A delicada operação cirúrgica ao pulmão, a sua dolorosa recuperação e as inquietações que levantou aquando do conclave, as consultas de psiquiatria, as neuroses que têm de ser “acariciadas” e a importância dos conhecimentos de psicologia na formação para o sacerdócio são alguns dos temas abordados pelo papa Francisco no novo livro “La salud de los papas”, no qual, ao pensar na sua morte, admite a possibilidade de tornar-se emérito e afirma que não pensa fixar-se na Argentina.
Na obra do médico e jornalista argentino Nelson Castro, a publicar em março pela editora Sudamericana, que abrange a saúde dos pontífices desde Leão XIII, o papa descreve o quadro pulmonar severo que sofreu em 1957, quando a gripe atingiu grande parte dos alunos do seminário no qual era aluno. Os companheiros restabeleceram-se, ele não.
Conduzido a um hospital, Francisco, então com 21 anos, foi submetido a exames, através dos quais se detetaram três quistos no lóbulo superior do pulmão direito, a par de um derrame pleural, que foi tratado após o diagnóstico. Com a continuação dos tratamentos, os médicos decidiram retirar o lóbulo afetado, para evitar recaídas.
«Foi um momento difícil», afirmou o papa na entrevista realizada em fevereiro de 2019, acrescentando que se tratou de «uma grande operação»: «A cicatriz da incisão cirúrgica que me fizeram vai desde a base do hemitórax direito até ao seu vértice. Foi uma intervenção cruenta», que exigiu o recurso a «muita força» mediante um separador costal «Por isso, ao recuperar da anestesia, as dores que senti foram muito intensas».
Após a intervenção, «a recuperação foi completa», sem necessidade de limitar as atividades: «Como pôde ver, por exemplo nas diferentes viagens que fiz e que acompanhou, nunca tive se restringir ou cancelar quaisquer atividades programadas. Nunca experimentei fadiga ou falta de ar. Segundo o que os médicos me explicaram, o pulmão direito expandiu-se e cobriu a totalidade do hemitórax homolateral. E a expansão foi tão completa, que se não se conhece o que aconteceu, só um pneumologista de primeiro nível pode deter a falta do lóbulo extirpado».
O cardeal hondurenho Óscar Maradiaga revelou que durante o conclave que viria a eleger Francisco, circulou o rumor que o arcebispo de Buenos Aires estava doente e que lhe faltava um pulmão. Alguns dos eleitores dirigiram-se diretamente a Bergoglio, que lhes falou da operação ao pulmão e da ciática.
Depois de declarar que nunca se submeteu a psicanálise, o papa recorda que quando era responsável (provincial) pelos Jesuítas na Argentina, «nos terríveis dias da ditadura», em que escondeu pessoas e ajudou-as a fugir da Argentina, teve de lidar com situações com as quais «não sabia como encarar».
Durante seis meses, uma vez por semana, teve consultas como uma psiquiatra - «uma grande senhora»: «Ajudou-me a posicionar-me quanto à forma de enfrentar os medos daquele tempo. Imagine o que era levar uma pessoa escondida no automóvel, só coberta com uma manta, e passar por controlos militares. A tensão que me gerava era enorme».
«Guardo-lhe uma enorme gratidão. Os seus ensinamentos ainda me são de muita utilidade hoje em dia», sublinhou o papa, que expressou a convicção de que «todo o sacerdote deve conhecer a psicologia humana»: «Há quem a conheça pela experiência dos anos, mas o estudo da psicologia é necessário para um sacerdote».
Sobre as neuroses, considera que é preciso «acariciá-las», por serem «companheiras da pessoa durante toda a sua vida», e revela que a sua é «querer fazer tudo já e agora», o que exige «saber travar».
Um dos métodos usados pelo papa para combater a ansiedade é ouvir Bach: «Serena-me e ajuda-me a analisar os problemas de uma maneira melhor. Confesso-lhe que com os anos conseguir colocar uma barreira à entrada da ansiedade no meu espírito. Seria perigoso e daninho que tomasse decisões sob um estado de ansiedade».
«O mesmo acontece com a tristeza produzida pela impossibilidade de resolver um problema. É também importante dominá-la e saber manejá-la. Por isso digo que a pessoa deve estar atenta à neuroses, já que é algo constitutivo do seu ser», assinala.
Questionado sobre a morte, Francisco, em 2019 com 82 anos, declara que pensa nela, que, «em absoluto», não a teme, e imagina como poderá acontecer: «Sendo papa, quer seja em exercício ou emérito. E em Roma. À Argentina não volto».