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São Miguel

Romeiros saem para a estrada em manifestação de fé

As romarias da Quaresma constituem uma das principais manifestações da religiosidade popular dos Açores, assumindo particular expressão em S. Miguel, ilha em que as romarias decorrem nas várias semanas compreendidas entre as Cinzas e a Páscoa. As romarias são uma tradição antiga surgida depois de em 1522, a primeira capital de São Miguel, Vila Franca do Campo, ter sido sacudida por um forte tremor de terra. Seguiu-se uma erupção vulcânica em que dos 4.500 habitantes só sobreviveram 500. Quarenta anos mais tarde outro vulcão surgiu no local onde se situa a Lagoa do Fogo. Desde então e durante as sete semanas da Quaresma, uns grupos, compostos unicamente de homens em promessa, os chamados “irmãos”, de todas as idades, percorrem a pé a ilha, chefiados por um “mestre”, rezando o terço pelo caminho de forma contínua e entoando cânticos religiosos na estrada e ao entrarem nas igrejas. Quando regressam à povoação de origem, oito dias depois, realiza-se uma festa em que participam os habitantes da freguesia.

Este ano, cinquenta e sete ranchos de romeiros de freguesias de São Miguel (num total aproximado de 2500 homens) fazem-se à estrada, a partir de hoje, sábado, numa caminhada de fé que atrai cada vez mais jovens.

Romeiros

Todos os anos, e durante uma semana, grupos de homens dão a volta à ilha, trajando uma indumentária tradicional (xaile, lenço, saco para os alimentos, bordão e terço) em cumprimento de promessas ou numa jornada de meditação.

Até à Páscoa vão sair todas as semanas mais de 10 ranchos por cada concelho da ilha, pernoitando em casas particulares ou salões paroquiais.

Gonçalo, 9 anos, sai este ano pela primeira vez num rancho da Ribeirinha da Ribeira Grande e admite estar um pouco nervoso, depois de ter sido desafiado pelo primo Filipe, um “experiente” romeiro. “Vou com gosto e fé”, confessou à agência Lusa o jovem romeiro, que já tem a roupa pronta para a caminhada.

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Foto: Bruno Domingues

Mais experiente, o primo Filipe, 13 anos, reconhece que “há momentos” em que chega a pensar em desistir, devido às dificuldades encontradas ao longo do percurso. Fica difícil caminhar com mau tempo e quando se formam as bolhas nos pés”, conta Filipe, que este ano vai pela quarta vez numa romaria, razão pela qual se torna “mais fácil” enfrentar a caminhada, porque “já está mais habituado”.

Na Ribeirinha o rancho é composto por mais de 60 “irmãos”, sessenta porcento crianças e jovens. “Este rancho já sai desde 1957. Nos últimos anos incorpora cada vez mais jovens”, assinala à Lusa o “mestre” Hermínio Sousa, 58 anos, romeiro há mais de quarenta.

Mestre Hermínio Sousa não tem dúvidas: “Há cada vez mais gente nova a participar nas romarias”, constata com satisfação e curiosidade, tendo em conta que se trata de “um longo percurso, feito muitas vezes com mau tempo”. Desde a idade escolar que as romarias ficaram “marcadas no seu íntimo”. “O regulamento não estipula nem idade mínima nem máxima, mas a partir dos 9 anos já começam a interiorizar este ato de fé, estimulados por familiares, amigos e padres da paróquia”, observa.

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Foto: Bruno Domingues

Hermínio Sousa assegura que “ninguém participa numa romaria por obrigação” e normalmente “quem vai pela primeira vez nunca mais deixa de cumprir” a tradição. “Acaba por ser um chamamento do alto”, remata Hermínio Sousa, alertando porém que a presença dos jovens “não pode constituir um subterfúgio à escola, já que é concedida dispensa”.

Também os funcionários e agentes da Administração Publica Regional dos Açores que queiram participar nas tradicionais Romarias da Quaresma estão dispensados de serviço no período em que decorrem, sem prejuízo de quaisquer direitos e regalias, determina um despacho do presidente do Governo Regional. O diploma subscrito por Carlos César condiciona, porém, tais dispensas ao “normal funcionamento dos serviços públicos”.

 

 

Nélia Câmara

in Diário dos Açores

03.03.2009

 

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