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Espiritualidade

Hinos do deserto e da prisão

Cântico IV: O homem ligado a Cristo

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Finalmente, diminuindo, desaparecendo,
    tornei-me o Homem ligado a ti, ó Cristo,
    na vida e na morte.

Ignorado, amigo do Esposo, não tive inveja de ti, Jesus.
    Sei que nada se pode atribuir ao homem senão o que lhe é dado do céu.
    Os meus próprios discípulos são testemunhos do que disse:
   «Não sou eu o Messias, mas aquele que foi enviado diante dele».
    Tenho a plena alegria de participar nas tuas núpcias, ó Cristo!
    «Quem tem a esposa é o Esposo,
    por isso o amigo do Esposo que está ali e o ouve
    fica cheio de alegria ao ouvir a voz do Esposo.
    Por isso esta minha alegria agora está completa»
    e ninguém ma pode tirar!
    A alegria de te escutar!

A escuta exige atenção e obediência
    e a bem-aventurança de não se escandalizar:
    «Feliz aquele que não se escandalizar por minha causa»,
    - tinhas dito aos meus discípulos, mais prontos do que eu próprio
    a escandalizar-se com a tua atitude, Cristo Jesus -.

A minha alegria era a alegria do amigo e do precursor,
    alegria de te ceder o lugar e os discípulos.
    Exortei os melhores dos meus a seguir atrás de ti.
    «Olhai o Cordeiro de Deus», disse-lhes.
    E aos que estavam invejosos por minha causa:
    «É preciso que ele cresça e eu diminua.»
    E enviei a ti os recalcitrantes e medrosos, para perguntarem:
    «És tu o que há-de vir ou temos de esperar outro?»

Na verdade, sabia que os pequeninos do Reino dos Céus
    são maiores do que eu,
    porque a sua missão é muito maior do que a minha, de teu precursor.
    A nova época do Reino é incomparavelmente maior do que a anterior
    - a das promessas e esperanças.

Todavia, desde que eu próprio o anunciei,
    o Reino de Deus só tem encontrado violências!
    Agora, na prisão, como vítima desta mesma violência,
    guardo sempre bem plena a minha alegria
    que me converte na Voz que se apaga
    em favor do homem de coração silencioso que acolhe a boa nova evangélica,
    a Palavra proclamada por ti!

Da minha corrida, encontrando-me à vista da meta,
    descubro o maior dom, inestimável:
    ter-me tornado eu próprio o que agora sou:
    O Homem-preságio dos teus sofrimentos, ó Cristo!
    Não me reconheceram e fizeram de mim tudo o que quiseram,
    como a ti mesmo,
    «tal como está escrito», de ti e de mim, Cristo Jesus!
    Ámen, Aleluia!

Assim, com toda a confiança, silencioso e sem revolta,
    aceito o que agora acontece e aceito-me a mim mesmo,
    tal como te aceito a ti, Jesus, e a tua acção.
    Como se me encontrasse apenas no limiar do teu mistério
    e na proximidade da tua pessoa,
    quando, na realidade, a fé em ti faz que dê tanto valor
à minha morte privilegiada
    de precursor, de testemunho e de sinal.
    Ó Cordeiro, libertador das nossas situações de pecado,
    ungido que nos baptizas e nos dás sem medida o teu Espírito Santo,
    Filho de Deus, que nos trouxe o Reino e nos introduz ao Pai!

Unificado com a tua sorte, sinto que em mim próprio
    antecipo a tua Páscoa - aquilo que me dá sentido -
    e o Pentecostes do Espírito Santo - aquilo que me completa.

 

 

Cântico III: O homem do testemunho

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Possuído, então, Senhor Jesus, por um inefável entusiasmo
    nunca imaginado pelos homens -
    o Espírito pelos seres humanos -,
    o Espírito transforma-me no Homem do testemunho.
    Nisto me reconheço.

Enviado por ti, ó meu Deus,
    vim ao mundo como testemunha
    para dar testemunho da Luz
    para que todos cressem.
    Não era eu a luz
    Era apenas a chama que queima e ilumina
    - por isso os homens deixaram-se entusiasmar,
    por um momento, com a sua claridade –.
    Eu tinha de dar testemunho da Luz,
    daquela luz verdadeira que já existia antes
    e que, vindo ao mundo, ilumina todos os homens.

