Quando o corpo de alguém cai doente e deixa de poder comer e beber, esse alguém vê-se numa situação de grande vulnerabilidade, entra em desespero, sente-se ameaçado pela morte, leva os amigos e familiares a lamentarem-se pelo seu estado de enfermo. Pois bem, analogamente, Deus e os anjos lamentam com uma profunda tristeza as almas incapazes de se alimentarem com a comida celeste.
Pensa agora em ti: e tu, onde estás? Se tu, pelo contrário, vives intensamente a comunhão com Deus, se Ele mesmo te mostra assim ser o teu Deus, se a tua alma se fez inteiramente olho espiritual, inteiramente luz, se comeste do genuíno alimento dado pelo Espírito, se bebeste a água viva e o vinho espiritual que fazem o coração rejubilar, se cobriste a tua alma com as vestes da luz inefável, se o teu homem interior experimenta a sente a beleza de todas essas coisas - se verdadeiramente é tudo isso que tu saboreias, então tu vives já as arras da vida eterna e usufruis já com Cristo o mundo onde o mundano deixou de dar as suas ordens. Mas se ainda estás longe de tudo isso, cativo de ti mesmo, então chora amargamente e lamenta-te por te encontrares longe de uma tal riqueza e a leste do Paraíso.
Com efeito, tendo em conta a nossa fragilidade humana, é-nos pedido que usemos de toda a sensatez para sabermos gerir a nossa pobreza: somos vulneráveis, e por isso devemos orar sem cessar para não sermos tragados pelo mundo obscuro da mediocridade. E quanto àquele que já se vê a si mesmo como possuidor das coisas belas antes evocadas, que não lhe falte também a sensatez: ao ver-se a si mesmo com olhos tão positivos, pode estar a correr um risco, o risco de se ver a si mesmo como um rico de virtudes. Que procure ser sensato, que viva a sabedoria do Evangelho, que não caia no descuido de nada, sem perder de vista que o indigente nos aparece não poucas vezes mascarado de rico.
Na verdade, segundo a divina sabedoria do Evangelho, é-nos pedido que não percamos de vista a condição daquele que pede, daquele que busca, daquele que procura. Essa é a nossa condição. Vivê-la como orantes, eis a divina sabedoria! (cf. Mateus 7, 7-8).