O efeito desta primeira pregação foi explosivo. E na segunda, a 20 de julho, a igreja estava apinhada. AS pessoas tinham vindo de longe para o escutar. Von Galen faz abrir os olhos para a loucura do projeto perseguido pelo poder que levaria o país à miséria e à ruína, e bradou «contra a iníqua e intolerável ação que expulsa como selvagens os nossos religiosos e as nossas queridas irmãs … que persegue homens e mulheres inocentes».
Mas é a terceira pregação, a 3 de agosto, sobre o quinto mandamento, que, pela virulência das palavras, foi considerado pelo Ministério da Propaganda nacional-socialista «o ataque frontal mais forte desferido contra o nazismo em todos os anos da sua existência».
O bispo tinha tido conhecimento direto do plano de extermínio das crianças e dos idosos com deficiência, bem como dos doentes mentais nas casas de cuidados da Westfalia. O plano tinha sido mantido oculto, e só quem experimentou o tempo da ditadura nazista pode medir o significado destas palavras que um bispo ousou então pronunciar:
«São agora mortos, barbaramente mortos, inocentes indefesos; também pessoas de outras raças, de diversa proveniência são suprimidas. Estamos diante de uma loucura homicida sem igual… Com gente como esta, com estes assassinos que pisam orgulhosamente as nossas vidas, não posso continuar a ter comunhão de povo».
As pregações tiveram uma difusão enorme, foram inclusivamente lançadas do céu sobre Berlim pela Força Aérea inglesa. Furibundo de ódio, Hitler jurou que «acertaria as contas com ele até ao último cêntimo». O chefe das organizações juvenis das SS escreve: «Chamo-o o porco C.A., isto é, Clemens August». Hitler sabia, todavia, que eliminá-lo significaria fazer dele um mártir e renunciar a grande parte da população; decide, por isso, acertar as contas no fim da guerra.
Pelas modalidades de ação conduzidas pelo Leão de Münster interessou-se diretamente Pio XII: «As três pregações do bispo von Galen oferecem também a nós, na via dolorosa que percorremos juntamente com os católicos alemães, um conforto e uma satisfação que desde há muito tempo não experimentávamos. O bispo escolheu bem o momento para avançar com muita coragem».
As cartas que Pio XII envia ao bispo de Münster de 1940 a 1946 sublinham várias vezes a convergência de pontos de vista e o apreço para com a ação do prelado alemão. De resto, o sinal do mútuo entendimento foi o barrete cardinalício que o papa Pacelli lhe quis conferir a 21 de fevereiro de 1946 como escola “ad personam”.
O intercâmbio epistolar que reconstrui de forma integral sela uma constante ligação entre o Pio XII e aquele que aos olhos dos seus contemporâneos era considerado um símbolo da resistência ao nazismo da parte daquela Alemanha que não se tinha deixado uniformizar. Galen mergulhou num tempo desumano como advogado dos direitos divinos e da dignidade humana, tornando-se a referência para pessoas de todas as confissões e raça na luta contra a injustiça e opressão.
No dia da sua morte, o presidente nacional da comunidade hebraica expressou imediatamente o seu desejo de recitar sobre o seu túmulo o “Kaddish”, hino de louvor a Deus. Para todos aquelas cartas tornaram-se «as pedras angulares de uma nova Alemanha».
Galen foi beatificado por Bento XVI na praça de S. Pedro a 9 de outubro de 2005. Esperamos agora que um outro milagre por sua intercessão o conduza às honras da Igreja universal.