Reconhecendo-te, como podia duvidar?
    «Eu não sou o Messias. Também não sou Elias
    nem o profeta de que Moisés falou.
    «Eu sou a voz que clama no deserto:
    endireitai os caminhos do Senhor.»
    «Eu baptizo com água, mas no meio de vós – dizia ele –
    está já aquele que não conheceis.»

Jesus, Senhor, mas eu próprio, que conhecimento tinha de ti?
    Não, eu também não te conhecia, num certo nível de demonstração profética.
    Por isso esperava a última declaração do Espírito
    que me falava no deserto;
    esperava a última manifestação do Pai
    que me falaria no Jordão.

O que me enviou a baptizar disse-me:
    «Aquele sobre o qual vires descer e pousar o Espírito,
    esse é o que baptiza no Espírito Santo.»
    Foi na tua oração silenciosa ao Pai – para lá das águas –
que te reconheci, Jesus,
    quando o céu se abriu… Como estavas transfigurado, Senhor!
    Vi o Espírito que descia e pousava sobre ti, permanentemente e sem limites.
    E veio do céu a voz:
    «Este é o meu Filho, o Amado, no qual mora a minha complacência».
    Em verdade, eu, que o vi e ouvi,
    asseguro que «este é o Filho de Deus».
    Tu, Jesus!

Sim, era doce para o meu coração reconhecer a tua verdade diante dos judeus!
    «Este é Aquele de quem disse:
    o que vem depois de mim,
    a quem não sou digno de desatar a correia das sandálias,
    passou à minha frente porque era antes de mim» em dignidade,      
    e pela sua existência antes do tempo, no seio do Pai.
    Por isso, se vim para baptizar com a água,
    foi para que Ele se manifestasse a Israel e ao mundo.
    «Olhai o Cordeiro de Deus que toma sobre si o pecado do mundo».

Único, Filho e Cordeiro, tinha-te visto e reconhecido.
    Que podia dizer mais?
    O testemunho que dei de ti, Senhor Jesus, revelando quem tu eras,
    juntamente com o anúncio do baptismo no Espírito Santo,
    foi o ponto em que culminava a missão que tinha recebido de Deus.

Sei que tu, Jesus, não dependes de nenhum testemunho humano.
    O teu testemunho é maior do que o meu:
    o do Pai que te enviou e que opera contigo e por ti.
    Por isso o meu testemunho era verdadeiro
    porque respondia à tua verdade,
    e, em mim, o coração, ao dá-lo, enchia-se de alegria,
    até desaparecer perante a tua e na tua luz,
    até diminuir perante a tua e na tua grandeza.

 

 

Cântico II: Profeta e mais que profeta

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Sou homem do deserto!
    No deserto, a cana fica rachada – ressequida pelo sol – agitada pelo vento!
    Os vestidos delicados e sumptuosos estragam-se,
    rasgam-se e desfazem-se, deixando o homem nu!
    A solidão unifica-me os sentidos, o coração e o espírito.

Oculto no deserto, «monge», aprendi a escutar-te, ó Espírito de Iavé,
    a ti, que me ensinaste a contemplar: a olhar e a ver-te.
    O meu coração, com aparentes austeridades, faz-se humilde e benigno;
    capaz de se entusiasmar com efusões de doçura
    para com os simples e pecadores,
    enamorado por ti, ó Cristo, com alegria inefável,
    por ti, Cordeiro de Deus que toma sobre si o pecado do mundo e o lança fora.
    Amigo dos homens e Esposo da Igreja – a Humanidade salva.

«Monge» silencioso, tu me concedeste o dom da tua Palavra no deserto.
    Assim, na solidão, descobri ao mesmo tempo a minha própria identidade
    e a tua, ó Cristo Jesus!

Era «profeta» e «mais que profeta», como tu me chamaste.
    Como «Elias em espírito», cumpri a sua dupla missão:
    preparar o povo por meio da conversão,
    e manifestar o Messias a Israel.

Compreendi: a minha missão profética
    não era denunciar as situações de injustiça,
    - o que me valeu a prisão e decerto me vai trazer a morte -,
    mas proclamar a alegria messiânica da libertação
    que tu, ó Cristo, nos trouxeste.
    «Converter os corações, para que os incrédulos tenham sentimentos justos»
    é o primeiro passo «a fim de preparar para o Senhor um povo bem disposto»,
    como o anjo disse, com razão, a meu pai Zacarias.

