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Revista “Brotéria” analisa evolucionismo, ambiente, família e literatura

Imagem Capa (det.) | D.R.

Revista “Brotéria” analisa evolucionismo, ambiente, família e literatura

Evolucionismo e naturalismo, ecologia, família e literatura são alguns dos temas desenvolvidos nas mais recentes edições da “Brotéria – Cristianismo e Cultura”, publicada pelos Jesuítas portugueses desde 1902.

Duarte Fontes, que concluiu o curso de Engenharia Física Tecnológica no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, abre o n.º 2-3 (agosto/setembro) da revista com o artigo “A teoria da evolução e o problema do naturalismo”.

«De acordo com um consenso semi-estabelecido entre uma certa elite intelectual no Ocidente, não existe uma pessoa como Deus ou qualquer outro ser sobrenatural. Nesta perspetiva, a vida no nosso planeta surgiu através de processos que, apesar de mal conhecidos, são completamente naturalistas, isto é, envolvem exclusivamente o funcionamento da Natureza. Dada a vida, a seleção natural assumiu o controlo e produziu toda a enorme variedade que encontramos no mundo vivo. Os seres humanos, como o resto do mundo, são inteiramente objetos materiais, que não têm alma ou ego de qualquer tipo imaterial. No fundo, tudo o que existe no mundo são as partículas descritas pela física», escreve o autor no princípio do texto, para contextualizar o leitor.

A perspetiva acima descrita serve como ponto de partida para o artigo de Duarte Fontes, «que tem como objetivo clarificar, por um lado, a compatibilidade existente entre a teoria científica da evolução (…) – habitualmente associada ao naturalismo – e a crença religiosa, e, por outro, dar a conhecer a crítica que é feita ao naturalismo materialista tanto por crentes como por ateus, especificamente pelos filósofos Alvin Plantinga e Thomas Nagel».

A “relação entre o homem e o ambiente”, questão de que se ocupará a primeira encíclica escrita integralmente pelo papa Francisco, é o tema de que se ocupa Miguel Oliveira Panão, professor auxiliar da Universidade de Coimbra

«Da mesma forma que a energia solar recebida não escolhe ricos ou pobres, desenvolvidos ou subdesenvolvidos, mas é a mesma para todos, também a questão da interação entre o ser humano e o ambiente ultrapassa nações, culturas, religiões, coloca-se da mesma maneira a todos e apela a uma atitude de responsabilidade. (…) [Mas] será que cuidar do ambiente é o modo justo de exprimir uma maior consciência ecológica? Devemos, de facto, cuidar do ambiente? Não saberá a natureza cuidar de si mesmo? Qual é, efetivamente, o nosso papel em relação ao cuidado do ambiente?», questiona o investigador no primeiro parágrafo.

Se é verdade que «a crise ecológica foi sempre apontada como um problema moral», as atenções devem incidir primeiro «ao nível existencial»: «Enquanto que no primeiro caso, destruir a natureza significa transgredir uma lei», na segunda situação «ao destruir o mundo natural deixamos simplesmente de ser, de tal modo que as consequências do pecado ecológico não são morais, mas existenciais», realça o artigo.

A «linguagem associada ao problema moral que tem vingado na cultura baseia-se muito no medo, mas uma linguagem associada ao problema existencial assenta mais no amor. Amor que, segundo Teilhard de Chardin, é aquela energia radial que une todas as coisas. Mas como introduzir no discurso ambiental a linguagem do amor?», interroga Miguel Panão.

Domingos Lourenço Vieira, com doutoramentos em Teologia Moral e História Moderna e Contemporânea, assina o texto “A família é um bem para a sociedade”.

O autor recorre «à riqueza da tradição cristã, principalmente a Santo Agostinho, o doutor do casamento, e ao Concílio Vaticano II que definiu o casamento como “comunidade íntima de vida e amor”. O artigo baseia-se também na «visão claramente teológica e personalista do pensamento de João Paulo II», que «centraliza a atenção na pessoa».

«A família é um bem para a sociedade» porque «é o centro onde nascem e crescem os futuros membros da sociedade», porque «oferece a base afetiva em que se constrói a personalidade», porque «o laço familiar é a primeira experiência de laço social», também «por causa da solidariedade familiar», e, sobretudo, «porque é um bem para o ser humano».

Neste número da “Brotéria” é apresentada a primeira de duas partes do artigo “A emulação e a pedagogia da Companhia de Jesus”, de José Manuel Lopes, SJ, professor na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa (Braga).

«Para incentivar os alunos ao trabalho escolástico, os jesuítas recorreram à “emulação”. Os alunos eram divididos em dois campos, os romanos e os cartagineses, comandados por um imperador, ditador ou cônsul, assistido por um pretor, um tribuno e senadores. Cada campo tinha as suas decúrias (dez alunos), dirigidas por um decurião. Em cada decúria cada aluno tinha um antagonista na decúria rival. Deste modo, o trabalho escolástico tornava-se uma luta perpétua, campo contra campo», explica o autor.

