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Espiritualidade

Retiros espirituais: do encontro com Deus ao coração renovado

A edição de 30 de outubro da revista “Única” (semanário “Expresso”) publica uma reportagem sobre a prática de retiro espiritual, «que já faz parte do plano anual de muitos portugueses».

A reportagem de Teresa Gens incide sobre o Centro de Retiros Karuna (Serra de Monchique, ligado ao budismo e hinduísmo), os retiros Ananda Marga (Serra de Sintra) e as propostas dos Jesuítas (na Casa de Santo Inácio, na Praia Grande, concelho de Sintra) e das Escravas do Sagrado Coração de Jesus, em Palmela.

É destas duas congregações católicas que extraímos o texto apresentado seguidamente.

«A luz dourada do sol de outono trespassa as vidraças do refeitório, que é amplo e branco. Pouco passa das oito horas e quem está na Casa de Retiros de Santo Inácio, na Praia Grande, sentou-se à mesa com a música de Bach. Em loiça branca, o pequeno-almoço quer-se na justa medida do necessário. Não serão mais de 20 pessoas e comem em silêncio. Ao longo dos três dias – geralmente de quinta a domingo – em que o grupo está em Exercícios Espirituais (EE), nome que os jesuítas dão aos retiros, até uma mosca perturba.

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Por EE, explica Santo Inácio no seu livro, entende-se ‘todo o modo de examinar a consciência, de meditar, de contemplar, de orar vocal e mentalmente” e o silêncio facilita estas “operações espirituais”.

Ao Rodízio (como é conhecida esta casa de retiros, a mais antiga do país) chega um público variado. Uns sós, outros acompanhados. Uma mãe, que cem às vezes, é trazida pelo marido e pelos filhos pequenos. Voltam no domingo, à hora de almoço, para a vir buscar e “dizem que a mãe veio rezar”, conta Françoise Pinto de Abreu, ex-professora do Liceu Francês, adepta destes exercícios e, há 16 anos, a olhar com zelo por Santo Inácio, casa dirigida pelo padre Sérgio Diz Nunes.

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À entrada, o santo, em madeira esculpida por Barata-Feyo, estende os braços a quem vem em busca de ordem no espírito. Ao Rodízio e a Soutelo, outra casa da Companhia de Jesus, perto de Braga, chegam, sobretudo, católicos mas também muita gente que “anda à procura, que espera arrumar a sua vida a partir do encontro ou do reencontro com Deus”, diz o padre Nuno Tovar de Lemos, orientador destes exercícios na Casa da Torre (Soutelo), onde é possível fazer um retiro individual. “Com miúdos não se faz, há que perceber o alcance das coisas”, clarifica o ‘personal trainer’ do espírito.

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Os EE são variados. O orientador pode, por exemplo, lançar o mote: “A minha vida neste momento...”, sugerindo que escrevam uma carta pessoal e transmissível só a Deus sobre o tema. A leitura de um trecho dos evangelhos, à luz do qual cada um se observará, também é prática. Um dia de retiro tem cinco horas de EE e o objetivo é “reordenar a vida a partir do encontro com Deus”. A frase é simples, a tarefa nem tanto. “O orientador ajuda a fazer a leitura daquilo que a pessoa está a viver”, explica a irmã Marina, da Casa de Santa Rafaela Maria, em Palmela.

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É lá, junto das Escravas do Sagrado Coração de Jesus – que partilham com os jesuítas a espiritualidade e a experiência na organização de retiros – que Leonor Franco, aluna de mestrado, se entrega, anualmente, a uma semana de EE. Gosta de os fazer debaixo de uma árvore em especial. Quando parte não vai “perfeita” mas “mais atenta”. “Retirar-nos serve sempre para voltar melhor para a vida.”

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A envolvente das casas ajuda. Do terraço, no Rodízio, tudo se abarca: a serra de Sintra e seu palácio, de um lado, o mar imenso, do outro. Cadeiras aqui e ali testemunham ser um ‘spot’ procurado. Em Santa Rafaela, a serra do Louro e seus dois bravos moinhos revelam-se a quem sai do edifício e entra no viçoso jardim, Em ambas há quartos com WC para uso individual, cama, secretária e roupeiro. Pequenas capelas e salas de estar. O conforto é importante. Santo Inácio defendia que o corpo tem que estar bem para uma pessoa rezar. Boa mesa, em regime de ‘self-service’, e boa cama são garantidas. Só que antes há que fazer a caminha. Os lençóis brancos, bem dobrados, encontrá-los-á sobre o colchão. Além desta tarefa os cerca de 17 retirados em Santa Rafaela ajudam a pôr e levantar a mesa, secar e guardar louça.

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Trabalhos domésticos que não inquietam ninguém. A inquietação que pode surgir a quem pensa experimentar um retiro é outra: não devíamos gostar da vida que criámos? Sim? Então porquê fugir-lhe? “Normalíssimo”, diz o padre Nuno: “Qualquer pessoa minimamente saudável tem que se distanciar, e é tão natural e é tão bom.” Sendo certo que os EE são “sempre uma realização individual, porque há uma zona onde estamos sozinhos”, há casais que vão juntos. Ricardo Gonçalves Pereira e a mulher já planeiam as férias a contar com estes dias. À medida que o número de filhos cresceu (têm quatro) o tempo de retiro minguou. Mas este ano vão voltar aos oito dias originais (de retiro de silêncio), conta o gestor de 39 anos. Já faz retiros há 20 anos, na casa de jesuítas também, mas, sobretudo, com as Missionárias Verbum Dei, em Vale de Lobos (Sintra) e Espanha.

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“Racional e pouco místico”, Ricardo diz que nem sempre os retiros dizeram o sentido que fazem hoje. São parte de “um caminho de fé” em que foi conhecendo um Deus que lhe “deu um sentido para a vida”. Mais do que um espaço só de instrospeção, o que seria “desgastante e frustrante” (já lhe aconteceu), vê estes momentos como de abertura ao que em de Deus, aos evangelhos. Isto ajuda-o “a escolher onde apostar”, dá-lhe “um critério”. Muitas decisões tomou-as lá e, guardando para si as mais pessoais, conta que, por duas vezes, decidiu mudar de emprego, uma delas para ganhar menos.

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É isso que os EE permitem, “repor em ordem, e tanto quanto possível, a minha vida interior, que se transporta para a minha vida exterior”, sintetiza Françoise. Talvez por isso estas ‘estâncias de férias com Deus’ passem a ser uma segunda casa.»

 

Teresa Gens
In Expresso, 30.10.2010
Fotografias: Casa de Santa Rafaela Maria
01.11.10

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