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Secretário de Estado do Vaticano diz que «não há alternativa ao diálogo» e refuta uso do Evangelho para recusar imigrantes

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Secretário de Estado do Vaticano diz que «não há alternativa ao diálogo» e refuta uso do Evangelho para recusar imigrantes

O Secretário de Estado do Vaticano considera que não se pode, «absolutamente», justificar o fechamento aos fluxos imigratórios para proteger a identidade cristã de um país, diminuindo dessa forma «a abertura universal do Evangelho, ou fazer de conta que não existe».

Em entrevista publicada hoje no jornal “Avvenire”, o cardeal italiano Pietro Parolin, que dirige o departamento da Santa Sé mais próximo do papa, acentua que não há «uma alternativa ao diálogo, ainda que nem sempre seja fácil».

«Superar mal-entendidos culturais, políticos, sociais e religiosos, que duram há séculos e que são alimentados também por fenómenos atuais, requer muita paciência, uma atitude de profunda atenção e de respeito para todos, e deve partir da convicção de que cada pessoa goza da mesma dignidade humana», afirma.

O diálogo constitui também uma chave que atrai para o papa diversas figuras de topo da política e da religião: Francisco «não teme dialogar com a humanidade, com as suas necessidades e as suas expetativas. Penso, por isso, que seja precisamente a simplicidade e a coragem com que o papa propõe o primado do diálogo e do encontro a ter suscitado em muitos líderes religiosos e políticos o desejo de entrar em contacto com ele e conhecer melhor a ação da Santa Sé e da Igreja católica no mundo».

Nesta entrevista, que publicamos na íntegra, Pietro Parolin fala também da atualidade de João Paulo I, pelo qual nutre particular devoção, terrorismo, imigração, do apelo a «não cair na armadilha da guerra da religião», bem como do diálogo com a China e islão.

«Primeiro colaborador do Papa no governo da Igreja universal, o cardeal Secretário de Estado pode ser considerado o máximo expoente da atividade diplomática e política da Santa Sé, representando, em circunstâncias particulares, a própria pessoa do Sumo Pontífice», lê-se na página da Secretaria de Estado.

 

Amanhã estará em Canale d’Agordo para as celebrações por ocasião do 38.º aniversário da eleição do papa Luciani. Que significado tem para si este acontecimento?

Aceitei de boa vontade o convite para me dirigir à terra natal do Servo de Deus João Paulo I pelo particular amor e particular devoção que nutro por ele. Admiro a sua santidade vivida. Espero que não falte muito para a proclamação das suas virtudes e se possa chegar à sua beatificação.

 

O que recorda da sua eleição?

Recordo com emoção aquele 26 de agosto de 1978, quando o cardeal Albino Luciani, patriarca de Veneza, se torna João Paulo I. Fiquei surpreendido, como muitos, pela rapidez do conclave que descompaginava os prognósticos elaborados pela imprensa nos dias anteriores. Na consideração e na decisão dos cardeais prevalece o critério eclesial de colocar no centro a mais importante qualidade de um bispo: o seu ser pastor. E Luciani foi um pastor exemplar, no sulco do Concílio. Uma testemunha do Evangelho, na absoluta coincidência entre o que ensinava e o que vivia, com fidelidade diária à sua vocação.

 

O que é que o papa Luciani levou ao mundo a partir da sua terra?

João Paulo I vem de um terra do interior social e cultural, em que a religião nunca foi uma superestrutura, mas um tecido de conexão e integração. Uma terra então provada por uma emigração que hoje parece experiência esquecido e na qual os párocos constituíam figuras de referência não só no âmbito religioso, mas também social, segundo a doutrina social da Igreja. Levou ao mundo uma fé vivida e praticada hora a hora na pobreza e no amor.

 

Qual é a mensagem atual da figura de João Paulo I?

