Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura

Cinema: “Ressurreição”

Imagem Póster (det.) | D.R.

Cinema: “Ressurreição”

O filme “Ressurreição” [(2016, 107 min.), com estreia anunciada para Portugal a 24 de março, Quinta-feira Santa], conta a história de Jesus de um modo inédito. Com efeito, o ponto de vista é o dos romanos que o executaram e que, negando obviamente a sua natureza divina, não sabem como é que Ele terá fugido após a crucificação.

O tribuno romano Clavius (Joseph Fiennes), que assistiu à morte de Jesus (Cliff Curtis) na cruz, é encarregado por Pôncio Pilatos (Peter Firth) de descobrir onde está o corpo, dado que três dias depois da crucificação o túmulo foi encontrado vazio. O funcionário deverá igualmente agir depressa, para evitar que se difunda rapidamente o eco de uma ressurreição capaz de impelir a população de Jerusalém a uma revolta. Mas o que vai ver com os seus próprios olhos não poderá deixar de o mudar para sempre.

O tema do filme, mas sobretudo o “trailer” [e também o póster em Portugal], que falam da «mais importante caça ao homem da História», deixavam opacamente pressagiar um produto bem para lá dos limites do “kitsch”. Uma espécie de “thriller” em hábitos antigos. Quase um equivalente daquele literatura de série C em que frades medievais ou senadores da Roma antiga fazem de detetives em improváveis investigações desenvolvidas com ritmos e passagens emprestadas da contemporaneidade. E, o pior, usando a vida de Jesus.

Não obstante as premissas, confecionadas como é evidente com o objetivo de atrair o público mais amplo possível, o filme revela-se decididamente moderado, quer no argumento quer na realização. Este último aspeto, sobretudo, surpreende, visto que o cineasta norte-americano Kevin Reynolds é o mesmo que se empantanou nas águas de “Waterworld” (1995), um dos maiores insucessos de todos os tempos, derrubado sob o peso do seu próprio gigantismo. E que depois foi bem-sucedido na continuação da sua carreira, sem todavia sair de um nível mediano.

Aqui, em vez disso, é artífice de algumas escolhas absolutamente certeiras, sendo a mais importante a de confiar num elenco quase inteiramente britânico, assegurando assim interpretações de nível profissional muito alto e capazes de diluir, por si só, qualquer tentação sensacionalista. Depois rodeia-se de bons colaboradores, como um diretor de fotografia hábil a explorar em chave solene o sugestivo ambiente, ou como um responsável pela montagem que dá um contributo importante na cena crucial, em que Cristo reaparece, momento delicado que se revela o mais conseguido do filme, decididamente emocionante.

As caracterizações dos personagens são simples e similares a quanto já se viu noutros filmes com o mesmo tema, a começar por um Pilatos cínico e vaidoso, enquanto as figuras dos discípulos permanecem maioritariamente na sombra. Mas os verdadeiros problemas, do ponto de vista dramatúrgico, nascem na segunda parte e estão ligados à história que se quis contar. Um produto como este, bem confecionado mas sem veleidade de ultrapassar as fronteiras do cinema comercial, precisa de uma exigência dramática que mantenha viva a componente narrativa até à última cena. Porém, o que acontece após a crucificação está já de tal forma estabelecido que não é fácil continuar a história apenas com os instrumentos da prosa.

Do ponto de vista poético Reynolds faz o que pode, mas na meia hora final dá a impressão de já não saber o que fazer com os próprios personagens. Até porque a este Jesus, mesmo que iconograficamente fascinante e bem interpretado por um ator já visto várias vezes em papéis secundários, o argumento, escrito pelo próprio Reynolds, não sabe dar a justa espessura.

Não há muito espaço, por exemplo, para o verbo cristão. Tudo está centrado nos milagres. Eles são, de resto, o que interessa ao protagonista Clavio – a distinção entre natural e sobrenatural -, e o filme nivela-se em demasia sobre o sua perspetiva, que se chega a não ser a de um cético, também não tem tempo de se tornar a de um verdadeiro cristão. Não é por acaso que é precisamente no final que o filme, apesar de recuperar incisividade, se arrisca a perder a sobriedade, com alguns efeitos um pouco grosseiros no momento da despedida de Jesus.

Por outro lado, poder-se-ia ter aprofundado um aspeto interessante mas que é apenas acenado: o contraste entre os vários credos seguidos com não muita convicção pelos romanos – o tribuno confia vagamente as suas esperanças a uma estatueta de Marte – e a nova religião, capaz, ao contrário, de mudar para sempre a História.

No fim de contas, contudo, estes defeitos não comprometem na substância um trabalho que consegue expressar bem o fulcro da narrativa, ou seja, a relação entre um oficial romano cético e o milagre da ressurreição, mantendo-se longe da tentação do espetacular e mostrando-se honesto e tocante. Até porque Fiennes, ator algo ausente noutros filmes em que participou, encontra um papel que se lhe adapta e o impele para uma atuação totalmente convincente. 

 




 

Emilio Ranzato
In "L'Osservatore Romano, 12.2.2016
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 12.02.2016

 

 
Imagem Póster | D.R.
O realizador é artífice de algumas escolhas absolutamente certeiras, sendo a mais importante a de confiar num elenco quase inteiramente britânico, assegurando assim interpretações de nível profissional muito alto e capazes de diluir, por si só, qualquer tentação
Os defeitos não comprometem na substância um trabalho que consegue expressar bem o fulcro da narrativa, ou seja, a relação entre um oficial romano cético e o milagre da ressurreição, mantendo-se longe da tentação do espetacular
Relacionados
Destaque
Pastoral da Cultura
Vemos, ouvimos e lemos
Perspetivas
Papa Francisco
Teologia e beleza
Impressão digital
Pedras angulares
Paisagens
Umbrais
Evangelho
Vídeos