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Música

"Vésperas" de Monteverdi

Começo com uma declaração de interesses: esta gravação resulta duma colaboração entre o Festival Cantar Lontano (Ancona), a diocese de Mântua e a minha alma mater, o Instituto Superior Técnico (embora eu tenha sido totalmente alheio ao projeto).

Foi a transcendente realização destas "Vespro della Beata Vergine" (1610) na Catedral de Lisboa pelas forças do Cantar Lontano, em dezembro de 2008, que colocou no mapa as temporadas musicais do IST.

Sendo o som ar em vibração, toda a música éaérea, isto é, tende a encher o espaço disponível. Daqui a pensar nas realizações musicais em termos de espaço arquitetónico vai um passo. Foi essa a abordagem de Marco Mencoboni, organista e diretor musical do Cantar Lontano. O ponto de partida (que é também o de chegada e local da gravação): a Basílica Palatina de Santa Bárbara, em Pádua (cuja remodelação entre 1564 e 1572 estará intimamente ligada às preocupações musicais do duque Guglielmo Gonzaga). Recorde-se que Claudio Monteverdi trabalhou para a corte de Gonzaga antes de se mudar (1613) para San Marco, em Veneza.

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A música barroca - principalmente a sacra - é para ser fruída em termos de arquitetura, com os templos funcionando como gigantescas caixas de ressonância. As várias naves, transepto, capelas e tribunas altas prestam-se aos mais variados contrastes sonoros. Distribuindo solistas, coros e instrumentistas por diversos planos e níveis, pode-se jogar com os coros à distância (cantar lontano), vindos de todas as direções e alturas, e obter efeitos estereofónicos do tipo sensurround.

Na esteira do Sursum corda ("Corações ao alto!"), assiste-se a uma verdadeira levitação sonora. O canto vem do alto dos céus (como deve ser). O ar vibra, reforçado pelas reflexões na pedra da estrutura arquitetónica; a água batismal e as labaredas do Espírito Santo fornecem os restantes elementos (Monteverdi tinha interesses alquímicos).

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A leitura do cantar Lontano é magistral. Num exercício arrojado de literatura comparada, Mencoboni vai às raízes latinas e hebraicas do texto para encontrar o seu verdadeiro significado e, assim, o tom justo da música.

Prima le parole... Não há variações agógicas dentro de cada número - apenas o valor da duração das notas, come scritto. Como Mencoboni observa, os termos Adagio e Allegro (para tempos mais lentos ou rápidos) só foram introduzidos em 1621 (por Dario Castello). No entanto, a prática moderna de acelerar ou retardar pode ter começado antes, mesmo sem nome. (O nascimento precede o batismo.)

ImagemClaudio Monteverdi

Dito isto, o resultado das opções de Mencoboni são umas "Vésperas" altamente convincentes, como nunca se ouviram. Será necessário fazer tábua rasa de gravações anteriores? Claro que não. Os nossos ouvidos mudaram muito desde o século XVII, e há lugar para as mais variadas interpretações - até para as liberdades revolucionárias de L'Arpeggiata, de Christina Pluhar - desde que espevitem o intelecto e as orelhas. Excelente gravação Super Audio, generosamente distribuída por dois CD.

 

 

 

 

Jorge Calado
In Expresso (Atual), 28.4.2012
26.08.12

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