Hoje que a leitura, a capacidade e o desejo de ler, estando em claro declínio, constituem um dos primeiros problemas da cultura, da escola, da formação, cada escrito, ensaio e estudo que diga respeito ao ato de ler é mais precioso e atraente que nunca.
Se, depois, o autor de que se fala é Marcel Proust, o prosador mais elaborado e complexo do século XX, o autor do mais vasto monumento à arte de escrever, então pode estar-se certo de que se é conduzido ao coração do assunto. Falamos do ensaio “Sobre a leitura” (publicado em Portugal pela Nova Vega, 76 páginas, 8,48 €).
Mais do que ter conquistado seguidores e continuadores entre os romancistas, Proust exerceu uma profunda influência sobretudo em críticos literários, isto é, em especialistas na arte de ler, por exemplo, Walter Benjamim.
Referindo-se à leitura, Proust começa desde logo a falar do ato de ler: recorda-o, descreve-o, narra as circunstâncias do tempo e do lugar: a infância, as férias de verão ou uma manhã de inverno.
Ler queria dizer desejar não ser interrompido por atividades comuns ou ritualidades quotidianas, e permanecer mergulhado naquela silenciosa solidão, naquela particularíssima forma de comunicação com um autor e consigo próprio que requer atenção passiva, capacidade de acolher, escutar, enquanto as dimensões da nossa vida mental se alargam muito para além da nossa vida pessoal.
A mania atual do ativismo impele todos mais a escrever do que a ler, mais a falar do que a escutar. Persegue-se a criatividade e esquece-se a fundamental “criatividade passiva”, sem a qual não poderemos observar um quadro, ler um romance, escutar uma sinfonia e nem sequer ver um filme.
O mundo de Proust acabou, e os tempos vagarosos, dilatados pela sua vida confortável e pela sua obra imensa, emergem cada vez mais como um desafio à denominada “velocidade de cruzeiro” que domina a sociedade atual.
Hoje tornou-se um desafio não só ler um livro, mas inclusive ler com atenção um artigo, um jornal. Apressamo-nos em direção à destruição do tempo e de muitas outras coisas. A rebelião contra este mundo precisa que as pessoas desacelerem, parem, assentem, e se perguntem: porquê no além, e não aqui, não agora?