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Restauração da Independência de Portugal: Os difíceis tempos da Igreja antes e após 1640

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Restauração da Independência de Portugal: Os difíceis tempos da Igreja antes e após 1640

Com a dominação filipina [a partir de 1580] instaurou-se um novo período na vida política que teve evidentes repercussões nas relações entre a Igreja e o Estado.

Este ciclo, que se prolongará por 60 anos, durante o qual o prestígio e a influência de que até então Portugal gozava na capital do mundo católico foram abalados, teve duas fases distintas.

A primeira, durante o governo de Filipe I (1581-1598), em que o monarca busca em Roma e em dignidades da Igreja portuguesa apoios para a sua causa, não tomando quaisquer medidas que pudessem suscitar a animosidade do clero, numa conjuntura em que a política filipina ia no sentido de criar consensos em volta da sua legitimidade à posse da coroa.

A segunda, que se inicia com a subida ao trono de Filipe II e que se encerrará em 1640, pautou-se por um conjunto de posições antirromanas e de ataque a privilégios da Igreja e motivou um clima de relações tensas e conflituosas quer com Roma, quer com o clero nacional. Esta linha acentuou-se com o tempo e culminou no reinado de Filipe III e do seu valido, o Duque de Olivares.

Em contraste com o que se vinha verificando desde o reinado de D. Manuel, assiste-se, a partir de 1580, a um progressivo enfraquecimento das posições portuguesas em Roma.

As raízes desta situação prendem-se quer com a dominação castelhana, que no plano diplomático internacional subalternizava os interesses específicos de Portugal, quer com as próprias políticas romanas, que procuravam maior protagonismo e centralismo de ação. (...)

Neste quadro geral de esbatimento do poderio português em Roma, a ação governativa de Filipe I foi cautelosa e prudente.

Face a alguma resistência movida por setores do clero, desde cedo procurou o apoio da Santa Sé para solidificar as suas posições em Portugal. Parece claro que o rei quis usar a influência hispânica em Roma para exercitar o controlo do clero português em matéria política.

Logo em 11 de fevereiro de 1581, o cardeal Alexandre Riario, que era o legado papal, emite um édito impondo a pena de excomunhão maior aos pregadores e confessores que tratassem de assuntos relacionados com o estado do reino de Portugal.

Na mesma data, emite uma carta monitória excomungando «muitos religiosos frades e clérigos, assim seculares como regulares» que tomaram armas pelo partido do prior do Crato, dando a todos nove dias para se apresentarem e «darem descargo das ditas culpas».

Posteriormente, por breve de 18 de março de 1582, o papa manda condenar os «excessos» cometidos pelo bispo da Guarda, João de Portugal, partidário do prior do Crato.

Em outubro desse ano um breve papal dirigido a todos os arcebispos e bispos de Portugal concedia-lhes permissão para poderem entregar à justiça secular os eclesiásticos que conspirassem contra o rei. Enfim, fica evidente a existência de um processo de perseguição aos desalinhados que contou com o apoio romano.

A prudência de Filipe I manifestou-se ainda no facto de não ter bulido com a Igreja e seus privilégios, procurando, através de uma política de promoções e proteção, obter o apoio de figuras de proa da hierarquia eclesiástica. (...)

Com a subida ao trono de Filipe II esta linha de atuação mudou. Doravante assiste-se a uma estratégia insistente de afirmação da esfera secular sobre a Igreja e a um esforço de autonomia face a Roma.

Há mesmo quem considere que as políticas seguidas se enquadram na linha das doutrinas regalistas então emergentes e que em Portugal tiveram como grande teorizador, numa primeira fase, Gabriel Pereira de Castro, com o seu "Tratactus de manu regia" (1622-1625), tratado que viria a ser condenado pela Santa Sé em 1640.

Esta postura foi-se acentuando com o passar dos anos e com Filipe IV «o regalismo atingiu o seu auge, tendo provocado dificuldades e lutas com a Cúria de Roma, o que levou a Santa Sé a fechar a nunciatura para evitar maior interferência do poder régio nos seus negócios». (...)

Nas instruções que, em 1604, Filipe II deu a José de Melo são já evidentes os sinais desta postura de reforço do poder secular.

Foi este agente encarregado de insistir com o papa para que não desse dispensas a portugueses que, em função de os seus bispos os não quererem ordenar, se deslocavam a Roma para aí obterem ordens sacras em dioceses italianas; de tentar que o papa não concedesse benefícios do padroado régio e do padroado de vassalos laicos sem o consentimento do monarca; de obter informações sobre portugueses que difamassem a ação da Coroa, acusando-a de defraudar a jurisdição eclesiástica; de saber se em Roma se concediam benefícios ou pensões de Portugal a estrangeiros, o que era contrário às leis do reino.

