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Em memória de Pedro Tamen (1934-2021): «Toda a poesia verdadeira é religiosa»

«Como editor, como poeta, como escritor, como intelectual ativo, Pedro Tamen é uma personalidade das mais marcantes do nosso tempo», considerava Guilherme d’Oliveira Martins, a propósito da edição de “Retábulo das matérias – 1956-2013” (Imprensa Nacional, 2018, 1038 págs.).

Em texto publicado no "Jornal de Letras", o então presidente do Grande Conselho / Conselho das Artes do Centro Nacional de Cultura recordava o percurso do poeta nascido no ano de 1934, em Lisboa.

«Vindo da revista “Anteu – Cadernos de Cultura” (1954), passaria pelo jornal “Encontro”, da Juventude Universitária Católica, onde seria chefe de redação (1955-57), dirigiu o Centro Cultural de Cinema e publicou o primeiro livro, “Poema para todos os dias” (1956), refere,

Conclui o curso de Direito e é incorporado pela primeira vez no Exército em 1957, mas é o ano seguinte que «vai significar uma mudança», desencadeada pela candidatura presidencial do general Humberto Delgado, pelo memorando do bispo do Porto a Salazar, que levaria D. António Ferreira Gomes ao exílio, e pelo início do pontificado de João XXIII.



«Era preciso abrir espaços, havia outros católicos de um setor mais técnico, como Adérito Sedas Nunes e Alfredo de Sousa, mas havia também jovens estudantes da greve de 1962, como Jorge Sampaio, Jorge Santos, Manuel de Lucerna e José Medeiros Ferreira, e havia ainda oposicionistas clássicos como Mário Soares e Francisco Salgado Zenha»



António Alçada Baptista transforma a Livraria Moraes «num centro de renovação política e religiosa», agregando Pedro Tamen como seu sócio, numa equipa composta por João Bénard da Costa, Nuno Bragança, Luís de Sousa Costa, Helena e Alberto Vaz da Silva.

É também nesse tempo que Tamen lança o Círculo de Poesia, onde publica “O sangue, a água e o vinho”, anima as coleções Círculo do Humanismo Cristão e “O tempo e o modo”, que dará título à revista, em 1963, assinala Guilherme d’Oliveira Martins.

É Pedro Tamen a formular o programa da publicação, de que foi editor: «A ação começa na consciência. A consciência, pela ação, insere-se no tempo. Assim, a consciência atenta e virtuosa procurará o modo de influir no tempo. Por isso, se a consciência for atenta e virtuosa, assim será o tempo e o modo».

Enquanto editora, a Moraes «afirma-se como pioneira na reflexão dos grandes temas do concílio Vaticano II», mas “O tempo e o modo” «não era, porém, uma revista de católicos»: «Haveria de seguir os passos de Emmanuel Mounier, que fizera em 1932 da revista “Esprit” um lugar de abertura e diálogo com não católicos».




«Contra a ideia de fatalismo do insucesso ou do atraso, foi o sentido crítico que venceu nas duas gerações – a da “Vida nova” e de “O tempo e o modo” com a dureza da denúncia e a aventura das propostas audaciosas»



«Era preciso abrir espaços, havia outros católicos de um setor mais técnico, como Adérito Sedas Nunes e Alfredo de Sousa, mas havia também jovens estudantes da greve de 1962, como Jorge Sampaio, Jorge Santos, Manuel de Lucerna e José Medeiros Ferreira, e havia ainda oposicionistas clássicos como Mário Soares e Francisco Salgado Zenha», assinala.

O texto evoca «os vencidos do catolicismo», enunciação de Ruy Belo de um dos seus poemas, para sustentar que estes «não foram vencidos no largo prazo, sendo símbolos vivos do que se pode designar como a “paixão crítica”».

Quando foi inventada a expressão «vencidos da vida», ligada à Geração de 70 do século XIX, «havia um misto de ironia e de revolta. Contra a ideia de fatalismo do insucesso ou do atraso, foi o sentido crítico que venceu nas duas gerações – a da “Vida nova” e de “O tempo e o modo” com a dureza da denúncia e a aventura das propostas audaciosas», concluía Guilherme d’Oliveira Martins.

O presidente da República enviou as «sentidas condolências» à família de Pedro Tamen: «Foi também um amigo que hoje perdi».

«Durante mais de meio século, Pedro Tamen foi uma figura ativíssima da nossa vida cultural e cívica. Como militante de grupos católicos de orientação conciliar, como cineclubista, como crítico literário, como diretor e colaborador de jornais e revistas (entre as quais "O Tempo e O Modo"), como editor na Moraes e responsável da fundamental coleção Círculo de Poesia, como membro do Conselho de Administração da Fundação Gulbenkian, como dirigente de associações de escritores, e claro, como tradutor e poeta», escreveu Marcelo Rebelo de Sousa na página da Presidência da República.

À poesia de Pedro Tamen, «de temática cristã no início, e depois progressivamente surrealizante, lúdica, hermética, sempre inventiva, tão depressa erudita como ligada ao quotidiano, ao amor, à artes plásticas, foram atribuídas diversas distinções que o consagraram como um autor singularíssimo, respeitado e admirado pela crítica e pelos seus pares».



A palavra na poesia tem uma finalidade completamente diferente da palavra comum. A secura do dicionário é por ela transformada num manancial quase infinito de dimensões. Mais do que fazer comparações, o poeta afirma o mundo por metáforas



Reproduzimos de seguida excertos da intervenção de Pedro Tamen em novembro de 2010, no contexto do ciclo de conferências organizado pelas Monjas Dominicanas do Mosteiro do Lumiar, em Lisboa, dedicado ao tema “Na fronteira de Deus e do mundo”.

Na conferência intitulada “A Palavra como fronteira do silêncio – uma conversa sobre Poesia”, Pedro Tamen sublinhou que, para o poeta, a fronteira não é um limite mas a sua própria situação.

A poesia e a mística, disse, têm a visão de outro mundo misterioso, e ambas redundam no silêncio; o que, para o poeta, que trabalha com as palavras, é uma contradição.

Se o místico contempla o insondável e indizível mistério da divindade, o poeta, por seu lado, tem a visão do mistério radical do mundo.

A palavra na poesia tem uma finalidade completamente diferente da palavra comum. A secura do dicionário é por ela transformada num manancial quase infinito de dimensões. Mais do que fazer comparações, o poeta afirma o mundo por metáforas.

«A minha aproximação ao catolicismo passou diversas fases, sem que se possa dizer que o que escrevi deixou de ser religioso. Toda a poesia verdadeira é religiosa.»



















 

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