Vemos, ouvimos e lemos
Paisagens
Pedras angulares A teologia visual da belezaQuem somosPastoral da Cultura em movimentoImpressão digitalVemos, ouvimos e lemosLigaçõesBrevesAgenda Arquivo

Cinema

DocLisboa: uma ilha do pensamento

«Tomara que as pessoas não levem a mal!» As gargalhadas de Sérgio Tréfaut ecoam pelos corredores da Culturgest. A uma semana do arranque da oitava edição do DocLisboa, a equipa do festival afadiga-se enviando e-mails, atendendo telefones, desenrolando cartazes. Lá fora, a chuva cai torrencialmente, Tréfaut entusiasma-se e espera que as pessoas não entendam mal o que ele diz sobre a «missão formadora» do Doc, «uma estratégia quase política», nas suas palavras, «de fazer aquilo que as entidades principais não fazem».

Ou seja? «Há qualquer coisa de missão – ‘missão’ é uma palavra um bocado pretensiosa e tonta; se calhar é mais ambição – de ser um espaço que traz às pessoas aquilo que elas de alguma maneira devem precisar. Fazemos aquilo que outras instâncias deveriam fazer, a começar pela televisão.»

Fotograma"Como as serras crescem", de Maria João Soares

Tréfaut, documentarista, realizador de “Lisboetas”, diretor do DocLisboa desde 2004, dirige este ano pela última vez o certame. É uma “saída em beleza”: a maior ediçãode sempre, com três retrospetivas importantíssimas, um grande ciclo temático histórico e uma competição e secções paralelas fortes. Uma “sobredose” que vai até contra os princípios de Augusto M. Seabra, crítico e sociólogo, programador associado do Dos há alguns anos, este ano diretor de programação a tempo inteiro.

Fotograma"Douro, faina fluvial", de Manoel de Oliveira

No texto com que apresenta a programação no catálogo, falando de «transição e novos rumos» para o festival, Seabra confessa-se «crítico do discurso insistente de ‘mais filmes, mais salas, mais sessões’» - precisamente aquilo que acontece em 2010, com o Doc a expandir-se para o Cinema City Classic Alvalade e para a Cinemateca Portuguesa para lá das salas habituais (Culturgest, São Jorge e Londres). Reconhece a ironia: «assumo completamente ser crítico de mim mesmo», diz, e avança que se trata de algo pontual - «nestas dimensões», o festival só ocorrerá este ano, devido a compromissos previamente assumidos.

Fotograma"Imperial Girl", de Salomé Lamas

Mas confirma a tal «missão formadora» de que Tréfaut fala. «O DocLisboa é um festival de imenso público e um dos festivais de cinema documental com mais público, num país onde não se vê um documentário… conseguimos um equilíbrio instável por natureza, ao ser ao mesmo tempo um dos festivais documentais mais radicais e com mais público. Faltava apenas acentuar a vertente formadora em relação à história do documentário.»

Fotograma"Gente de Fajãs", de António José Saraiva

Tréfaut, no entanto, avisa: «Não gostaria que isso levasse as pessoas a crerem que o festival deixou de ser contemporâneo. Falei com programadores internacionais que ficaram surpreendidos com a altíssima qualidade da programação deste ano». Seabra anui, «é um dos anos mais fortes do Doc. Sucedeu. É um facto que há anos mais mortes e mais fracos, mas havia filmes, fizemos as nossas opções e a competição internacional é particularmente forte».

Fotograma"Luz teimosa", de Luís Alves de Matos

 

Isto é uma ilha

«Na guerra de se tentar fazer mudar alguma coisa, não conseguimos. Não conseguimos porque passa pelos diretores das televisões, por uma indiferença absoluta e vergonhosa e escandalosa do primeiro-ministro, do presidente da república, da ministra da Cultura, relativamente aos instrumentos de formação da sociedade que são a televisão e, de alguma forma, a educação. E assumimos um bocado que, já que os outros não fazem, fazemos nós. Isto aqui é um bocado uma ilha e aqui existe, pronto», diz Tréfaut.

Fotograma"A lei da terra", de Grupo Zero

Uma ilha que existe para que «o cinema seja intrumento do pensamento». Seabra: «O documentário deve fazer-nos pensar, não apenas em termos das questões de atualidade, mas também de reflexão histórica. Pode-se fazer uma história do século XX através do cinema.» E é importante sublinhar esta palavra: cinema. «É uma posição de princípio que este seja um festival de cinema documental, e mais latamente desde há três anos de cinema do real. Não é um festival para reportagens, para o chamado audiovisual.»

Fotograma"Na terra como no céu", de Inês Gonçalves

Tréfaut faz questão de sublinhar o ponto: «Fico doente quando as pessoas confundem documentário e reportagem. Há uma diferença entre as duas coisas. A preocupação é a de que haja mais conhecimento do que é o documentário no geral, para que as pessoas comecem a associar documentário e cinema».

Fotograma"A outra guerra", de Elsa Sertório e Ansgar Schäfer

Seabra aponta uma outra peculiar contradição: «o documentário está muito estandardizado, depende muito da sua passagem televisiva, mas há muitos filmes feitos na mais total liberdade. O documentário é ainda um dos últimos espaços de liberdade que um cineasta tem hoje – com as novas tecnologias, tem hipótese de avançar e fazer o filme que quer com completa liberdade».

Fotograma"Parto", de António Borges Correia

«Um festival é uma coisa viva, onde as obras apresentadas são bastante diferentes umas das outras – um festival que se limite apenas a conceitos estanques pode morrer», afirma Tréfaut, que acrescenta: «Gosto que os nossos filmes tenham força, tenham poder, tenham capacidade de transmitir algo».

O DocLisboa termina no próximo Sábado, 24 de outubro.

 

In Ípsilon (Público), 15.10.2010
As imagens, extraídas do site oficial do "doclisboa" são ilustrativas e não correspondem a recomendações sobre os documentários
17.10.10

Cartaz
Legenda

 

 

 

 

Página anteriorTopo da página

 


 

Subscreva

 


 

Secções do site


 

Procurar e encontrar


 

 

Página anteriorTopo da página