Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura

Papa pede a bispos para atraírem e acompanharem, e reafirma que misericórdia tem de dar forma à Igreja

Imagem

Papa pede a bispos para atraírem e acompanharem, e reafirma que misericórdia tem de dar forma à Igreja

O papa encontrou-se hoje, no Vaticano, com os participantes no curso formativo para novos bispos, tendo dedicado a maior parte da intervenção à necessidade de a Igreja, das pessoas às estruturas, se revestir de misericórdia, o que não implica «baixar as exigências» ou «vender ao desbarato» as suas «pérolas».

Francisco frisou que o mundo está cansado de «encantadores mentirosos» e que os crentes reconhecem à distância os padres e bispos que querem «estar na moda», ao mesmo tempo que se afastam de todos «os narcisistas, os manipuladores, os defensores das causas próprias, os apregoadores de vãs cruzadas».

Apelando aos prelados para cuidarem das estruturas de iniciação à vida cristã, nomeadamente os seminários, o papa sublinhou que a prioridade não deve ser dada à «quantidade» de vocações ao sacerdócio, mas à sua «qualidade».

«Sede bispos com o coração ferido de (...) misericórdia, e por isso incansável na humilde tarefa de acompanhar o homem que “por acaso” Deus colocou no vosso caminho. Por onde andardes, recordai que não está longe a estrada de Jericó. As vossas Igrejas estão cheias de tais estradas. Muito próximo de vós não será difícil encontrar quem espera não um “levita” que volta o rosto, mas um irmão que se faz próximo», apontou, antes de salientar a importância da proximidade com as famílias «feridas».

Apresentamos, seguidamente, um excerto da intervenção.

«Perguntai a Deus, que é rico de misericórdia, o segredo para tornar pastoral a sua misericórdia nas vossas dioceses. É preciso, com efeito, que a misericórdia forme e enforme as estruturas pastorais da nossa Igreja.

Não se trata de abaixar as exigências ou vender ao desbarato as nossas pérolas. Na verdade, a única condição que a pérola preciosa coloca àqueles que a encontram é a de não poder exigir menos do que tudo; a sua única pretensão é suscitar no coração de quem a encontra a necessidade de se arriscar totalmente para a ter.

Não tenhais medo de propor a misericórdia como síntese de tudo quanto Deus oferece ao mundo, porque a nada de maior pode aspirar o coração humano. Se tal não fosse suficiente para dobrar quem é rígido, aquecer quem está gélido, endireitar o que se entortou, o que mais poderia ter poder sobre o homem? Seríamos então desesperadamente condenados à impotência. Será que os nossos medos terão o poder de lutar contra os muros e descerrar passagens? Por acaso as nossas inseguranças e desconfianças serão capazes de suscitar doçura e consolação na solidão e no abandono?

Como ensinou o meu venerado e sábio predecessor [Bento XVI], é «a misericórdia que põe um limite ao mal. É precisamente a misericórdia. Nela exprime-se a natureza totalmente peculiar de Deus – a sua santidade, o poder da verdade e do amor». Ela é «o modo com o qual Deus se opõe ao poder das trevas com o seu poder diferente e divino», justamente «o da misericórdia».

Por isso, não vos deixeis assustar pela prepotente insinuação da noite. Conservai intacta a certeza deste poder humilde com o qual Deus bate ao coração de cada homem: santidade, verdade e amor. Tornar pastoral a misericórdia não é senão fazer das Igrejas a vós confiadas casas onde moram a santidade, a verdade e o amor. Moram como hóspedes vindos do Alto, dos quais não se pode tomar posse, mas que se devem sempre servir e repetir: "Não passes adiante sem parar em casa do teu servo" (Génesis 18,3), o pedido de Abraão.

Gostaria de vos oferecer três pequenos pensamentos como contributo para esta enorme tarefa que vos espera: a de tornar pastoral, por meio do vosso ministério, a misericórdia, isto é, acessível, tangível, que pode ser encontrada.

 

Sede bispos capazes de encantar e atrair

Fazei do vosso ministério um ícone da misericórdia, a única força capaz de seduzir e atrair de maneira permanente o coração do homem. Também o ladrão se deixou atrair à última hora por aquele em quem só encontrou bem. Ao vê-lo trespassado na cruz, batiam no peito, confessando que nunca poderiam tê-lo reconhecido por si próprios se não tivessem sido surpreendidos por aquele amor que nunca tinham conhecido antes e que, todavia, jorrava gratuita e abundantemente. Um deus distante e indiferente pode ser ignorado, mas não se resiste facilmente a um Deus tão próximo, e ainda para mais ferido por amor. A bondade, a beleza, a verdade, o amor, o bem: eis quanto podemos oferecer a este mundo mendicante, ainda que em taças meias partidas.

