«Naquele tempo, reuniu-se à volta de Jesus um grupo de fariseus e alguns escribas que tinham vindo de Jerusalém. Viram que alguns dos discípulos de Jesus comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar. (…)
Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus: “Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos, e comem sem lavar as mãos?”.
Jesus respondeu-lhes: “Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim’. (…) Vós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens”.
Depois, Jesus chamou de novo a si a multidão e começou a dizer-lhe: “Escutai-me e procurai compreender. Não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro. O que sai do homem é que o torna impuro; porque do interior do homem é que saem as más intenções”.» (Marcos 7, 1-8.14-15.21-23, Evangelho do 22.º Domingo do Tempo Comum, 30.8.2015)
Jesus vivia as situações de fronteira da vida, encontrava as pessoas onde estavam e atravessava com elas os territórios da doença e do sofrimento: onde chegava, nas povoações, cidades ou no campo, levavam-lhe os doentes, suplicando-lhe que ao menos pudessem tocar a franja da sua capa. E quantos o tocavam eram salvos (Marcos 6,56). Daqui vinha Jesus, trazendo nos olhos a dor dos corpos e das almas, a par da exultação irreprimível dos curados.
É diante deste Jesus que fariseus e escribas o provocam com minudências: mãos lavadas ou não, questões de vasilhas e de objetos. Compreende-se como a réplica de Jesus é decidida e, ao mesmo tempo, cheia de sofrimento: hipócritas! Vós tendes o coração distante. Distante de Deus e do homem.
O grande perigo, para os crentes de cada tempo, é viver uma religião de “coração distante”, feita de práticas exteriores, de fórmulas recitadas só com os lábios; de se contentar com o incenso, a música, a beleza das liturgias, mas não socorrer os órfãos e as viúvas (Tiago 1,27, 2.ª Leitura).
O perigo do coração de pedra, endurecido, do “coração distante” de Deus e dos pobres, é aquele que Jesus mais teme. «O verdadeiro pecado para Jesus é, antes de tudo, a recusa de participar na dor do noutro» (J.B. Metz) e a hipocrisia de uma relação apenas exterior com Deus.
Ele propõe o regresso ao coração, para uma religião da interioridade. Não há nada fora do homem que nele entrando o possa tornar impuro; são, em contrapartida, as coisas que saem do coração do homem…
Jesus desconstrói todo o preconceito acerca do puro e do impuro, esses preconceitos tão difíceis de morrer. Cada coisa é pura: o céu, a Terra, todo o alimento, o corpo do homem e da mulher. Como está escrito: «Deus viu e tudo era bom».
Jesus bendiz de novo as coisas, incluindo a sexualidade humana, que nós associamos de imediato ao conceito de pureza e impureza, e atribui ao coração, e só ao coração, a possibilidade de tornar as coisas puras ou impuras, de as manchar ou de as iluminar.
A mensagem festiva de Jesus, tão atual, é que o mundo é bom, que todas as coisas são boas, que és livre de tudo o que é aparência. Que deves proteger com todo o cuidado o teu coração porque é nele que está a fonte da vida.
Fora com o supérfluo, os formalismos vazios, tudo o que é entulho cultural, que Ele chama «tradições dos homens». Livre e novo regresso ao Evangelho, que liberta e renova.
Que respiração de liberdade com Jesus: abre o Evangelho e é como um sopro de ar fresco no cinzentismo dos discursos óbvios e habituais. Deixa o Evangelho fluir para seres tocado pela suave brisa de uma perene frescura, um vento criador que te regenera, porque chegaste, regressaste, ao coração feliz da vida.
Ermes Ronchi