Direi, antes de tudo, que João Paulo I, na sua simplicidade evangélica, foi uma grande testemunha do amor misericordioso de Deus. O próprio papa Francisco retomou-o no seu livro sobre a misericórdia [“O nome de Deus é misericórdia”, em que o pontífice mais citado após o Concílio Vaticano II é João Paulo I]. Durante o seu breve pontificado colocou no centro o amor de Deus e do próximo e as obras de misericórdia, e voltou a percorrer com os gestos e as palavras os caminhos abertos pelo Concílio na fidelidade ao Evangelho: em particular a pobreza eclesial, a colegialidade, como também a procura da unidade com os irmãos ortodoxos e a paz. Penso no seu apelo durante o “Angelus” de 10 de setembro a favor da paz no Médio Oriente, em que chamava à oração os presidentes de diferentes fés. A sua figura e a sua mensagem são extraordinariamente atuais.

 

Precisamente a propósito da paz: nos conflitos no Médio Oriente e Norte de África, bem como na Líbia, registam-se novas intervenções militares, semelhantes àquelas realizadas no passado. Parece-lhe que tais intervenções exprimem um conhecimento adequado da realidade e contribuem verdadeiramente para uma solução das crises?

A comunidade internacional, segundo a Carta Fundamental da ONU, tem a obrigação de manter a paz e a segurança. Na observância deste dever é chamada a interessar-se pelas situações de conflito segundo os instrumentos do direito internacional, entre os quais, em primeiro lugar, o diálogo e a diplomacia. O recurso a meios militares está previsto pelo mesmo direito apenas como última instância. Desde o início, no Médio Oriente e na Líbia, os papas e a Santa Sé dirigiram apelos a fim de se colocarem fim aos conflitos. Infelizmente, a fraqueza da comunidade internacional em assumir as próprias responsabilidades e interessar-se pelo sofrimento das populações provocaram o prolongamento desses conflitos. Por outro lado também é verdade que muitas vezes as intervenções de forças estrangeiras contribuem, por vários motivos, para agudizar os conflitos e o sofrimento das populações civis.

 

O papa Francisco disse com clareza que a «terceira guerra em pedaços» a que assistimos não é uma guerra de religião. Mas houve quem tivesse criticado os muçulmanos que participaram na missa após o martírio do padre Hamel. Como avalia estas críticas?

O terrorismo, que é uma manifestação desta «guerra em pedaços», provocou muitas vítimas, destruições, lutos e dores também na Europa. O papa Francisco refutou claramente as teses segundo as quais estaríamos a assistir a uma guerra de religião. Não há uma guerra entre cristianismo e islão. Uma prova disso é que o terrorismo islâmico atinge de um ponto de vista numérico mais os muçulmanos do que os cristãos. É verdade que não se pode negar que os militantes do ISIS estão a instrumentalizar o islão para justificar os seus atos de violência. E as suas declarações nesse sentido são precisamente uma tentativa de evocar a denominada “guerra de religião”. Não devemos cair na sua armadilha. Também muitas autoridades islâmicas condenaram o terrorismo perpetrado em nome do islão. Assim a participação dos muçulmanos nas missas após a morte do padre Hamel nasceu como sinal de fraternidade, de solidariedade e de recusa da violência. Obviamente, é diferente a condição de quem entra na igreja como católico e de quem entra como não católico. As autoridades eclesiásticas competentes deram indicações sobre a questão, e por vezes a falta de respeito por essas indicações dá azo a mal-entendidos e a críticas.

 

O diálogo com o islão, no caminho indicado pelo Concílio Vaticano II, pode ser criticado como um idealismo ingénuo?

Na “Evangelii gaudium” o papa Francisco sublinhou que o diálogo inter-religioso é uma condição necessária para a paz no mundo e, por isso, praticá-lo é um dever para os cristãos como para os pertencentes às outras comunidades religiosas. «Há uma palavra – salientou o papa na sua mensagem aos participantes no Meeting de Rimini – que nunca devemos cessar de repetir e sobretudo testemunhar: o diálogo. O exemplo, como sempre, vem de Jesus: é Ele que nos ensina que o cristão cultiva sempre um pensamento aberto para o outro, qualquer que seja». Criticar ou repelir o diálogo entre as religiões como um idealismo ingénuo parece-me sinal de um pessimismo exagerado e é inclusive perigoso. Não há, a meu ver, uma alternativa ao diálogo, ainda que nem sempre seja fácil. Superar mal-entendidos culturais, políticos, sociais e religiosos, que duram há séculos e que são alimentados também por fenómenos atuais, requer muita paciência, uma atitude de profunda atenção e de respeito para todos, e deve partir da convicção de que cada pessoa goza da mesma dignidade humana.

