O padre José Tolentino Mendonça considera que «a palavra forte e firme do papa Francisco é verdadeiramente uma bússola» e o termo «"encontro", no seu dinamismo, representa talvez o maior desafio que faz à Igreja».
As declarações do vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa foram proferidas no programa "Il diario di Papa Francesco", que a televisão Tv2000, da Igreja católica em Itália, transmitiu esta quinta-feira.
Na emissão em direto, o anterior diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura foi convidado a eleger uma palavra das palavras que caracteriza o ensinamento de Francisco, tendo escolhido «encontro», substantivo que se lhe apresenta como um «programa».
«Não é apenas uma imagem, uma parábola, é um caminho que o papa nos propõe; não é uma palavra religiosa, no sentido primeiro, é uma palavra humana, todos a entendem, aqueles que estão dentro e aqueles que estão fora, aqueles que pertencem a outras tradições religiosas e os laicos - todos a entendem porque é uma palavra de civilização, uma palavra de cultura, uma palavra de humanidade», afirmou.
Para Tolentino Mendonça, "encontro" «é também uma palavra mobilizadora para uma nova eclesiologia [identidade, missão e organização da Igreja]»: «Faz mover, faz-nos ser uma Igreja em saída, como o papa nos repete há muito, e faz-nos ser uma Igreja de proximidade, de diálogo, de abertura, uma Igreja que é mais um hospital de campanha do que uma instituição fechada numa autorreferencialidade».
«Ninguém tem a verdade completamente. A verdade é uma experiência que temos em caminho, e todos precisamos de o fazer», defendeu, realçando que «a graça do caminho» e do «encontro» é Deus revelar-se como «uma epifania e um dom», na convicção de que «a verdade é sempre uma surpresa».
O programa, transmitido de segunda a sexta-feira, começou com um excerto da homilia da missa a que o papa presidiu pela manhã, no Vaticano, centrada na leitura do Evangelho, em que Jesus chora sobre Jerusalém, excerto que Tolentino Mendonça foi também convidado a comentar.
«A profundidade da imagem de Deus que chora nasce da sua concretude, de tal modo que uma criança a pode compreender, mas ao mesmo tempo tem espessura de sentido», assinalou.
Deus «tem uma solidariedade infatigável com a condição humana. Essa é a primeira experiência bíblica de Deus, quando Ele próprio diz: "Eu vi", "Eu escutei o sofrimento do meu povo". E vemos não um Deus impassível, não um Deus neutral perante o sofrimento e a injustiça, mas um Deus capaz de compaixão. Esta imagem do choro diz-se num modo muito impressivo», vincou o biblista.
«No Evangelho, Jesus diz muitas vezes aos personagens que vivem na dor: "Não choreis". Deus chora para fazer com que a pessoa humana, os frágeis, possam não chorar, isto é, possam reencontrar o caminho da confiança e da esperança», salientou.
Tolentino Mendonça está convicto de que «a crise do mundo contemporâneo e da hora presente é, antes de tudo, antropológica»: O homem «luta por encontrar um sentido para a vida», e nessa «desorientação» procura o que «é imediato, a satisfação mais fácil», faltando «um olhar mais profundo ao humano».
"Profundo", explicou, «quer dizer também mais verdadeiro, mais belo», acreditando que a vida «pode ser projeto, e não apenas «fatalidade»
«A palavra do papa Francisco, que tem uma força, um autoridade moral muito precisa nestes tempos, lança um grande desafio a reencontrar o caminho de nós mesmos, o caminho ao encontro das grandes perguntas humanas, que todos, qualquer que seja a sua condição, idade, proveniência, cultura, somos chamados a fazer: porque estamos aqui, para onde vamos, qual é o sentido do amor, porque é que o amor é mais importante que o egoísmo, que sentido tem a generosidade, como conseguir viver com esperança estes tempos escuros», acentuou.
Referindo-se aos atentados na Europa e em vários pontos do globo, Tolentino Mendonça afirmou que «a solução mais fácil diante do medo, do terror, da guerra, é responder com a mesma violência»: «Mas nós sabemos que a violência gera violência, que não é a solução nem a resposta».
O papa Francisco diz que «a ferida não é superficial, está dentro do coração» de «sociedades desenvolvidas, mas que realmente são pobres e carentes de humanidade», vincou o poeta, acrescentando: «É olhando para o essencial que nós podemos reencontrar o caminho perdido da paz».
O programa "Il diario di Papa Francesco" com José Tolentino Mendonça foi para o ar no mesmo dia em que o autor recebeu, em Roma, o prémio literário "Res Magnae" pela obra "A mística do instante", publicada em Itália pela editora "Vita e Pensiero".
Rui Jorge Martins