Meditação
A Cruz como sabedoria
«Cantai sem medo! A cruz foi no calvário
que Deus a ergueu, como a anunciar a vida!»
Pedro Homem de Mello
Para percebermos os textos sagrados que a tradição cristã se propõe de novo reler, às portas da Semana Maior, é importante recordar que eles são escritos quando Jesus era absolutamente insignificante para o mundo e para a cultura. Nós hoje reinterpretamos essas narrativas a partir da referencialidade histórica que Jesus foi adquirindo nestes 2000 anos. Ora, quando estes discípulos começaram a contar o destino de Jesus, com o desejo de preservar a memória e de melhor a entender, Jesus não tinha qualquer importância, a não ser para eles. Em nenhum recanto do vasto Império Romano Jesus era considerado, recordado ou entrevisto. As vidas narradas por Plutarco ou por qualquer cronista secundário eram infinitamente maiores do que a sua ignorada vida. Os próprios seguidores não tinham a certeza de que aquela existência viesse a interessar a alguém para lá do círculo das pessoas que sentiram dolorosamente a sua morte, e tacteavam agora os contornos da inédita insurreição de uma Presença, num misto de embaraço e de desabalada esperança. O que parecia insignificante para o mundo ganhava para eles, nesses dias, uma incalculável significação, que mal cabia ainda sequer nas suas palavras e conceitos. Na tímida aventura humana que então construíam, individualmente ou em comunidade, Jesus emergia de forma paradoxal e cada vez mais clara como impressivo motor de sentido.
É verdade que a teologia que emerge dos evangelhos é um relato de fragilidade, pois conta uma humanidade frágil que culmina na Crucifixão. Contudo, dentro daquela frágil humanidade, Jesus tinha alguma coisa que o tornava, de facto, capaz de refundar o coração dos que se cruzavam com ele. Se quiséssemos resumir o que muda no interior dos amedrontados discípulos diríamos que é a progressiva percepção de que em Jesus assoma a força do próprio Deus. Paulo de Tarso escreve nessa linha, com a sua ousadia inusual: «Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria, nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus». O que os cristãos celebram na Páscoa é isso: como é que um destino que se consuma da maneira aparentemente mais fracassada se torna fonte de uma sabedoria referencial e inesgotável.
Velázquez
José Tolentino Mendonça
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25.03.10
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