 

A Santa Sé olha com particular solicitude o sofrimento dos cristãos no Médio Oriente. Qual é a maneira cristã de se estar próximo deles e ajudá-los, sem instrumentalizar o seu sofrimento em chave ideológica?

A Santa Sé preocupa-se com o sofrimento dos cristãos no Médio Oriente, com as dificuldades que encontram e com as injustiças – e às vezes com as perseguições – a que são submetidos e que os impelem a abandonar a sua terra. O que seria aquela região, que é o berço do cristianismo, sem a sua presença? A maneira cristã de os ajudar é, antes de tudo, recordar-se deles. Devemos procurar todos os meios possíveis para mostrar que lhes estamos efetivamente próximos, sobretudo com a oração e a solidariedade concreta.

 

No Ocidente alguns países justificam o seu fechamento aos fluxos imigratórios como medida para defender a própria identidade cultural ligada ao cristianismo. É legítimo usar a referência ao Evangelho para fechar as portas aos imigrantes?

Não, absolutamente. Não podemos diminuir a abertura universal do Evangelho, ou fazer de conta que não existe. E a Igreja deve continuar a repetir, sem cessar, oportuna e inoportunamente, a palavra do Senhor: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» e «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso». O espírito de acolhimento é parte essencial da identidade cristã e uma aplicação concreta das obras de misericórdia indicadas por Jesus no Evangelho. Obviamente, é legítimo para um país tomar medidas legais e jurídicas para tutelar a própria identidade cultural ligada ao cristianismo. Mas mesmo essas medidas devem ser enformadas pelo espírito de amor e de misericórdia em relação a cada pessoa, a partir daquelas que têm mais necessidade, sem qualquer distinção.

 

No seu entender, qual é a fonte do interesse e da curiosidade que as intervenções do papa Francisco continuam a suscitar por parte dos poderosos do mundo?

Há um dado muitas vezes subvalorizado: o papa Francisco não é um líder político ou o chefe de uma grande e poderosa multinacional, especialista em estratégia política, comercial e financeira. Ele é o sucessor de Pedro, o pastor da Igreja universal, escolhido por Deus para esta árdua tarefa. Ele é chamado, antes de tudo, a querer bem a Jesus Cristo e a ajudar todos nós na Igreja a fazer o mesmo. Nunca esqueçamos o episódio do lago de Tiberíades, quando Jesus pergunta a Pedro: «Pedro, tu amas-me… amas-me mais do que estes?». A sua única preocupação é a de anunciar o Evangelho que salva, a fim de que os homens se possam reconciliar com Deus e com os irmãos, e assim reencontrar esperança e paz. Parece-me que nasce daqui e aqui se enraíza também a sua atenção aos temas como conflitos, migrações, salvaguarda da criação, desenvolvimento económico, proteção dos frágeis. Problemas sobre os quais os “poderosos do mundo” o escutam com interesse e simpatia e lhe manifesta, estima porque se tratam de questões de candente atualidade. O papa Francisco não teme dialogar com a humanidade, com as suas necessidades e as suas expetativas. Penso, por isso, que seja precisamente a simplicidade e a coragem com que o papa propõe o primado do diálogo e do encontro a ter suscitado em muitos líderes religiosos e políticos o desejo de entrar em contacto com ele e conhecer melhor a ação da Santa Sé e da Igreja católica no mundo.

 

O diálogo entre a Santa Sé e a China parece viver uma passagem importante. O que pode dizer a este propósito?

Os contactos entre a Santa Sé e a China continuam com espírito de boa vontade por ambas as partes. A Santa Sé tem particularmente no coração a preocupação de que os católicos chineses possam viver de modo positivo a sua pertença à Igreja e, ao mesmo tempo, serem bons cidadãos e contribuírem para reforçar a harmonia de toda a sociedade chinesa. E isto precisamente porque os católicos na China são plenamente chineses e, ao mesmo tempo, plenamente católicos. O caminho do conhecimento e da confiança recíproca requer tempo, paciência e um olhar de longo alcance de ambas as partes. Trata-se de encontrar soluções realistas para o bem de todos.