Não se trata, porém, de atrair a si próprio: este é um perigo. O mundo está cansado de encantadores mentirosos. E permito-me dizer: de padres na moda ou de bispos na moda. As pessoas “cheiram” – o povo de Deus tem o cheiro de Deus – e afastam-se quando reconhecem os narcisistas, os manipuladores, os defensores das causas próprias, os apregoadores de vãs cruzadas. Em vez disso, procurai secundar Deus, que já se introduz ainda antes da vossa chegada.

Penso em Eli com o pequeno Samuel, no primeiro Livro de Samuel. Embora fosse um tempo em que a palavra do Senhor fosse rara e as visões não fossem frequentes, Deus, todavia, não se tinha resignado a desaparecer. Só à terceira vez o ensonado Eli compreendeu que o jovem Samuel não precisava da sua resposta mas da de Deus. Vejo o mundo hoje como um confuso Samuel, necessitado de quem possa distinguir, no grande rumor que perturba a sua agonia, a secreta voz de Deus que o chama. São precisas pessoas que saibam fazer emergir dos “desgramaticados” corações contemporâneos o humilde balbuciar: “Fala, Senhor”. São ainda mais precisos aqueles que saibam favorecer o silêncio que torna esta palavra audível.

Deus nunca desiste. Somos nós que, habituados à rendição, muitas vezes nos acomodamos, preferindo deixarmo-nos convencer de que verdadeiramente o conseguiram eliminar, e inventamos discursos amargos para justificar a preguiça que nos bloqueia no sono imóvel das vãs lamentações. As lamentações de um bispo são coisas feias.

 

Sede bispos capazes de iniciar aqueles que vos foram confiados

Tudo quanto é grande precisa de um percurso para se poder adentrar. Tanto mais a misericórdia divina, que é inesgotável. Uma vez agarrados à misericórdia, ela exige um percurso introdutório, um caminho, uma estrada, uma iniciação. É suficiente olhar para a Igreja, mãe no gerar para Deus e mestra no iniciar aqueles que gera, para que compreendamos a verdade em plenitude. É suficiente contemplar a riqueza dos seus sacramentos, fonte sempre a revisitar, também na nossa pastoral, que outra coisa não quer ser senão a tarefa materna da Igreja de alimentar aqueles que nasceram de Deus e por meio dela.

A misericórdia de Deus é a única realidade que permite ao homem não se perder definitivamente, mesmo quando, desafortunadamente, procura escapar ao seu fascínio. Nela o homem pode estar sempre certo de não escorregar naquele precipício em que se encontra, privado de origem e destino, de sentido e horizonte.

O rosto da misericórdia é Cristo. Nele, ela mantém-se como oferta permanente e inesgotável; nele, ela proclama que ninguém está perdido: ninguém está perdido. Para Ele, cada um é único. Única ovelha pela qual Ele arrisca na tempestade; única moeda comprada com o preço do seu sangue; único filho que estava morto e agora regressou vivo. Peço-vos para não terdes outra perspetiva a partir da qual olhais os vossos fiéis a não ser a da sua unicidade, de não deixardes nada por tentar de maneira a chegar até eles, de não poupardes esforço algum para os recuperardes.

Sede bispos capazes de iniciar as vossas Igrejas neste abismo de amor. Hoje pede-se demasiado fruto de árvores que ainda não estão suficientemente cultivadas. Perdeu-se o sentido da iniciação, e todavia às coisas verdadeiramente essenciais da vida só se acede mediante a iniciação. Pensai na emergência educativa, na transmissão quer dos conteúdos quer dos valores, pensai no analfabetismo afetivo, nos percursos vocacionais, no discernimento nas famílias, na busca da paz: tudo isto requer iniciação e percursos orientados, com perseverança, paciência e constância, que são os sinais que distinguem o bom pastor do mercenário.

Vem-me à mente Jesus que inicia os seus discípulos. Tomai os Evangelhos e observai como o Mestre introduz com paciência os seus no mistério da própria pessoa, e no fim, para imprimir dentro deles a sua pessoa, dá o Espírito que “ensina todas as coisas”. Toca-me sempre uma anotação de Mateus durante o discurso das parábolas, que diz assim: “Depois [Jesus] despediu a multidão e entrou em casa; os seus discípulos aproximaram-se dele para lhe dizer: ‘Explica-nos…'”. Gostaria de me deter nesta anotação aparentemente irrelevante. Jesus entra “em casa”, na intimidade com os seus, a multidão fica de fora, juntam-se os discípulos, pedem esclarecimentos. Jesus estava sempre imerso nas coisas do seu Pai, com quem cultivava a intimidade na oração. Por isso podia estar presente a si mesmo e aos outros. Saía para a multidão mas tinha a liberdade de voltar.

