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Música e cultura

B Fachada: Tradição Oral Contemporânea

Tudo começou com Santo Agostinho. Depois vieram as interrogações e uma certeza: a tradição é um processo, e não apenas um conjunto de músicas e poemas.

Entre o betão e as pedras, os automóveis e os burros, o ruído e o silêncio, B Fachada é um viandante que leva na mochila a viola braguesa e as canções que aprende na cidade e depois canta no campo, e as canções que aprende no campo e depois canta na cidade.

Como assim? Mário Lopes resume no Ípsilon de 9 de Janeiro: «O que temos é isto: um músico de viola em punho clacorreando Lisboa, tocando ás prtas da Sé, tocando num banco de mármore enquanto uma velhota, a seu lado, acena a um conhecido que passa. O que temo é isto: esse músico de viola em punho, encostado a um galinheiro em Trás-os-Montes e uma mulher encurvada que limpa o galinheiro e que à saída larga um sorriso para a câmara. O que existe em "B Fachada - Tradição Oral Contemporânea" é um músico lisboeta transformado em andariljo. Canta as suas canções na sua cidade, viaja até às aldeias de Caçarelhos ou Algoso para as mostrar a quem lá vice e regressa com as músicas que ali lhe ensinaram. Em Caçarelhos ouvem-no com atenção para aprender as novas melodias, em Lisboa acham que são dele as canções seculares que aprendeu em Trás-os-Montes.»

Gosta de histórias que exploram a incoerência, que é o lado humano das pessoas. E ainda que ninguém lhe ligue, conta e canta as suas histórias de citadino no meio da aldeia, ou diante de um riacho, ou sentado à lareira. Depois regressa à cidade, e é ouvi-lo nos bancos do Rossio ou no comboio da linha de Cascais.

B Fachada
Foto: Sara Matos

A palavra a B Fachada:

«Num impulso construtivo de análise do processo de tradicionalização, um documentarista do tradicional, [o realizador] Tiago Pereira, convida uma princesa da Pop, B Fachada, à auto-reflexão em torno das noções de autoria e criação. É este o ponto de partida.

Os dois viajam a um centro da Tradição Oral por excelência com o propósito de cruzar o processo estético urbano do músico com a criação comunitária rural; a troca de repertório e de metodologias com as vozes do campo é bem sucedida e acaba por transcender o projecto inicial. Simultaneamente, uma exploração visual do imaginário citadino do b fachada constrói o paralelo entre a criação colectiva pelo indivíduo da Tradição rural com a criação individual pelo colectivo da Pop urbana.

A sobreposição da lírica comunitária com a lírica individual, da variação comunitária com a inovação individual levanta questões de interesse generalizado - Como é possível que romances comunitários cantados há quinhentos anos possam tão explicitamente relacionar-se com canções de autor de há 5 semanas nos métodos e nos propósitos? Como pode a autoria artesanal urbana ser tão semelhante à variação rural da Tradição Oral?

Salvemos o Giacometti da triste desculturalização rural e mostremos-lhe o frenético comunitário da urbe.»

Fotograma do documentário

Do filme, que estreou no dia 9 de Janeiro na Galeria Zé dos Bois, temos o «trailer» e a «Tradição», cantada em cinquenta e dois lugares diferentes do último «Andanças» - Festival Internacional de Danças Populares. Mas estes dois excertos não chegam para mostrar a beleza da partilha e da aprendizagem - e das canções, claro. Novamente Mário Lopes: «O que acontece (...) é essa viagem em salto constante. B Fachada em Caçarelhos e no Algoso e uma cena belíssima em que acompanha Adélia Garcia à guitarra, em que outra cantadeira, Avelina, sentada ao lado deles, improvisa com duas conchas o ritmo da canção. Isso ou Fachada a mostrar a sua música a Adélia, em cenário caseiro de lareira acesa, e ela a ouvi-lo com atenção enquanto o marido corrompe a "seriedade" do momento perseguindo insectos com o mata-moscas.»

«O que interessa a Tiago Pereira e a Fachada é a possibilidade de renovação da tradição, é recusá-la como passado imutável, é "perder aquela arrogãncia urbana de achar que o conhecimento tradicional é circunstancial".» Porque, como refere Fachada, «a tradição e o conhecimento comunitário são inatos e não desaparecem por haver um TGV a ligar Lisboa ao Porto».



TRAILER bfachada Tradição oral contemporânea from Tiago Pereira on Vimeo.

 

 

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© SNPC | 12.01.2009

 

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b fachada
Foto: Vera Marmelo
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