Olhares recentes sobre São Paulo na Revista "Didaskalia"
“Olhares recentes sobre São Paulo” é o tema proposto pelo mais recente número da “Didaskalia”, revista da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, Lisboa.
O primeiro texto, “Da casa á cidade: critérios para compreender a relevância das assembleias paulinas em 1Cor” é da autoria de Carlos Gil Arbiol. O estudo, escrito em castelhano, defende que “a frequência e a intensidade com que Paulo recorre à linguagem afectiva mostram um dos seus modelos típicos de configuração da «'ekklesía» revelam, ao mesmo tempo, um contexto polémico: aquelas assembleias que o apóstolo criou não tinham laços familiares, mas pretendiam ser uma só família e uma só casa, mantendo outras características semelhantes à de uma organização pública. Esta ambiguidade detecta-se bem nos próprios espaços de reunião, que tinham tanto traços privados como públicos. Procuraremos iluminar tal ambiguidade suportados por critérios referentes aos espaços domésticos e á diferença entre privado e público. E veremos, por fim, como estes critérios emergem na Primeira Carta de Paulo aos Coríntios nos dois sentidos: reflectindo a ambiguidade e procurando uma maior dimensão pública e política para a «'ekklesía»”.
Chantal Reynier debruça-se, no segundo artigo, em francês, às “Viagens de Paulo vistas através das deslocações na antiguidade”. Para compreender as condições em que Paulo se deslocava, é necessário confrontar o Livro dos Actos e as cartas de Paulo com o conhecimento que temos do Mundo Antigo (suas instituições, cultura, meios de transporte...); estes trazem ao texto um esclarecimento, muitas vezes inesperado. Há que tomar em conta o contributo da arqueologia, e nomeadamente da arqueologia naval que nos fornece um saber acerca das embarcações, trajectos e portos, bem como das actividades marítimas e comerciais da Bacia do Mediterrâneo, no século Iº da nossa era. É útil, por fim, confrontar as Cartas de Paulo e os Actos com outras Fontes escritas, sejam os romances gregos, latinos ou outros textos da literatura antiga, especialmente as obras de geógrafos, que fornecem um testemunho sobre os itinerários e as condições gerais da mobilidade.”
“A fronteira da evangelização” é o título do terceiro estudo, em italiano, da autoria de Gino Battaglia. “No limiar do terceiro milénio, quando a Igreja Católica repensa os confins da própria responsabilidade, o ano dedicado a São Paulo constitui um desfio a percorrer os cenários nos quais a Igreja é chamada a comunicar o Evangelho. Sobreviverá a Igreja ao segundo milénio de Cristo? O cristianismo – parece – transformar-se-á profundamente. Será cada vez mais popular, negro (ou certamente não-branco em predominância), muito mais sincretista, carismático e, por vezes, sectário. São questões actuais que se vivem na América Latina e na África sub-sahariana. Existe, depois, a grande questão da Ásia, que contém em si mundos muito diversos: o Próximo Oriente com as suas comunidades cristãs, antiquíssimas e em grande sofrimento; a Ásia do Sul ou o Extremo Oriente, onde culturas milenárias e grandes religiões parecem impedir a difusão do cristianismo; a China e a Índia, motores da economia mundial de amanhã. Ainda hoje – como no tempo das primeiríssimas gerações cristãs – o mundo vive na expectativa. As suas rápidas transformações e os seus conflitos colocam questões novas à Igreja.”
Domingos Terra escreve, em português, sobre a “Experiência cristã: especificidade e equívocos”. “A ideia de S. Paulo ‘viver pelo Espírito’, enunciada em Gal 5,25, motiva uma reflexão sobre a singularidade da experiência cristã. Convida a perceber os enganos a que esta está sujeira, na nossa era de sede espiritual. Tal experiência atribui a primazia a Deus, que se dirige ao ser humano no exercício da sua liberdade soberana. Importa ter isto assente, antes de tomar consciência da confusão em que a noção de ‘espiritual’ se vê hoje mergulhada. Aparece a designar realidades, por vezes contraditórias entre si. Assistimos, de facto, a uma nova onda de buscas de sentido, de expressão social e cultural considerável, habitualmente apelidadas de ‘espirituais’. Reclamam-se de carácter religioso, mesmo contendo aspectos que contradizem tal pretensão. Chegam ao ponto de se misturarem com o crer cristão, podendo pervertê-lo com a lógica do ‘saber’ que lhes é própria.”
Continuando em português, Jorge Coutinho propõe “Um São Paulo em chave gnóstico-saudosista: Teixeira de Pascoaes”. “Em 1934, Teixeira de Pascoaes (1877-1952) deu à luz uma biografia de S. Paulo, que teve larga difusão. Nela faz uma interpretação da figura e da obra do Apóstolo como verdadeiro fundador do cristianismo. Este, porém, é por ele interpretado em chave gnóstica, no interior e em dependência da sua poética filosofia da saudade: o Cristo do verdadeiro cristianismo vive (apenas) como personificação mítica do sentimento da queda de Deus no mundo material, em sua reacção positiva de elevação espiritualista ou de esperança. E esta é a via da redenção ou salvação, enquanto que por ele se dá a reintegração do homem e do mundo no divino originário de ambos. Paulo foi aquele que primeiro compreendeu Cristo deste modo e o transformou em objecto de crença para o mundo.
O último texto directamente relacionado com o tema de capa desta “Didaskalia”, Nuno Higino aproxima-se das “Dez quadrículas e um excurso. Sobre os azulejos de Álvaro Siza Vieira na Basílica da Trindade, Fátima”. “‘A primeira cena que Siza desenhou foi a queda de S. Paulo do cavalo: porque gosta d desenhar cavalos e porque o episódio tem quase tudo o que um artista procura: movimento, luz, dramatismo, mistério, ruptura. A mais célebre queda do cavalo da História. Os corpos do cavalo e do cavaleiro fundem-se, no desenho, num corpo único: uma espontânea e frugal distribuição de linhas que mostram o sobressalto do cavalo e escondem o rosto do cavaleiro’. Este texto guarda e segreda, desta forma, a memória de uma conversa com o arquitecto Álvaro Siza Vieira, a propósito dos azulejos colocados na nova Basílica do Santuário de Fátima, com cenas da vida de São Paulo.”
A revista apresenta ainda outros artigos. De Catarina Belo, “Predestinação e responsabilidade humana no Islão medieval: alguns aspectos de um problema clássico”, escrito em inglês; “Falar da criação no Egipto e no Antigo Testamento”, por José Nunes Carreira. “Unção de Betânia (Jo 12, 1-11)”, de Bernardo d’Almeida; “O contributo de N. Cabasilas à espiritualidade litúrgica”, por José Manuel Cordeiro; “Santidade e reforma da Igreja no Concílio Vaticano II”, de Miguel de Salis Amaral; “O acesso a outrem como «si» no seu «aí»”, de António Caeiro; “O ser humano: dimensão ética e direito à dignidade”, de José Pereira de Almeida.
As 286 páginas da revista são concluídas com as “Notas Bibliográficas” e a “Crónica da Faculdade de Teologia”.
Rui Martins
08.07.2008
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Didaskalia
Revista da Faculdade
de Teologia / Lisboa
Autores
AA. VV.
Editora
Faculdade de Teologia
Universidade Católica Portuguesa
Ano
2008
Preço
€ 15,00
ISSN
0253-1674
Contactos
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