A nova constituição sobre a Cúria Romana, que implicará alterações na orgânica de congregações e conselhos pontifícios, e o facto de muitos dos cardeais responsáveis por dicastérios terem ultrapassado os 75 anos fazem entrever várias mudanças nas chefias dos cargos mais importantes na estrutura do Vaticano. A Cultura, com o cardeal Ravasi, inclui-se neste amplo pacote de previsíveis alterações, a par de sectores responsáveis pela nomeação de bispos, disciplina dos sacramentos, educação e causas dos santos.
“Praedicate Evangelium”
É, talvez, o projeto mais ambicioso deste pontificado: tentar reformar, verdadeiramente, a mentalidade e estruturas da Cúria Romana.
Exatamente um mês após a sua eleição em março de 2013, o papa argentino estabeleceu o "Conselho de Cardeais". Formado por nove personalidades de diferentes partes do mundo, aos membros deste C-9 foi dada a tarefa de ajudar Francisco no seu governo da Igreja universal.
A elas foi também confiado o projeto de delinear um plano para reformar a Cúria através da revisão da constituição apostólica "Pastor Bonus", que atualmente regulamenta aquela estrutura do Vaticano.
Há um ano ficou completado um esboço da nova constituição, mas o papa quis dar às conferências episcopais nacionais, responsáveis de ordens religiosas e alguns teólogos a oportunidade de oferecer sugestões.
No início deste ano falou-se que o documento final seria divulgado na festa da Cadeira de S. Pedro, em fevereiro, ou, o mais tardar, na festa dos Santos Pedro e Paulo, no final de junho.
Mas, entretanto, chegou a pandemia,a e os restantes membros do C-9, agora reduzidos a seis cardeais, cancelaram as últimas três reuniões. Portanto, o projeto ficou congelado? Não, de acordo com uma fonte do Vaticano, a nova constituição, "Praedicate Evangelium", está concluída, e, inclusive, o papa Francisco já a terá assinado. É também referido que o texto está a ser cuidadosamente traduzido para os principais idiomas.
A acontecer, seria absolutamente fora do normal. O verão romano não é, habitualmente, um período em que o Vaticano lança documentos ou acontecimentos importantes. Mas este não é um pontificado normal.
Independentemente da data escolhida para a publicação, as ramificações serão múltiplas e, provavelmente, históricas. Uma das primeiras e mais visíveis consequências será a mudança de cargos.
Demorará meses, e mesmo anos, para implementar as mudanças determinadas pela nova constituição, e Francisco terá de encontrar pessoas de confiança e com a mesma visão dele para supervisionar a implementação do documento.
Nomeações
A Cúria reformada vai exigir novas lideranças, dado que mais do que duas dezenas de cardeais residentes em Roma passarão, por motivos de idade, a eméritos.
O papa Francisco terá de nomear um novo prefeito para a Congregação para os Bispos para substituir o cardeal Marc Ouellet, que, com 76 anos, ocupou este cargo de enorme importância nos últimos dez anos.
Uma das consequências da retirada do prelado é que diminuirá significativamente as suas perspetivas de eleição num futuro conclave. Com efeito, após o concílio Vaticano II, quando se tornou normal para os bispos retirarem-se aos 75 anos, ou pouco tempo depois, todos os homens que foram eleitos papa ainda ocupavam cargos ao tempo do conclave.
Também terá de ser substituído o cardeal guineense Robet Sarah, que ultrapassou os cinco anos à cabeça da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos. João Paulo II levou para Roma o então discreto Sarah para Roma em 2001, para ser o número dois da Propaganda Fide. Quando Bento XVI lhe deu o barrete cardinalício, em 2010, Sarah tornou-se, progressivamente, um dos mais proeminentes tradicionalistas e conservadores do Vaticano.
O cardeal Leonardo Sandri, argentino de 76 anos que passou todo o percurso eclesiástico em serviço na Santa Sé, será substituído na Congregação para as Igrejas orientais. Figura-chave no pontificado de João Paulo II, ocupa esse cargo desde 2007. Sandri permanecerá em Roma, dado que foi recentemente eleito vice-decano do Colégio de Cardeais.
A Congregação para a Educação Católica também terá um novo prefeito. O presente responsável, o cardeal italiano Giuseppe Versaldi, completou o seu quinquénio, e completará 77 anos no final deste mês. Após passar cinco anos como bispo diocesano, foi para o Vaticano em 2011, no pontificado de Bento XVI.
Também terá de ser substituído o cardeal Beniamino Stella, que tem sido prefeito da Congregação para o Clero desde o início deste pontificado. O diplomata italiano do Vaticano, com larga experiência na América Latina, fará 79 anos em agosto. É provável que o número dois de Stella, o arcebispo francês Joel Mercier, seja substituído, dado que completou 75 anos no começo do ano, poucos dias antes de completar o mandato de cinco anos na secretaria da congregação.
Espera-se igualmente que o papa aceite a resignação do secretário da Congregação para as Causas dos Santos. O arcebispo Marcello Bartolucci ocupa o cargo há mais de dez anos, e o natural de Assis apagou recentemente as 76 velas.
Francisco terá, ainda, de encontrar novos administradores para a Cidade-Estado do Vaticano. O atual "governador" é o cardeal Giuseppe Bertello, no lugar desde 2011, e que está a três meses dos 78 anos. O secretário-geral, desde 2013, o arcebispo espanhol Fernando Alzaga, de 75 anos, também será substituído.
O cardeal italiano Mauro Piacenza, um dos mais leais aliados de Bento XVI no Vaticano, será igualmente aliviado das suas tarefas de responsável pela Penitenciaria Apostólica, cargo para o qual foi nomeado por Francisco, pouco depois da eleição.
Outro cardeal que vai deixar o cargo assim que a constituição for aprovada é o presidente do Conselho Pontifício da Cultura, Gianfranco Ravasi. O popular especialista na Bíblia, que se transferiu de Milão em2007 pela mão de Bento XVI, completará 77 anos em outubro.
Já o cardeal italiano Angelo Comastri, nomeado arcipreste da basílica de S. Pedro pouco tempo antes da morte de João Paulo II, em 2005, fará 76 anos em setembro.
O presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o cardeal Kurt Koch, tem 70 anos, mas assume essa responsabilidade desde 2010, pelo que é possível a sua substituição, com a promulgação da "Praedicate Evangelium".
Entre os cardeais próximos dos 75 anos, ou já os ultrapassaram, incluem-se o cardeal polaco Stanislaw Rylko, e o jesuíta espanhol Luis Ladaria - prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que ocupa há três anos.
O arcebispo italiano Rino Fisichella, de 69 anos é presidente do Conselho Pontifício para a Nova Evangelização desde 2010, quando Bento XVI o criou, mas a estrutura será, provavelmente, integrada naquela que é a atualmente designada Congregação para a Evangelização dos Povos (Propaganda Fide), que, por sua vez, terá de ser transformada, tarefa para a qual confiou o cardeal filipino Luis Tagle.
Sem esquecer, naturalmente, o Conselho de Cardeais, que teria de ser completado.