Em Portugal, por outro lado, foram muitas as dificuldades que se colocaram aos representantes da Santa Sé: proibia-se aos coletores a ingerência no governo de ordens religiosas, impunha-se-lhes o levantamento de interditos e censuras que tivessem determinado, impossibilitava-se a visita a arcebispados e bispados, tendo ainda eclodido confrontos motivados por questões jurisdicionais e de propriedade eclesiástica. (...)

As disputas não ocorreram apenas entre a Coroa e os representantes da Santa Sé. A ofensiva filipina procurou de igual modo limitar o poder da Igreja portuguesa, cerceando-lhe a posse de bens - de que os problemas com Roma que se acabam de relatar são já um efeito -, restringindo o exercício da liberdade de jurisdição eclesiástica e até impondo tributos fiscais sobre o clero.

Em boa parte, esta pressão sobre o clero resultava das dificuldades económicas que se viviam e da necessidade de a Coroa se apoderar de parte dos rendimentos da esfera eclesiástica.

As altercações registadas e o clima que entretanto se havia criado davam a João IV, o rei aclamado na Restauração, uma herança pesada.

De facto, quando o primeiro Bragança subiu ao trono, as relações entre Portugal e Roma não tinham o sabor que as caracterizara nos tempos finais da dinastia de Avis.

Em dezembro de 1640 fazia quase um ano que todas as igrejas de Lisboa haviam sido interditadas por Roma, estando a cidade privada de culto público. Difíceis tempos se avizinhavam.

 

Da Restauração até 1670

Desde que em 1640 D. João IV assumiu o poder, até 1670, ano em que, já com o recém-eleito papa Clemente X e com D. Pedro II regente, volta a haver entre os dois estados representantes ao mais alto nível mutuamente reconhecidos (embaixador de Portugal em Roma e núncio em Lisboa), inicia-se um novo ciclo na história das relações entre a Igreja e o Estado.

Período difícil do ponto de vista da conjuntura político-económica, foi intensamente perturbado no quadro das relações diplomáticas entre Portugal e Roma, com consequências nefastas no âmbito da vida interna da Igreja portuguesa, pese embora o facto de se notar que, no que tocava à resolução dos problemas que se dirimiam em Roma, o rei e os setores mais representativos da Igreja tivessem estado normalmente irmanados.

Neste período duas questões dominaram: o reconhecimento papal da legitimidade de D. João IV ao trono de Portugal, o que era indispensável para a existência de relações regulares entre os dois estados; e o provimento dos bispados e outros benefícios, aspeto que, à medida que o tempo ia passando, contribuía para a criação de uma situação delicada no interior da Igreja.

Ou seja, pode dizer-se que as atenções da Coroa, passado um primeiro momento em que D. João IV procura obter o apoio dos mais altos dignitários da Igreja para o seu partido e move algumas pontuais perseguições aos que manifestaram o seu desalinhamento em relação à causa restauracionista, estiveram mais voltadas para as relações externas com Roma, do que para a situação interna da Igreja nacional. (...)

Desde muito cedo se procuraram soluções para tentar resolver os dois grandes problemas mencionados. Uma consistiu no envio de representantes à Santa Sé, quer por iniciativa do monarca, quer por parte do estado eclesiástico.

Logo em abril de 1641, D. João IV promove a primeira, liderada pelo bispo de Lamego, Miguel de Portugal. O prelado, pesem os obstáculos levantados pelo papado à concretização da embaixada, chegou a Roma em 20 de novembro de 1641. Aí os diplomatas espanhóis tudo faziam para impedir que o papa o recebesse, instigando-o ainda a condenar publicamente a sublevação portuguesa. Chegaram mesmo, em 20 de abril de 1642, a atacar a comitiva na qual seguia o ordinário lamecense, tendo na refrega havido mortos e feridos.

Nesta ação esteve envolvido o recém-nomeado embaixador de Espanha em Roma, o marquês de Los Velez, a quem Filipe IV havia prometido o vice-reino de Nápoles caso ele conseguisse obter do papa a expulsão do bispo de Lamego. E de facto, pese o empenho do prelado português, a 18 de dezembro de 1642 regressava à pátria sem ter conseguido ser recebido como embaixador de Portugal por Urbano VIII.