 

Muitos meios de comunicação continuam a difundir a vulgata segundo a qual na China haverá duas Igrejas católicas, uma fiel e em comunhão com o papa e com a Igreja de Roma, e a outra obediente e submetida ao Governo. Esta versão dos factos corresponde à realidade e à história do catolicismo chinês?

Sustentar que na China existem duas Igrejas diferentes não corresponde nem à realidade histórica nem à vida de fé dos católicos chineses. Trata-se antes de duas comunidades que desejam viver em plena comunhão com o sucessor de Pedro. Cada uma traz consigo a bagagem histórica de momentos de grande testemunho e sofrimento, o que nos fala da complexidade e das contradições daquele imenso país. A Igreja na China conhece figuras de heroicos testemunhas do Evangelho, um rio de santidade muitas vezes escondido ou desconhecido. O auspício da Santa Sé é ver, num futuro não distante, estas duas comunidades reconciliarem-se, acolherem-se, darem e receberem misericórdia para um comum anúncio do Evangelho, que seja verdadeiramente credível. O papa Francisco tem no seu coração o desejo de que se superem as tensões e as divisões do passado, para poder escrever uma nova página da história da Igreja na China. Tenho confiança de que este caminho possa ser um exemplo eloquente para o mundo inteiro, construindo em todo o lado pontes de fraternidade e de comunhão.

 

Stefania Falasca
In "Avvenire"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 24.08.2016 | Atualizado em 16.04.2023

 

 
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João Paulo I, na sua simplicidade evangélica, foi uma grande testemunha do amor misericordioso de Deus. O próprio papa Francisco retomou-o no seu livro sobre a misericórdia. Durante o seu breve pontificado colocou no centro o amor de Deus e do próximo e as obras de misericórdia, e voltou a percorrer com os gestos e as palavras os caminhos abertos pelo Concílio na fidelidade ao Evangelho
Não se pode negar que os militantes do ISIS estão a instrumentalizar o islão para justificar os seus atos de violência. E as suas declarações nesse sentido são precisamente uma tentativa de evocar a denominada “guerra de religião”. Não devemos cair na sua armadilha
«Há uma palavra – salientou o papa na sua mensagem aos participantes no Meeting de Rimini – que nunca devemos cessar de repetir e sobretudo testemunhar: o diálogo. O exemplo, como sempre, vem de Jesus: é Ele que nos ensina que o cristão cultiva sempre um pensamento aberto para o outro, qualquer que seja»
Obviamente, é legítimo para um país tomar medidas legais e jurídicas para tutelar a própria identidade cultural ligada ao cristianismo. Mas mesmo essas medidas devem ser enformadas pelo espírito de amor e de misericórdia em relação a cada pessoa, a partir daquelas que têm mais necessidade, sem qualquer distinção
Há um dado muitas vezes subvalorizado: o papa Francisco não é um líder político ou o chefe de uma grande e poderosa multinacional, especialista em estratégia política, comercial e financeira. Ele é o sucessor de Pedro, o pastor da Igreja universal, escolhido por Deus para esta árdua tarefa. Ele é chamado, antes de tudo, a querer bem a Jesus Cristo e a ajudar todos nós na Igreja a fazer o mesmo
Sustentar que na China existem duas Igrejas diferentes não corresponde nem à realidade histórica nem à vida de fé dos católicos chineses. Trata-se antes de duas comunidades que desejam viver em plena comunhão com o sucessor de Pedro
A Santa Sé tem particularmente no coração a preocupação de que os católicos chineses possam viver de modo positivo a sua pertença à Igreja e, ao mesmo tempo, serem bons cidadãos e contribuírem para reforçar a harmonia de toda a sociedade chinesa. E isto precisamente porque os católicos na China são plenamente chineses e, ao mesmo tempo, plenamente católicos
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