Recomendo-vos o cuidado da intimidade com Deus, fonte da possessão e da entrega de si, da liberdade de sair e de voltar. Sede pastores capazes também de voltar a casa com os vossos, de suscitar aquela saudável intimidade que lhes permite aproximarem-se, de criar aquela confiança que permite a pergunta: “Explica-nos”. Não se trata de uma qualquer explicação, mas do segredo do Reino. É uma pergunta dirigida a vós na primeira pessoa. Não se pode delegar a resposta em qualquer outro. Não se pode adiar porque se vive sempre em movimento, num impreciso “algures”, indo ou voltando de algum lugar, muitas vezes sem se estar bem firme sobre si próprio.

Peço-vos que cuideis com especial atenção das estruturas de iniciação das vossas Igrejas, particularmente os seminários. Não vos deixeis tentar pelos números e pela quantidade de vocações, mas procurai sobretudo a qualidade do discipulado. Nem números nem quantidade: apenas qualidade.

Não priveis os seminaristas da vossa firme e terna paternidade. Fazei-os crescer até ao ponto de adquirirem a liberdade de estar em Deus “tranquilos e serenos como crianças saciadas ao colo da sua mãe”; não reféns dos próprios caprichos e escravos das próprias fragilidades, mas livres para abraçar quanto Deus lhes pede, mesmo quando isso não pareça doce como foi ao início o ventre materno. E estai atentos quando algum seminarista se refugia na rigidez: debaixo disso há sempre alguma coisa de mau.

 

Sede bispos capazes de acompanhar

Permiti-me fazer-vos uma última recomendação para tornar pastoral a misericórdia. E aqui sou obrigado a levar-vos novamente à estrada de Jericó, para contemplar o coração do samaritano que se rasga como o ventre de uma mãe, tocado pela misericórdia diante daquele homem sem nome caído às mãos dos salteadores. Antes de tudo, foi este deixar-se ferir pela visão do ferido, meio morto, e depois vem a série impressionante de verbos que todos conheceis. Verbos, não adjetivos: verbos; não adjetivos, como muitas vezes preferiríamos. Verbos nos quais a misericórdia se conjuga.

Tornar pastoral a misericórdia é precisamente isto: conjugá-la em verbos, torná-la palpável e operativa. Os homens precisam da misericórdia; estão, ainda que inconscientemente, à sua procura. Sabem bem que estão feridos, sentem-no; sabem bem que estão “meios mortos”, ainda que tenham medo de o admitir. Quando inesperadamente veem a misericórdia aproximar-se, então, expondo-se, estendem a mão para a mendigar. São fascinados pela sua capacidade de se deter, quando muitos passam ao largo; de se inclinar, quando um certo reumatismo da alma impede de se dobrar; de tocar a carne ferida, quando prevalece a preferência por tudo o que é assético.

Gostaria de me deter sobre um dos verbos conjugados pelo samaritano. Ele acompanha à estalagem, acompanha o homem encontrado por acaso, encarrega-se da sua sorte. Interessa-se pela sua cura e pelo seu amanhã. Não lhe basta o que já tinha feito. A misericórdia, que havia dilacerado o seu coração, precisa de se derramar e brotar. Não se pode tapá-la. Não se consegue fazê-la parar. Apesar de ser apenas um samaritano, a misericórdia que o moveu participa da plenitude de Deus, portanto nenhum dique a pode deter.

Sede bispos com o coração ferido de tal misericórdia e por isso incansável na humilde tarefa de acompanhar o homem que “por acaso” Deus colocou no vosso caminho. Por onde andardes, recordai que não está longe a estrada de Jericó. As vossas Igrejas estão cheias de tais estradas. Muito próximo de vós não será difícil encontrar quem espera não um “levita” que volta o rosto, mas um irmão que se faz próximo.

Acompanhai primeiramente, e com paciente solicitude, o vosso clero. Sede próximos do vosso clero. Peço-vos que leveis aos vossos sacerdotes o abraço do papa e o apreço pela sua diligente generosidade. Procurai reavivar neles a consciência de que é Cristo a sua “sorte”, a sua “parte e fonte de herança”, a parte que a eles toca beber no “cálice”. Quem mais poderá encher o coração de um servidor de Deus e da sua Igreja a não ser Cristo?