Este mau presságio inicial viria a repetir-se nos anos vindouros e, à data da morte de D. João IV, em novembro de 1656, a situação continuava por resolver.

Em abril de 1643 pensou-se enviar a Roma, em missão extraordinária, o conde da Vidigueira, embaixador em Paris. Simultaneamente, buscava-se o envolvimento da França no processo. Luís XIII chegou a solicitar a Urbano VIII que tentasse resolver a questão.

Pelos inícios de 1644, foi o clero português que decidiu mandar a Roma um seu representante. Era uma nova estratégia que se desenhava. Foi encarregado da incumbência Nicolau Monteiro, prior de Cedofeita. Este apresentou ao papa os enormes danos que a situação estava a causar em Portugal onde, na altura, eram já dezassete as mitras vagas. Mas também esta missão se revelou infrutífera e o enviado regressou, em 1646, depois de ter sido assaltado em Roma por um grupo de castelhanos e napolitanos, em 2 abril de 1645, num atentado que provocou a morte de um dos seus lacaios e que contribuiu para ofuscar a imagem de Espanha junto das várias representações diplomáticas e da própria cúria.

Com a saída de Nicolau Monteiro esmoreceram os esforços empenhados intentados desde 1641.

Em outubro de 1648, ainda o rei decidiu mandar a Roma, a pedido dos três estados, Manuel Álvares Carrilho, cuja ação não teve qualquer efeito prático positivo e, posteriormente, foi necessário esperar pela morte do papa Inocêncio X, para que o rei reincidisse no pedido de admissão na Santa Sé de um seu embaixador.

Foi encarregado dessa missão o experiente diplomata Francisco de Sousa Coutinho. Recebido pelo sumo pontífice em 14 de dezembro de 1655 e pese a boa impressão com que ficou da audiência, também os seus esforços não foram recompensados.

Em 1659, após a morte de D. João IV, e muito desacreditado por certas fações que então se assenhorearam do poder, regressaria ao reino, depois de acesas polémicas com o cardeal Ursino, então cardeal-protetor de Portugal, a quem em várias ocasiões acusara de negligente e ludibriador dos interesses da Coroa.

Entretanto, para além do envio destas embaixadas e da procura dos apoios franceses, desde 1643 que se vinham intentando outros estratagemas de ação. (...) No decurso deste longo processo várias soluções de compromisso foram exploradas sem que se tenha conseguido um consenso. (...)

O insucesso de todas estas iniciativas e a situação de impasse que se foi instalando resultavam da complexidade da situação que estava criada bem como dos múltiplos e contraditórios interesses em jogo.

As relações entre Roma e os reis de Espanha, no que concernia às questões de Portugal antes de 1640, tinham criado um mau clima entre os dois estados que se havia refletido na expulsão de Lisboa do representante papal por Filipe III e no subsequente interdito lançado sobre Lisboa, situação que vigorava quando D. João IV assumiu o poder.

A provisão dos bispados agravava-se ainda pelo facto de que, antes de dezembro de 1640, foram nomeados por Filipe III bispos para as dioceses do Porto, Portalegre e Miranda, provisões que foram de novo preconizadas, em 18 de março de 1641, por proposta do cardeal Cueva, em nome do rei de Castela, enquanto rei de Portugal. (...)

Em todo este processo a Santa Sé estava numa situação profundamente difícil. Se é certo que não podia assistir passivamente à degradação interna da Igreja portuguesa e se temia a possibilidade de algum movimento cessacionista, não é menos verdade que um eventual reconhecimento das pretensões joaninas colocava Roma em franca oposição a Espanha. Ora, decorrendo a Guerra dos Trinta Anos e no rescaldo de um sem-número de querelas político-religiosas no seio da cristandade europeia, o apoio daquela potência era-lhe imprescindível.

A monarquia hispânica desde cedo percebeu esse peso, bem como a importância estratégica que constituiria para D. João IV o seu reconhecimento como rei pelo papa, e tudo tentou, inclusivamente o uso da violência, para inviabilizar qualquer compromisso entre as duas partes.

À França, por um lado, interessava que a situação política portuguesa se resolvesse favoravelmente a D. João IV mas, simultaneamente, a continuação dos conflitos contribuía para debilitar a força da sua sempre rival Espanha. Concomitantemente, numa altura em que os Franceses intentavam obter posições no Oriente, convinha-lhes a fragilidade portuguesa para defender os seus direitos de padroado naquelas paragens.

As posições portuguesas também não eram tão lineares como aparentemente podia parecer.

