«No dia da comemoração dos defuntos, a recordação de quem nos deixou torna-se mais intensa. É um dia de tristeza, mas a esperança extrai força da fé, e além da profundidade da oração também as intuições da poesia podem fazer refletir e dar consolação.»
É com estas palavras que começa o artigo publicado esta tarde no portal de notícias do Vaticano (Vatican News, edição em italiano), dia em que a Igreja católica faz a comemoração de todos os fiéis defuntos, instituída na Igreja latina desde o final do século X.
Esta espécie de “antologia breve”, assinada por Maria Milvia Morciano, apresenta a poesia de onze autores, maioritariamente dos séculos XIX e XX, entre os quais o português Fernando Pessoa (1888-1935).
«A poesia fúnebre é um tema inesgotável que atravessa toda a história, e que foi encarada por quase todos os escritores e poetas de cada tempo. Por isso, a que se seguirá é uma escolha limitada e concentrada em determinados aspetos, como o sentido religioso e a relação entre os vivos e os mortos», explica a autora.
Depois de autores como John Donne e Emily Dickinson, e antes de Rabindranath Tagore, Luigi Giussani e Hermann Hesse, Fernando Pessoa comparece na subsecção do artigo intitulada «a morte é uma ausência», na qual se refere o fim da existência terrena não como um desaparecimento, mas como uma deslocação para outro espaço», em versos «onde ressoa fortemente a esperança»:
«A morte é a curva da estrada,/ Morrer é só não ser visto./ Se escuto, eu te ouço a passada/ Existir como eu existo.// A terra é feita de céu./ A mentira não tem ninho./ Nunca ninguém se perdeu./ Tudo é verdade e caminho».
Sobre o mesmo poema, escreveu, há um ano, o cardeal José Tolentino Mendonça: «São imagens que nos adentram no mistério da morte e que o poeta descreve não como uma crise inominável, mas como um elemento morfológico da estrada — “a curva” — ou uma condição do seu percurso — a maior ou menor visibilidade».
Intitulada “A curva da estrada”, a crónica, no “Expresso”, sublinha que «sobre a morte pode-se falar portanto, nem que seja por metáforas, mas colocando-a justamente num discurso acerca do grande caminho, do único caminho que é a vida».
«Enchemos a existência de oposições inúteis e inventamos fronteiras que afinal não existem, quando a vida, a nossa vida, desde a conceção até a morte natural, é um fluxo indivisível e único», observa, acrescentando que «a cultura contemporânea evidencia neste campo uma dramática fragilidade».