Peço-vos também que ajam com grande prudência e responsabilidade no acolhimento de candidatos ou na incardinação de sacerdotes nas vossas Igrejas locais. Por favor, prudência e responsabilidade nisto. Recordai que desde os inícios quis-se que fosse incindível a relação entre uma Igreja local e os seus sacerdotes, e nunca se aceitou um clero vagante ou em trânsito de um lugar para o outro. E esta é uma doença dos nossos tempos.

Um especial acompanhamento reservai a todas as famílias, rejubilando com o seu amor generoso e encorajando o imenso bem que dão a este mundo. Segui sobretudo as mais feridas. Não “passeis ao largo” diante da sua fragilidade. Detende-vos para deixar que o vosso coração de pastores seja ferido pela visão das suas feridas; aproximai-vos com delicadeza e sem medo. Colocai diante dos seus olhos a alegria do amor autêntico e da graça com a qual Deus o eleva à participação do próprio Amor. Muitos têm necessidade de a redescobrir, outros nunca a conheceram, alguns esperam resgatá-la, não poucos devem carregar sobre si o peso de a terem irremediavelmente perdido. Peço-vos que lhes façam companhia no discernimento e com empatia.»

 

Papa Francisco
Intervenção integral in "Vaticano"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 16.09.2016 | Atualizado em 19.04.2023

 

 
Imagem
A Signis atribui desde 2008São precisas pessoas que saibam fazer emergir dos “desgramaticados” corações contemporâneos o humilde balbuciar: “Fala, Senhor”. São ainda mais precisos aqueles que saibam favorecer o silêncio que torna esta palavra audível
O rosto da misericórdia é Cristo. Nele ela mantém-se como oferta permanente e inesgotável; nele ela proclama que ninguém está perdido: ninguém está perdido. Para Ele, cada um é único. Única ovelha pela qual Ele arrisca na tempestade; única moeda comprada com o preço do seu sangue; único filho que estava morto e agora regressou vivo
Peço-vos para não terdes outra perspetiva a partir da qual olhais os vossos fiéis a não ser a da sua unicidade, de não deixardes nada por tentar de maneira a chegar até eles, de não poupardes esforço algum para os recuperardes
Pensai na emergência educativa, na transmissão quer dos conteúdos quer dos valores, pensai no analfabetismo afetivo, nos percursos vocacionais, no discernimento nas famílias, na busca da paz: tudo isto requer iniciação e percursos orientados, com perseverança, paciência e constância, que são os sinais que distinguem o bom pastor do mercenário
Não priveis os seminaristas da vossa firme e terna paternidade. Fazei-os crescer até ao ponto de adquirirem a liberdade de estar em Deus “tranquilos e serenos como crianças saciadas ao colo da sua mãe”; não presas dos próprios caprichos e escravos das próprias fragilidades, mas livres para abraçar quanto Deus lhes pede, mesmo quando isso não pareça doce como foi ao início o ventre materno. E estai atentos quando algum seminarista se refugia na rigidez: debaixo disso há sempre alguma coisa de mau
Sou obrigado a levar-vos novamente à estrada de Jericó para contemplar o coração do samaritano que se desfaz como o ventre de uma mãe, tocado pela misericórdia diante daquele homem sem nome caído às mãos dos salteadores. Antes de tudo, foi este deixar-se ferir pela visão do ferido, meio morto, e depois vem a série impressionante de verbos que todos conheceis. Verbos, não adjetivos: verbos; não adjetivos, como muitas vezes preferiríamos. Verbos nos quais a misericórdia se conjuga
Quando inesperadamente veem a misericórdia aproximar-se, então, expondo-se, estendem a mão para a mendigar. São fascinados pela sua capacidade de se deter, quando muitos passam ao largo; de se inclinar, quando um certo reumatismo da alma impede de se dobrar; de tocar a carne ferida, quando prevalece a preferência por tudo o que é assético
A misericórdia, que havia dilacerado o seu coração, precisa de se derramar e brotar. Não se pode tapá-la. Não se consegue fazê-la parar. Apesar de ser apenas um samaritano, a misericórdia que o moveu participa da plenitude de Deus, portanto nenhum dique a pode deter
Relacionados
Destaque
Pastoral da Cultura
Vemos, ouvimos e lemos
Perspetivas
Papa Francisco
Teologia e beleza
Impressão digital
Pedras angulares
Paisagens
Umbrais
Evangelho
Vídeos