De «monge» disposto a não falar,
    com um coração feito ouvido e boca,
    tornei-me «a Voz que grita no deserto»:
    «Preparai a vinda do Senhor, endireitai os seus caminhos.
        Todo o vale será aplanado,
        todos os montes e outeiros serão abatidos,
        os lugares escabrosos ficarão nivelados,
        todo o homem verá a salvação de Deus».
   «Convertei-vos, porque o Reino de Deus está a chegar!»

Os judeus, Senhor perguntavam-me: quem sou eu?
    Sei muito bem quem sou;
    também sei muito bem quem tu és, Jesus.

És o Homem que traz aos homens a espera do Reino de Deus.
    Eu, teu Precursor, ó Cristo libertador,
    julgava os meus irmãos pecadores e repletos de injustiças.
    O meu baptismo trazia-lhes o perdão, a penitência e a conversão do coração
    - caminho para receber o dom inestimável do teu Espírito Santo -,
    rito de entrada no grupo dos «anawim»:
    aqueles que, de coração, se convertiam  ao Senhor
        e tudo esperavam dele.
    Era a admissão dos humildes e sofredores no novo povo de Deus:
    a tua Igreja futura, ó Cristo, Cordeiro e Esposo!

Ainda antes de me formar no ventre estéril de minha mãe,
    tu, ó Deus, já me conhecias a mim,
    fruto da oração sacerdotal de meu pai,
    que pediu para ver realizadas as antigas esperanças
contidas nas promessas e nas profecias.
    O meu nome, imposto pelo anjo,
    ficou guardado no coração silencioso de Zacarias, meu pai surdo e mudo,
    e foi proclamado por minha mãe e por meu pai, que recuperou a voz da fé para te bendizer.
    Ó Deus, o meu nome recorda que «Iavé concedeu a graça» e que «procedes com bondade».

Dentro de mim, o coração estremeceu naquele dia
    em que te apresentaste diante de mim para te baptizar!
    «Eu é que devia ser baptizado por ti,
    e és tu que vens a mim?» protestei.
    Lembro-me da resposta: «Deixa-me, por agora.         
    Convém levar a justiça a seu termo» - o plano do Pai!
    Então deixei que assim fosse! Tu, o «Anaf» (o «Pobre»),
    o que carregava os pecados de todos,
    o que queria ser contado entre os infiéis e os que sofrem.

Sabia que ele era homem de coração e cheio de bondade,
    e até tímido com a multidão do povo humilde que me procurava.
    Com espírito aberto, só lhes exigia misericórdia e justiça:
    «Quem tiver duas túnicas, reparta com o que não tem,
    e o que tem de comer, que faça o mesmo».
    «Não exijais nada além do que está prescrito.»
    «Não maltratai ninguém nem denunciai falsamente
    E contentai-vos com o vosso salário.»
    «Não frustreis em vós mesmos o desígnio amoroso de Deus;
    reconhecei-o, escutando a minha voz e recebendo o baptismo que vos dou.»
    «Esperai aquele que vos há-de baptizar com a água e o Espírito Santo;
    … ide!»

Sim, não há dúvida, mostrava-me duro e ameaçador com os fariseus.
    Meticulosos e formalistas, ignoram a justiça e a misericórdia.
    Consideram-se justos e desprezam os pecadores.
    E também com os saduceus – e com o rei – oportunistas e ambiciosos.
    Preocupam-se com o seu bem-estar e suas ambições terrestres;
    incrédulos das coisas do espírito e do além, negam a ressurreição
    e não admitem a tradição dos livros sagrados.
    - Aceitam só a Lei, friamente e sem espírito -.

Irado com a sua incredulidade, ameaçava-os com a cólera e o fogo:
    raça de escorpiões, quem vos ensinou a fugir da ira que se aproxima?
    produzi, pois, um fruto próprio da conversão.
    Não julgueis que basta dizer: «Temos por pai a Abraão»;
    porque eu vos digo que Deus pode destas pedras suscitar filhos de Abraão.
    O machado está apontado à raiz das árvores:
    a árvore que não der bom fruto será cortada e deitada ao fogo.
    Eu baptizo-vos agora com água para vos converterdes;
 
    mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu.
    Por isso não sou digno de lhe desatar as sandálias
    nem de me prostrar a seus pés.
    Ele baptizar-vos-á no Espírito e no fogo.
    Tem na mão a pá de joeirar para limpar a sua eira;
    juntará o trigo no celeiro e queimará a palha num fogo que não se apaga.

