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Temas de Francisco, temas da Boa Nova

Temas de Francisco, temas da Boa Nova

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Para qualquer pessoa de boa vontade, condição transcendental quer de humanidade quer de humanidade digna do nome, sem exceção que não seja a das pessoas que são «pessoas-de-má-vontade», má vontade que, em última instância, senão mesmo em primeira, se volta sempre contra a humanidade como um todo, isto é, esta também em sentido transcendental, basta ler os índices dos escritos de Francisco, Papa Católico, Papa da Igreja Católica, para perceber quais são os temas em que põe o seu coração de pastor. Nem sequer se tem de dar ao sempre incómodo trabalho de ler os textos.

Quer isto dizer que, mesmo para um olhar superficial, é fácil perceber temas como a alegria, a missão caritativa plena da Igreja como um todo, a permanente conversão desta ao seu amado Senhor e ao coração do Evangelho, a realidade concreta do mundo em que se está, não uma qualquer abstração utopista, a atenção à economia e à sua perversão de modo de libertação das pessoas das carências básicas e de promoção de uma vida digna, que implica uma especial atenção aos mais frágeis, a todos, não a uma qualquer selecção arbitrária, portanto, aos mais pobres, aos mais diminuídos de vários modos, aos abandonados.

Mas vai mais longe a caridade humana de Francisco, que é caridade inspirada em Cristo, logo, caridade evangélica e pró-divina: não há pensamento de Francisco sem o sentido universal e necessário do bem comum, isto é, do bem para todos e de todos, não o bem de alguns, sejam eles a maioria ou uma minoria. A missão do cristão, Igreja em ato ou nada em ato, é para com a salvação plena de todos os seres humanos, mesmo os de não-boa-vontade, mesmo os inimigos do bem comum, mesmo os que tendo nascido potencial e realmente pessoas teimam em se reconstruir como bestas, como animais predadores dos seus, ainda e sempre, semelhantes.

Por isso, é a paz um tema fundamental para Francisco. A Paz não em qualquer sentido político menor, sempre redutor, mas a Paz como o ato do Cristo incarnado, sempre pacífico, nunca violento, nunca cedendo à tentação de um poder efémero que não se troca pelo poder eterno de cada acto de caridade. Esta é a paz, esta é Deus como presença do bem no mundo; a paz absoluta do início da criação antes de o ser humano, convidado a ser livremente bom, se perverter autonomamente em besta, iniciando o mundo como perene acto de guerra: a história do predomínio de Caim nasce.

A Paz é um transcendental divino estultamente esquecido ou ignorado: mas não por Agostinho ou Tomás ou Francisco, o de Assis. Mas não por João XXIII, por Paulo VI, por João Paulo II, por Bento XVI e por Francisco, Papa, o primeiro de seu nome.

A temática incarnada de Francisco continua expandindo-se num movimento universalista – transcendental – em que a criação é revisitada, como no Pobre de Assis, em sentido ecológico, que não se deve confundir com os modalismos modernos de redução ecossistémica da vida e seu substrato físico a um estúpido materialismo impassível de se autofundamentar em epistemologia que não caia num magismo em que a matéria destila espírito, antes assume o pleno do universo como o lugar em que o ser humano habita, não como tirano-ladrão de bens, mas como companheiro de grandeza ontológica de uma realidade que só faz sentido como colaboração simbolicamente simbiótica entre todos os seres, tendo como ápice a morte, não como aniquilação, mas como metamorfose vital de uma experiência temporal de que um sentido eterno se desprende e clama outra morada em que possa ser acolhido.

Ora, todos estes temas, nas suas possíveis modalidades segundo o tempo em que se manifestam – Agostinho não pensou o papel possivelmente herético do Facebook, e por alguma razão não o fez … –, são temas profundamente evangélicos. Todos eles, assim haja inteligência para o perceber. Inteligência que Francisco, o Papa tem.

Embora com algum trabalho, é doutrinalmente fácil encontrar nas Sagradas Escrituras, na sua parte dedicada à manifestação da Palavra a que chamamos Boa Nova, fundamentação para as preocupações e propostas de Francisco. Este, no seu modo próprio – por isso é uma pessoa, não um construto artificial, não uma abstração falante –, é um ardente defensor de causas evangélicas principais, todas elas litúrgicas relativamente ao que é o fim do Evangelho: a salvação da humanidade.

Deste modo, Francisco é um homem de Igreja – o seu Chefe, por eleição dos homens e consentimento de Deus, no seu Espírito, que não costuma propriamente enganar-se (são outros que se enganam e pagam o preço) – que tem como fim a proposta e defesa da mensagem do Evangelho, como serviço, que foi o de Cristo, ao bem e salvação da humanidade.

Assim sendo, qualquer dúvida acerca do bem a que serve, do Deus e da humanidade a que serve, pondo em causa a essência e substância de tal serviço, que é o próprio Evangelho como ação e teofania de Deus em Cristo, está a blasfemar, não porque ponha o sábio Papa em causa, mas porque põe em causa o sentido último evangélico e divino da sua preocupação.

Francisco tem-se revelado um homem forte, em sua fragilidade, que é a fortaleza, coragem, aliada ao serviço do bem de Deus para os seres humanos, da caridade, pois esse é o seu nome próprio. O mais, a ausência de caridade, é própria de impotentes, mortos-vivos sem horizonte outro que não o dos sepulcros caiados em que vegetam.

Mas, ainda assim, a Caridade, que é Deus, metamorfoseará tal podridão em glória, pois ao Deus do bem todo o bem é possível, só o mal lhe é eternamente alheio.



 

Américo Pereira
Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas
Publicado em 06.06.2017 | Atualizado em 15.04.2023

 

 
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