O investimento feito pela monarquia restaurada para obter apoios papais e para que se resolvessem as situações das dioceses vagas era contrabalançado por interesses de sinal contrário. De facto, a vacância das dioceses trazia alguns proventos materiais ao rei que eram de enorme valia no difícil contexto económico que se vivia, sobretudo pela pressão das campanhas militares defensivas contra os exércitos castelhanos.

Uma análise atenta da longa série de correspondência que, desde 1641, D. João IV manteve com o cabido eborense prova-o à saciedade. Na ausência do arcebispo o rei ficava para si com parte ou a totalidade das rendas do arcebispado, a título de empréstimo, aproveitando ainda a fuga para Castela de muita gente que tinha pensões impostas sobre essas rendas para ficar com elas para si, pese sempre alguma oposição do cabido.

Esta situação não foi exclusiva de Évora e confirma a ideia de que o rendimento dos bispados vagos, depois de 1640, era habitualmente remetido ao rei.

Por outro lado, havia muitos indivíduos e grupos, mesmo no interior do clero, para quem o prolongamento do impasse era vantajoso. O experiente embaixador Sousa Coutinho dá disso conta desde 1656.

Apercebendo-se dos muitos eclesiásticos portugueses que viviam em Roma, a título individual ou em representação de religiões e de cabidos, o embaixador refere que para eles era utilíssima a dilação do não provimento dos bispados e por isso tudo faziam para perturbar a sua própria ação, uma vez que iam aproveitando a conjuntura para em Roma serem providos em alguns dos benefícios que iam vagando e ainda porque, na ausência de prelados, não tinham ninguém para controlar a sua ação em Portugal, podendo mais livremente agir em função de interesses pessoais ou clientelares.

Já para não falar de plausíveis apoios que em Portugal certos setores da Igreja dariam à causa castelhana, como era o caso da Inquisição, quanto mais não fosse para expressar o desagrado por certas medidas que se intentaram tomar, da parte da Coroa, no contexto da obtenção de apoios financeiros de setores cristãos-novos. O mesmo Sousa Coutinho lança suspeitas graves sobre a ação da Inquisição enquanto «fortaleza de Castela» no interior do reino, em carta à rainha Luísa de Gusmão, de 13 de agosto de 1657.

Em face deste enredado novelo a estratégia de Roma foi não decidir. Ir protelando qualquer solução definitiva até que conjunturas mais propícias abrissem as portas a um acordo.

Neste quadro, a fidelidade ao catolicismo que o rei e muitos setores da sociedade portuguesa iam demonstrando foi essencial para a orientação da política romana. E o papado não se esquecia de medir o pulso às ações portuguesas.

Neste contexto, merece especial menção uma carta, de 25 de outubro de 1647, em que o informador pontifício em Portugal, Vincenzo Mobili, comunica ao secretário de Estado em Roma que se o rei de Portugal não fosse tão pio e católico já se teria caído na heresia. Isto é, Roma, pressionada por condicionalismos da política internacional complexos, confiava na submissão e catolicismo dos Portugueses, para que o tempo fosse resolvendo certas questões, com a confiança de que o perigo de uma rutura estava fora de causa. (...)

Em 1659 morria o único bispo titular ainda existente, o de Targa, ficando então o império sem qualquer bispo. Esta situação dava origem a desmandos praticados pelos cabidos no governo das dioceses e a uma situação geral de grande desordem e impunidade no interior da esfera da Igreja, de que há múltiplas notícias coevas. (...)

Tudo era agravado pelo facto de certos setores do laicado e do clero terem começado a tomar posições próximas do galicanismo político, ao que não eram estranhas as aproximações diplomáticas à França.

Estas doutrinas, inclusivamente, suscitaram a redação de tratados em que não só o problema do provimento dos bispados mas toda a questão das relações entre o papado, a Coroa e a Igreja portuguesa foram debatidos.

Apesar de não terem obtido o valimento do monarca e da maioria das figuras de proa, quer do clero, quer dos círculos seculares palatinos, não haja dúvidas de que, episodicamente, elas floresceram.

A integridade católica do reino começou a ser posta em causa em dezembro de 1643, quando o rei convocou uma junta composta por alguns dos bispos ainda existentes, por prelados eleitos mas ainda não reconhecidos e por teólogos e canonistas da Universidade de Coimbra.

Pantaleão Rodrigues Pacheco, bispo de Elvas e eleito capelão-mor, líder das posições mais radicais, chegou a alvitrar a solução da eleição de um patriarca português que pudesse posteriormente prover as dioceses vagas. As decisões finais da junta não perfilharam nunca a tese de insubmissão a Roma.