A emulação tornou-se «um instrumento pedagógico que a Companhia de Jesus adotou para atingir o seu objetivo de conseguir educar os seus alunos com uma maior eficiência, a nível científico, espiritual e humano. A emulação leva o aluno a ganhar confiança em si próprio, a deixar a mediocridade e a preguiça e a apontar para a excelência. Por isso, a emulação requer educação. Ao Educador compete a missão de eliminar o gosto da guerra, o espírito de rivalidade, a inveja, o desprezo pelos menos dotados. O Educador deve educar o aluno a lutar por dar o máximo e não para ser o primeiro. A ambição somente poderá ser tolerada se o seu objetivo for algo de nobre», acentua José Manuel Lopes.

Eunícia Fernandes, professora do programa de pós-graduação em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro analisa a ação dos Jesuítas na capitania daquela cidade.

«No caso da América portuguesa, a proposta inaciana de inserção no mundo para a propagação da fé adequava-se ao encontro dos ameríndios: a inclusão daquela humanidade gentia era condição “sine qua non” para os empreendimentos reais, mas apresentava-se também como desafio ímpar diante das predisposições da Companhia», escreve a historiadora.

«Por certo a inclusão no mundo luso era direcionada por interesses mercantis e territoriais, mas ela atravessava a catolicidade. É preciso considerar que a identidade reinícola lusa no alvorecer da modernidade se fazia na marca da cristandade, pois em Portugal a memória fundadora da Reconquista construía no catolicismo a diferenciação entre o “nós” e o “eles”. (…) Conquistar e colonizar alhures eram também, com todos os sentidos laicos que possamos inferir, horizontes de fé. Conquistar e colonizar associavam-se à expansão da fé e a Companhia de Jesus fundava-se exatamente  nesse propósito: a missão efetivava-se no lançar-se ao mundo para torná-lo católico», defende a autora.

Para Eunícia Fernandes, «considerar a relevância religiosa e o desejo de transformação dos nativos torna mais compreensível a centralidade e o poderio conquistado pela Companhia em solo americano».

Na secção “Revisitando a Brotéria”, recorda-se um artigo de 1914 sobre a I Guerra Mundial.

«Neste momento em que o Anjo da morte estende as suas negras asas sobre quasi toda a Europa, não deixará de interesar aos leitores da “Brotéria” a estatística das frotas aéreas de que dispõem as nações belligerantes e que, mais tarde ou mais cêdo, deverão intervir na guerra actual duma maneira, sem duvida, mais activa que até agora.»

O texto apresenta tabelas com os dirigíveis construídos e em construção, seguindo-se o mesmo elenco de «aeroplanos» e «hydroplanos».

“Uma Igreja em caminho sinodal – Os desafios pastorais sobre a família” é o artigo do padre italiano Antonio Spadaro que inicia o n.º 4 (outubro) da revista dirigida pelo P. António Vaz Pinto.

«Não é de esquecer que a publicação de todos os materiais de discussão [do sínodo extraordinário sobre a família realizado em outubro no Vaticano] foi considerada arriscada por alguns, porque forneceu uma imagem da Igreja na sua pluralidade de diferentes posições. Mas deve-se considerar que foi uma passagem importante em ordem a essa convergência, desejada pelo Santo Padre, que não fosse fruto de um compromisso quietista», anota o jornalista jesuíta.

A Igreja depara-se com vários desafios respeitantes à família, que o autor enumera: «a descida da natalidade e o envelhecimento da população subverteram a relação entre jovens e velhos; a contraceção consente a cisão entre sexualidade e fecundidade; a procriação medicamente assistida quebra a identidade entre gerar e ser progenitor; as famílias reconstruídas trazem à existência ligações e papéis parentais com complexas geografias relacionais; uniões de facto colocam a questão da institucionalização social das suas relações; pessoas homossexuais interrogam-se porque não podem viver uma vida de relação afetiva estável como crentes praticantes».

«Mas, na realidade, o verdadeiro problema, a verdadeira ferida moral da humanidade de hoje é que as pessoas têm sempre maior dificuldade em sair de si próprias e sem selar pactos de fidelidade com uma outra pessoa, mesmo se amada. É esta humanidade individualista que a Igreja vê diante de si. E a primeira preocupação da Igreja deve ser a de não fechar as portas, mas de as abrir, de oferecer a luz que a habita, de sair para ir ao encontro de um homem que, mesmo que creia não ter necessidade de uma mensagem de salvação, encontra-se muitas vezes amedrontado e ferido pela vida», refere Antonio Spadaro.

Em “Cristóvão Colombo e a vila de Cuba”, o historiador Luís Filipe Thomaz comenta a existência de um “Centro Cristóvão Colón” na povoação alentejana, que «deriva certamente da fantasiosa teoria emitida há anos por Mascarenhas Barreto» segundo a qual o navegador teria ali nascido.

João de Oliveira Lopes, professor de Literatura, evoca Ariano Suassuna (1927-2014), «figura marcante, quase lendária, da cultura brasileira».

«A sua morte foi sentida pelo povo mais humilde, que o conhecia na rua e na igreja. Apesar da origem aristocrática e do elevado grau da sua cultura, a forma simples e quase franciscana do seu trajar, o carácter informal de lidar com toda a gente, tornavam-no naturalmente acessível, irmanando-se com os menos favorecidos, cujos problemas de perto conhecia. Na verdade, era neles que punha o foco da sua arte e do seu combate de intelectual contra as injustiças e as feiúras do mundo», realça o autor.