Nada obriga a missão profética a fiscalizar a justiça;
    não lhe basta denunciar,
    nem lhe pertence assumir a acção libertadora
    (não fez nenhum milagre, disseram de mim…),
    mas tem de dar testemunho daquilo que lhe foi dado do céu,
    do que viu e ouviu no reino do Espírito.

Obediente, fiel à missão recebida,
    foi assim que trouxe os homens à expectação.
    Por isso já podia dar-lhes o testemunho decisivo e definitivo
     que os libertaria a todos.

 

 

Cântico I: Prelúdios do Precursor

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Ainda antes de me formar no ventre estéril de minha mãe,
    tu, ó Deus, já me conhecias a mim,
    fruto da oração sacerdotal de meu pai,
    que pediu para ver realizadas as antigas esperanças
contidas nas promessas e nas profecias.
    O meu nome, imposto pelo anjo,
    ficou guardado no coração silencioso de Zacarias, meu pai surdo e mudo,
    e foi proclamado por minha mãe e por meu pai, que recuperou a voz da fé para te bendizer.
    Ó Deus, o meu nome recorda que «Iavé concedeu a graça» e que «procedes com bondade».

Cheia de amor, a tua mão, Senhor, estava comigo.
    Antes de sair do ventre materno, já me havias posto de lado:
     já tinhas derramado em mim o Espírito Santo e já me tinhas escolhido como precursor de Cristo,
     já me chamavas pelo meu nome, e já me havias iniciado na missão.

Movido pelo impulso do Espírito, na escuridão,
    eu te pude reconhecer, Senhor Jesus,
    a ti, trazido no seio virginal de Maria;
    por isso saltei de entusiasmo nas entranhas de Isabel, minha mãe,
    partilhando com eles a revelação dos mistérios divinos.

Em mim, começaram já a sentir a alegria dos tempos messiânicos.
    No meu nascimento, derramaste a graça sobre todos;
    em mim mesmo transbordava a tua bondade.
    Começava, então, a ser o profeta dos tempos cumpridos e escatológicos,
    O «Profeta do Altíssimo», como meu pai proclamou.

Crescia e fortalecia-se nele o meu espírito.
   Sendo ainda jovem, vivia nos lugares desertos, retirado e recolhido,
    meditava na Lei e nos Profetas,
    esperava a iluminação que o teu Espírito me havia de trazer,
    a purificação e a santificação escatológica por obra do Espírito Santo,
    até chegar o dia de me manifestar a Israel.

 

 

Cântico de João Baptista

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Nestes dias do fim, desde o fundo da minha prisão,
    onde me falaram das tuas obras, ó Cristo,
    tal como naqueles primeiros dias, no seio materno,
    onde senti que tu vinhas,
    pergunto-te, agora, Senhor Jesus:
    «Serás tu Aquele-que-vem?»
    «Ou temos que esperar outro que nos liberte?»

Envia-me a jubilosa bem-aventurança de não me            escandalizar por tua causa;
    nem agora, que tudo se desmorona à minha volta,
    nem antes, no deserto e no Jordão,
    quando a alegria do Espírito e a tua voz me inundaram;
    tal como, no princípio, também não me impediram de saltar de alegria
    os estremecimentos do seio que me trazia.

Oh, não há dúvida: tu és o Messias, em quem repousa o Espírito Santo;
    tu és o Espírito que nos liberta e salva;
    tu, aquele que nos traz o Reino e o Espírito.
    Tu, que és o Cordeiro de Deus e o Filho do Pai!

Aqui, nesta prisão, bem sei que dependo só de ti,
    no meu ser, na minha missão e no meu destino.
    A minha alegria é agora bem plena.
    Eis o meu cântico: o cântico do Amigo para o Amado,
    para o Noivo no dia das núpcias.

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O P. Estanislau Llopart, autor destes poemas bíblicos, foi monge da abadia beneditina de Monteserrat (Espanha) e eremita. Faleceu em Março de 2003.
A tradução, a partir do catalão, é de José Mattoso.

 

Fotografia: Daniel Vilarrubias (1 a 5); Santjustenc (6)
© SNPC | 27.09.09


 

 

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