Idênticos afloramentos voltaram a ocorrer em 1645, quando uma nova junta se debruçou sobre as violências que em Roma se haviam praticado sobre o enviado Nicolau Monteiro, e mais tarde, em 1649, quando o rei decidiu convocar uma comissão de teólogos portugueses para emitir parecer sobre cinco pontos, entre os quais o de saber se poderiam ser sagrados bispos sem recurso ao Papa, tendo obtido uma resposta afirmativa.

Após a morte de D. João IV, a procura de soluções ficou praticamente paralisada.

Em dezembro de 1663 ainda Francisco Manuel de Melo foi a Roma para tentar resolver a situação. Chegou a ser recebido pelo papa Alexandre VII, mas a conjuntura conturbada das relações entre o papado e a França, bem como as dificuldades sempre criadas pelo partido espanhol em Roma, não permitiram que a sua missão fosse coroada de êxito.

Nesta altura já governava Afonso VI, que tal como o pai nunca aceitou a proposta que Roma há muito fazia para que a questão do provimento dos bispados fosse resolvida, com o papa a nomear os bispos apresentados pelo rei de Portugal mas com a designação «de motu proprio» e não reconhecendo o seu direito de padroado na bula de nomeação.

Desde os inícios de 1664 até setembro de 1668, não há registo de contactos entre a diplomacia portuguesa e a romana, o que sugere que as relações estiveram cerradas. Explicam-no a situação política de Portugal, com os conflitos entre as fações próximas de Afonso VI e as do irmão D. Pedro, e o penoso arrastar destas relações por mais de 20 anos sem qualquer solução.

A paz consumada entre Portugal e Castela, no ano de 1668, viria finalmente criar as condições para que tudo se recompusesse.

 

Esta transcrição omite as notas de rodapé.

 

José Pedro Paiva
In "História religiosa de Portugal", vol. II (ed. Círculo de Leitores)
Publicado em 01.12.2014 | Atualizado em 17.04.2023

 

 
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Com a subida ao trono de Filipe II esta linha de atuação mudou. Doravante assiste-se a uma estratégia insistente de afirmação da esfera secular sobre a Igreja e a um esforço de autonomia face a Roma
Em Portugal foram muitas as dificuldades que se colocaram aos representantes da Santa Sé: proibia-se aos coletores a ingerência no governo de ordens religiosas, impunha-se-lhes o levantamento de interditos e censuras que tivessem determinado, impossibilitava-se a visita a arcebispados e bispados
Em dezembro de 1640 fazia quase um ano que todas as igrejas de Lisboa haviam sido interditadas por Roma, estando a cidade privada de culto público. Difíceis tempos se avizinhavam
Após a restauração, duas questões dominaram: o reconhecimento papal da legitimidade de D. João IV ao trono de Portugal, o que era indispensável para a existência de relações regulares entre os dois estados; e o provimento dos bispados e outros benefícios
Os diplomatas espanhóis tudo faziam para impedir que o papa recebesse o representante português, instigando-o ainda a condenar publicamente a sublevação. Chegaram mesmo, em 20 de abril de 1642, a atacar a comitiva na qual seguia o ordinário lamecense
Pelos inícios de 1644, foi o clero português que decidiu mandar a Roma um seu representante. Mas também esta missão se revelou infrutífera e o enviado regressou, em 1646, depois de ter sido assaltado em Roma por um grupo de castelhanos e napolitanos
Em todo este processo a Santa Sé estava numa situação profundamente difícil. Se é certo que não podia assistir passivamente à degradação interna da Igreja portuguesa e se temia a possibilidade de algum movimento cessacionista, não é menos verdade que um eventual reconhecimento das pretensões joaninas colocava Roma em franca oposição a Espanha
A vacância das dioceses trazia alguns proventos materiais ao rei que eram de enorme valia no difícil contexto económico que se vivia, sobretudo pela pressão das campanhas militares defensivas contra os exércitos castelhanos
Havia muitos indivíduos e grupos, mesmo no interior do clero, para quem o prolongamento do impasse era vantajoso
O informador pontifício em Portugal, Vincenzo Mobili, comunica ao secretário de Estado em Roma que se o rei de Portugal não fosse tão pio e católico já se teria caído na heresia
A integridade católica do reino começou a ser posta em causa em dezembro de 1643, quando o rei convocou uma junta composta por alguns dos bispos ainda existentes, por prelados eleitos mas ainda não reconhecidos e por teólogos e canonistas da Universidade de Coimbra
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