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Vigiai, não sabeis o dia

Vigiai, não sabeis o dia

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Começa um novo ano litúrgico no qual, domingo após domingo, escutaremos o Evangelho segundo Mateus. O princípio e o fim de um ano litúrgico só podem colocar diante de nós o que está sempre no nosso futuro: a vinda do Filho do homem, o nosso encontro com Ele. O nosso Deus é o Senhor «que é e que vem», porque já veio na carne frágil e mortal de Jesus, o filho de Maria morto e ressuscitado, vem em cada hora na vida do discípulo para o atrair a si, virá na hora do êxodo de cada um de nós deste mundo, no fim dos tempos, para nos introduzir todos e definitivamente no seu Reino de paz e de vida plena. Jesus é «o que vem», e o seu dia, «o dia do Senhor», será a parusia, a manifestação última e definitiva.

No trecho evangélico do primeiro domingo do Advento (Mateus 24, 37-44) escutamos palavras de Jesus ditas não à multidão mas à parte, só aos discípulos, ao «pequeno rebanho», nas horas que antecedem o seu fim, através da prisão, condenação e morte. No monte das Oliveiras, a oriente de Jerusalém, onde se contempla a cidade santa e o templo no seu esplendor, Jesus adverte: quanto a esse dia e a essa hora, ninguém o conhece, é um termo fixado na história que só Deus conhece. Por causa desta ignorância da parte dos humanos, quando acontecer a parusia, a vinda do Filho do homem, reinarão a indiferença, a distração, o não saber. Jesus diz estas palavras com tristeza, mas sabe que para a humanidade é sempre como nos tempos de Noé, quando vem a grande inundação e apanha a humanidade impreparada.



Jesus não diz que a geração na qual acontecerá «o dia do Senhor» será imoral ou particularmente perversa, mas apenas lhe denuncia a indiferença. São homens e mulheres que vivem: nascem, crescem, enamoram-se, casam-se, comem e bebem



No livro do Génesis (cf. 6,5-9,17) o dilúvio universal é apresentado como castigo de Deus sobre uma humanidade por Ele criada mas que se tornou má, violenta. Descodificando esse texto, podemos compreender que, então como hoje, por vezes parece prevalecer sobre tudo a violência, a imoralidade, a perda da dignidade humana e da fraternidade. Neste caso emerge com evidência que as escolhas dos homens e mulheres são mortíferas, que o comportamento humano desfigura a Terra de uma maneira devastadora, bem representada pelas águas do dilúvio ou pelo deserto que avança. E perante acontecimentos que nos fazem tomar consciência da nossa responsabilidade, manifesta-se como os humanos foram até ao último momento distraídos, incapazes de compreender o que estavam a preparar com o seu comportamento.

Jesus não diz que a geração na qual acontecerá «o dia do Senhor» será imoral ou particularmente perversa, mas apenas lhe denuncia a indiferença. São homens e mulheres que vivem: nascem, crescem, enamoram-se, casam-se, comem e bebem… Sim, vivem, e sobre este seu viver Jesus não pronuncia uma condenação, propondo-lhes um programa ascético. Denuncia apenas o «não conhecimento», o não estarem prontos, o serem indiferentes àquilo que deve ser procurado antes de tudo e é essencial a uma vida verdadeiramente humana, que responda à vontade e à vocação do Criador.



Infelizmente nós oscilamos entre febre apocalíptica com predições catastróficas e indiferença para com este acontecimento que, tardando tanto, pensamos que não nos deve atormentar



Portanto nenhum castigo da parte de Deus, mas simplesmente a manifestação da situação em que se encontra a humanidade diante da presença e da vinda do Filho do homem. Infelizmente nós oscilamos entre febre apocalíptica com predições catastróficas e indiferença para com este acontecimento que, tardando tanto, pensamos que não nos deve atormentar. Mas este acontecimento não pode ser por nós enviado para o fim da história, quase pensando que não nos diz respeito, porque na realidade no êxodo de cada um de nós, na passagem deste mundo para o além da morte, seremos colocados diante da presença do Filho do homem vindo na glória. Acontecerá, por conseguinte, que tudo se consumará quando aprendermos dos acontecimentos que a morte chega para uns antes que para outros, pelo que quem está connosco no trabalho pode ser tomado e nós deixados em vida, ou vice-versa. Não há a mesma hora para todos, não há a mesma ocasião para todos, mas para todos há um fim. Também isto deveria servir de ensinamento, quase profecia do juízo de Deus, quanto houver uma separação entre aqueles que entrarão no Reino, porque exercitados na comunhão com os outros, e aqueles que não poderão entrar, porque não quisera conhecer a comunhão com os outros, antes se alimentaram de amor egoísta de si. Como nas sete cartas às Igrejas do Apocalipse (cf. Ap 2-3), o Senhor vem e a sua vinda é juízo em cada instante.



«Os cristãos dizem que esperam o Senhor, e esperam-no como se espera o elétrico.» E todavia bastaria estarmos mais atentos ao ler a vida que passa, a própria e a daqueles próximos de nós, para nos darmos conta de como em cada dia, se não estamos distraídos, somos inexoravelmente reconduzidos ao acontecimento que nos espera



É preciso, por isso, conhecer o plano de salvação de Deus, é preciso vigiar e manter-se pronto. Como um chefe de casa que sabe que o ladrão virá pela noite: o que fará? Vigiará, estará desperto e à espera, de modo a não deixar que a sua casa seja roubada. Eis, então, a atitude do discípulo: sabe que o Filho do homem vem, mesmo se não conhece a hora da sua vinda, e forte desta consciência vive na vigilância, na espera. Não se deixa ir, não se distrai, mas apesar de viver humanamente bem, continua a vigiar para abrir prontamente ao Senhor, quando chegar; chegará surpreendendo-nos, mas, precisamente porque esperado, será também acolhido prontamente e com grande alegria.

De qualquer modo, diante deste Evangelho – devemos confessá-lo – a comunidade cristã experimenta sentimentos de embaraço: hesita em ser convencida de que o Senhor vem na glória, não pensa que haja verdadeiramente um fim do tempo e deixou de ter no coração o desejo ardente de ver o Senhor. Como dizia Ignazio Silone, «os cristãos dizem que esperam o Senhor, e esperam-no como se espera o elétrico». E todavia bastaria estarmos mais atentos ao ler a vida que passa, a própria e a daqueles próximos de nós, para nos darmos conta de como em cada dia, se não estamos distraídos, somos inexoravelmente reconduzidos ao acontecimento que nos espera: o encontro com o Senhor. Somos reconduzidos a compreender que nós, ainda que vagabundos e mendigos na Terra por um punhado de anos - «setenta, oitenta se houver forças» (Salmo 90, 10) -, nesse dia só teremos necessidade da misericórdia do Senhor.



 

Enzo Bianchi
Prior do Mosteiro de Bose, Itália
In "Monastero di Bose"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 24.11.2016 | Atualizado em 14.04.2023

 

 
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