Pastoral da Cultura em movimento
Portugal, de Novo

1810 - 1910 - 2010: Desafios para uma Pastoral da Cultura

As duas primeiras datas referidas sinalizam grandes desafios, feitos ao catolicismo português no passado. A última aparece como desafio actual, igualmente grande e iniludível.

1810

Em 1810 foi a 3.ª “Invasão Francesa”, derradeiro episódio duma guerra que pôs fim a muito do que Portugal fora até aí, na política, na economia, na sociedade, na cultura e até: religiosamente. Ficou o país devastado, com a corte ausente e a organização eclesiástica abalada. Se quisermos, foi a chegada da Revolução Francesa a Portugal, no modo menos pacífico dela.

Mas vieram também os “princípios de 1789”, que, pouco a pouco, expandiram o ideário e o sentimento liberal, como vieram a ser formulados: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. A implantação do nosso liberalismo, a partir de 1820, também não foi linear, significando, por exemplo, a extinção das congregações religiosas e a reconstituição da Igreja no quadro do constitucionalismo. Sabendo nós como mosteiros e conventos tinham sido importantes centros de produção cultural, podemos calcular a consequência negativa da sua extinção, debilitando a “resposta” católica à sociedade nova. Os próprios seminários diocesanos estiveram geralmente encerrados até meados do século XIX e nunca foram muito longe nesse aspecto cultural, até ao fim da Monarquia. Saliente-se, porém, que o “movimento católico”, entre 1840 e 1910, contou em Portugal com algumas personalidades, laicais ou eclesiásticas, que conseguiram dialogar com a sociedade liberal em cujo espírito em parte participavam (aceitação do regime constitucional, apreciação positiva das liberdades modernas, desenvolvimento do associativismo religioso e social, criação literária e artística, acompanhamento dos progressos científicos, etc).

“Duas expressões ou máximas levaram a revolução francesa em volta do mundo: ‘os direitos do homem’, e as palavras ‘liberdade, igualdade e fraternidade’. Delas saíram bens e males, progressos e ruínas dos nossos tempos e de um futuro desconhecido. Tudo quanto há de bom e verdadeiro nestas máximas é cristão e foi proclamado pelo cristianismo. Ele repele e condena tudo quanto nelas há de funesto e falso”. (Marechal Duque de Saldanha, Necessidade de Associação Católica, 1871, p. 8)

 

1910

Em 1910, a República, enquanto mudança de regime, não trazia grande problema ao catolicismo português, que soubera encontrar algum “espaço” próprio, fora das conotações políticas. Aliás, a dependência da vida eclesiástica em relação ao governo monárquico constitucional já fora sentida como excessiva por muitos católicos. No entanto, para grande número de republicanos, o novo regime também deveria trazer ao país a laicização geral da vida pública e a restrição da presença institucional e cultural da Igreja Católica, negativamente apreciada esta, face à sua influência passada e face à consideração “positivista” das coisas, agora propugnada.

Muitos católicos apreciariam a República como regime e até como ultrapassagem da incapacidade política e administrativa do constitucionalismo monárquico, na sua fase final. Mas foi-lhes impossível aceitar o enquadramento religioso previsto pela Lei de Separação de 20 de Abril de 1911, que não respeitava a identidade própria do Catolicismo, enquanto Igreja hierárquica e transnacional. Refira-se, no entanto, que o “movimento católico” soube relançar-se em Portugal, sobretudo depois de 1913, respeitando o regime e tentando, mesmo através da intervenção política, modificar a legislação que coibia a acção da Igreja. Assim como os “católicos liberais” do constitucionalismo monárquico tinham lutado para que o regime fosse autenticamente liberal, respeitando os “princípios de 1789” no tocante à “liberdade da Igreja em Portugal”, assim os católicos da República procuraram que esta respeitasse a Igreja e contasse com ela para a “regeneração” do país, ideal que igualmente compartilhavam e passaria pela generalização da educação e da participação cívica e política, pelo desenvolvimento económico e pela reafirmação de Portugal no mundo.

“Católicos, seremos nós a grande reserva de que o país dispõe para o colossal trabalho da sua regeneração; é essa a obra que nos está destinada... se dela nos tornarmos merecedores. [...] Não é um regresso ao antigo estado [monárquico], à antiga ordem de coisas, que fará reflorir a Igreja e restaurar o país: a nossa época condiciona uma situação nova, na qual a grande obreira será a liberdade civil e religiosa”. (Abúndio da Silva, Cartas a um abade, 1913, p. 415)

 

2010

Em 2010, confrontamo-nos, enquanto católicos, com outros desafios, podendo resumi-los assim: individualismo “pós-moderno” na cultura, retraindo as expectativas à compensação imediata de cada qual; e grande frustração social e económica, na presente crise global.

O pós-modernismo “compreende-se”, porque a frustração verificou-se primeiro em relação aos grandes desígnios ideológicos que se arrastaram até há trinta anos. Repetiu-se de algum modo a reacção romântica da primeira metade de Oitocentos em relação aos “excessos” da Revolução Francesa... Aliás, o “sentimento de si” em que hoje geralmente nos detemos, pode representar uma nova densidade pessoal. Mas o “pós-modernismo” é pouco propenso a levar a sério a ligação de cada um aos outros e à sua própria extensão, enquanto projecto e sentido. Como se tem dito, é “efémero”. A projecção socioeconómica deste sentimento é problemática. No entanto, a sua consideração religiosa e cultural é necessária.

D. Manuel Clemente

Presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais
Fátima, 31.01.2009

© SNPC | 02.02.2009

 

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