Além do teatro, Suassuna marcou presença no jornalismo cultural e político, e «fez jus à sua vocação de animador cultural em revistas e periódicos e nas suas famosas “aulas-espetáculo”  no norte e no sul, São Paulo e Rio, levando plateias ao delírio – comparável a Millôr Fernandes e a outros génios da comunicação em que é tão fértil a Terra de Santa Cruz».

“Vasco Graça Moura e Fernando Pessoa: alguns desafios” é a proposta lançada por José Manuel Ventura, licenciado em Línguas e Literaturas Clássicas.

No entender do docente, «o singular pensamento de Graça Moura deriva de uma notável inclinação para o culto declarado da citação e da prática intertextual, vertente claramente pós-moderna e com uma notável natureza experimental. Com efeito, o autor – o crítico e o poeta – trata, apesar de determinadas reticências, a obra pessoana com uma invulgar coerência estética, não a menosprezando, nem excluindo o sentido de admiração. Assim, essa memória encerra um papel relevante, não só para o conhecimento da receção contemporânea da sua obra, mas também para uma cabal dilucidação das coordenadas estético-literárias de Vasco Graça Moura, um leitor atento de Fernando Pessoa».

Nas “Notas breves”, Manuel Braga da Cruz revela «uma história desconhecida de Paulo VI” que se cruza com Portugal.

Conta ele que «entre os ministros do governo de Mussolini [Itália] havia vários que não vinham do fascismo, mas do conservador Partido Nacionalista, e que, por esse facto, nutriam particular simpatia pelo regime português de Salazar, mais próximos que estavam da experiência autoritária conservadora portuguesa do que da modernização fascista italiana, e que não nutriam especial simpatia pela entrada da Itália na Guerra ao lado do Eixo».

«Entre eles estava o ministro do Interior, Luigi Federzoni, que, pressentindo a sua prisão, pediu refúgio ao então embaixador de Portugal no Vaticano, o Prof. Doutor Carneiro Pacheco», que «deu asilo político» ao governante italiano «sem conhecimento nem autorização de Salazar», descreve o autor.

Depois de ouvir pela rádio a sua condenação à morte, «já acolhido clandestinamente na Embaixada de Portugal», Federzoni viria a sair da Itália para rumar ao Brasil.

«Como tivesse morrido em Itália, onde viera passar uma temporada, um missionário capuchinho italiano no Brasil, foi com esse passaporte falso, e disfarçado de “capuchinho”», que Federzoni conseguiu sair da embaixada, rumo a Lisboa, e daí para o Brasil.

«Quem, por razões humanitárias, entregou ao embaixador Carneiro Pacheco o passaporte que salvaria a vida a Federzoni foi, nem mais nem menos, Mons. Montini, ao tempo elemento proeminente da Secretaria de Estado do Vaticano, onde trabalhara com o secretário de Estado cardeal Paccelli, que nesse mesmo ano era já papa com o nome de Pio XII, e que viria a suceder na cátedra de S. Pedro a João XXIII, com o nome de Paulo VI, e cuja beatificação ocorreu em Roma recentemente», escreve Manuel Braga da Cruz.

 

Rui Jorge Martins
Publicado em 07.01.2015

 

 

 
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A «linguagem associada ao problema moral que tem vingado na cultura baseia-se muito no medo, mas uma linguagem associada ao problema existencial assenta mais no amor. Amor que, segundo Teilhard de Chardin, é aquela energia radial que une todas as coisas. Mas como introduzir no discurso ambiental a linguagem do amor?
O Educador deve educar o aluno a lutar por dar o máximo e não para ser o primeiro. A ambição somente poderá ser tolerada se o seu objetivo for algo de nobre
A família é um bem para a sociedade» porque «é o centro onde nascem e crescem os futuros membros da sociedade», porque «oferece a base afetiva em que se constrói a personalidade», porque «o laço familiar é a primeira experiência de laço social», também «por causa da solidariedade familiar», e, sobretudo, «porque é um bem para o ser humano
O verdadeiro problema, a verdadeira ferida moral da humanidade de hoje é que as pessoas têm sempre maior dificuldade em sair de si próprias e sem selar pactos de fidelidade com uma outra pessoa, mesmo se amada
Vasco Graça Moura trata, apesar de determinadas reticências, a obra pessoana com uma invulgar coerência estética, não a menosprezando, nem excluindo o sentido de admiração
O ministro do Interior italiano, Luigi Federzoni, pressentindo a sua prisão, pediu refúgio ao então embaixador de Portugal no Vaticano, o Prof. Doutor Carneiro Pacheco», que «deu asilo político» ao governante «sem conhecimento nem autorização de Salazar
Quem, por razões humanitárias, entregou ao embaixador Carneiro Pacheco o passaporte que salvaria a vida a Federzoni foi, nem mais nem menos, Mons. Montini, ao tempo elemento proeminente da Secretaria de Estado do Vaticano
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