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Jorge Peixinho: Escritos e entrevistas

Jorge Peixinho constitui uma referência fundamental na música portuguesa da segunda metade do século XX. Talento precoce, viandante dos grandes centros da vanguarda do pós-guerra europeu, crítico, intérprete, pedagogo, organizador de inúmeros encontros e cultor de duradouras amizades, Jorge Peixinho demonstrou sempre uma vontade firme e tenaz de transformar o panorama musical que o envolvia, mesmo quando as circunstâncias e os resultados lhe eram adversos. Defensor intransigente das correntes vanguardistas do seu tempo, Jorge Peixinho cedo se revelou um “enfant terrible” da vida musical portuguesa, criticando abertamente pessoas e instituições, denunciando motivos do atraso musical nacional, insurgindo-se contra o sistema de ensino da música nas escolas e conservatórias públicas, protestando contra o amadorismo da crítica e das opiniões correntes, mas propondo, sempre, alternativas credíveis a todos esses focos de lassidão.

Para além da sua atividade de compositor, Jorge Peixinho escreveu vários artigos para a imprensa, proferiu numerosas conferências, e concedeu abundantes entrevistas. Tal material, cuja quantificação exata e definitiva não é ainda possível, revela uma mente clara e penetrante, organizada e sistemática na maneira de abordar os assuntos, lúcida e certeira no diagnóstico da realidade envolvente, intransigente com a mediocridade, e reconhecedora do mérito sempre que patente. No entanto, quinze anos após a morte de Jorge Peixinho, e apesar do grande interesse despertado pelos livros de Cristina Delgado e de José Machado (que aludiam aos seus textos), os escritos de Jorge peixinho permaneciam essencialmente inacessíveis ao grande público. E se havia publicações refletindo criticamente sobre esses textos, era incompreensível que a matéria-prima dessa reflexão – os escritos em si mesmos – não tivessem sido objeto de uma edição. Impunha-se por isso a sua publicação.

O presente volume consiste numa seleção de textos de Jorge Peixinho, que são aqui apresentados, pela primeira vez, como um conjunto unitário de artigos, ensaios, conferências e entrevistas. Os vinte ensaios que constituem a primeira parte incluem estudos detalhados sobre Stravinsky, Debussy, Wagner, Schönberg e Lopes-Graça, além de inúmeras referências a jovens compositores da vanguarda musical europeia do pós-guerra, definindo um verdadeiro compêndio das “correntes musicais de vanguarda”. Outros artigos abordam opções estéticas, traçam perspetivas várias, tanto a nível político como da organização da vida musical e do ensino da música. A segunda parte, feita de trinta entrevistas, é um autêntico “fresco”, um enorme mural de grande cor e intensidade, revelando um panorama cru da vida musical portuguesa desde 1958 até 1995.

Por razões de ordem prática (e de dimensão do volume) optou-se pela exclusão de textos de crítica musical, de textos sobre as próprias obras e de epistolografia, material que continuará a ser estudado tendo em vista uma futura publicação. (da Introdução)

 

O que é a música? (1968)

O que é a música?

Não é apenas, certamente, aquilo que a maioria designa como tal, mas tudo o que nós desejamos (conscientemente) que ela seja. Por outras palavras, aquilo que nós realizamos em base a determinadas coordenadas de ordem formal (fundamentalmente, uma estruturação do material segundo certos princípios subjetivos de organização). Nos caminhos trilhados pela música no decorrer das últimas décadas tem-se assistido a um progressivo e cada vez mais consciente passo para a integração de aspetos complementares do som (até certa altura considerado o elemento básico e primordial da criação musical): o silêncio e o ruído. Nas artes plásticas tem-se verificado, simultaneamente, uma confluência de estruturas tradicionalmente pertencentes a compartimentos definidos e diferenciados; a pintura e a escultura têm vindo a aproximar-se e a fazer convergir reciprocamente aspetos das suas poéticas; não mais uma oposição irredutível entre espaços bi e tridimensionais, mas uma integração extremamente flexível desses espaços, desembocando numa pluridimensionalidade de grande mobilidade.

Webern não descobriu o silêncio na música, é certo, mas foi ele quem justamente o valorizou, a ponto de o considerar como elemento de igual importância que o som; articulando-o e fazendo existir em contraponto com este, construindo uma forma em que o silêncio funciona como um espaço sonoro (ou melhor, como uma unidade de espaço sonoro) numa dialética de densidades sonoras continuamente variáveis. Mas o alcance da conceção weberniana do silêncio não se detém nesses aspetos imediatamente materiais; vai atingir o cerne de uma nova poética, fundada sobre a revelação total do som: uma valorização deste fazendo-o emergir de um “espaço” que lhe é próprio; «é aqui que se funda a complementaridade do contínuo e do descontínuo», conforme revela lucidamente Henri Pousseur.

Quanto ao ruído, após a primeira tentativa sistemática de integração, por Varèse nas suas obras dos anos 20, deparamos com a sua total reabilitação na música concreta e, sobretudo, na música eletrónica.

A cultura musical ocidental havia tradicionalmente subvalorizado o ruído, cavando uma dicotomia aparentemente irredutível entre este e o som “musical”; deste modo, toda a articulação do sistema tonal se fez excluindo o ruído da sua estruturação. Modernamente, o desenvolvimento dos estudos acústicos veio revelar uma real relatividade entre todos os fenómenos sonoros, desde os regulares e periódicos até aos mais irregularmente aperiódicos. A música eletrónica veio equacionar o problema de modo decisivo e radical, propondo um material muito amplo e contínuo, indo desde o som sinusoidal ao fenómeno de ruído mais complexo. A grande viragem da arte musical com o aparecimento da música eletrónica não ficou por aí: novos problemas surgiram na música instrumental derivados da “mise-en-question” provocada pelos novos materiais eletrónicos (tanto no ponto de vista acústico como no formal-compositivo e até em aspetos novos da sociologia da música). Stockhausen veio colocar o problema na sua máxima acuidade com a obra “Kontake” em 1960, fazendo coincidir sons instrumentais (piano e percussão) com eletrónicos, reagindo-os reciprocamente.

A composição musical tem trilhado recentemente novos caminhos, na mira de uma integração cada vez maior de novos meios de expressão e do alargamento do seu universo específico; Stockhausen continua no centro vital desta “démarche” criadora. Não faz sentido falar-se de “experiência” como um “meio” para se chegar a um “resultado”, porque na sua obra (e na obra de um artista com um grau elevado de consciencialização do momento presente) tais termos se sintetizam numa só atitude de criação; cada obra é, ao mesmo tempo, uma “experiência-resultado” e é definitiva na própria medida em que é experimental.

Além da composição em sentido tradicional, têm vindo a incorporar-se como técnicas autónomas, entre outras, a “colagem” e a transformação eletrónica do som instrumental no próprio momento de execução, que funciona como uma imagem artificalmente deformada do modelo e em íntima ligação (temporal) com este. A técnica da “colagem” vem substituir, de certo modo, a da “citação”, pela inclusão de elementos de outras culturas (no tempo e no espaço) e a integração de caracteres gramaticais e estilísticos da música europeia do passado, bem como a absorção de elementos musicais da “cultura de massa” dos nossos dias, tratando-os como simples materiais componentes.

 

introdução: Paulo de Assis
Texto "O que é a música?": Jorge Peixinho
In Jorge Peixinho - Escritos e entrevistas
18.10.10

Capa

Jorge Peixinho
Escritos e entrevistas

Editoras
Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical
/ Casa da Música

Ano
2010

Páginas
406

ISBN
978-989-95698-6-7








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