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«A Igreja estima-vos, mesmo quando colocam o dedo na ferida», mesmo quando ela «está na comunidade eclesial», declarou hoje o papa ao receber, no Vaticano, a Associação da Imprensa Estrangeira em Itália.
Na intervenção, Francisco pediu aos jornalistas para cultivarem a humildade, qualidade inseparável da procura e divulgação da verdade, especialmente num tempo em que abundam as notícias falsas e os insultos gratuitos nas redes sociais, e desafiou-os a investirem mais em pessoas e acontecimentos que manifestam o melhor do ser humano.
A pouco mais de duas semanas do Dia Mundial das Comunicações Sociais, que a Igreja católica assinala a 2 de junho, domingo da Ascensão de Jesus aos céu, o papa afirmou que o trabalho dos meios de comunicação é «precioso porque contribui para a procura da verdade», e só ela torna as pessoas «livres».
«O vosso papel é indispensável, e isto confia-vos também uma grande responsabilidade: pede-vos um cuidado particular pelas palavras que utilizais nos vossos artigos, pelas imagens que transmitis nos vossos serviços, por tudo aquilo que partilhais nas redes sociais», apontou.
O papa convidou os jornalistas a exercer a sua profissão «segundo a verdade e a justiça, para que a comunicação seja verdadeiramente instrumento para construir, não para destruir; para o encontro, não para o recontro; para o diálogo, não para o monólogo; para orientar, não para desorientar; para compreender, não para a incompreensão; para caminhar em paz, não para semear ódio; para dar voz a quem não tem voz, não para fazer de megafone a quem grita mais alto».
«Cada um de nós sabe como é difícil e quanta humildade exige a procura da verdade. E quanto é mais fácil não fazer demasiadas perguntas, contentar-se com as primeiras respostas, simplificar, permanecer na superfície, na aparência; contentar-se com soluções dadas por adquiridas, que não conhecem o esforço de uma indagação capaz de representar a complexidade da vida real», salientou.
Para Francisco, «a humildade do não saber tudo à partida é aquilo que move a procura», enquanto que «a presunção de saber já tudo é aquilo que a bloqueia».
«Jornalistas humildes não quer dizer medíocres, mas antes conscientes que através de um artigo, de um “tweet”, um direto televisivo ou radiofónico pode fazer-se bem, mas também, se não está atento e se não se é escrupuloso, fazer mal ao próximo, e por vezes a comunidades inteiras», alertou.
Por isso, prosseguiu, os jornalistas devem «considerar o poder do instrumento» que têm à disposição, «e resistir à tentação de publicar uma notícia não suficientemente verificada», até porque a retificação de uma notícia «não chega para restituir a dignidade, especialmente num tempo em que, através da internet, uma informação falsa pode espalhar-se ao ponto de parecer autêntica».
«A humildade ajuda também o jornalista a não ser dominado pela pressa, a procurar deter-se, de encontrar o tempo necessário para compreender. A humildade faz-nos aproximar da realidade e dos outros com a atitude da compreensão. O jornalista humilde procura conhecer corretamente os factos na sua integralidade antes de os narrar e comentar. Não alimenta o excesso de slogans, que, em vez de colocarem o pensamento em movimento, anulam-no», frisou.
Num tempo aberto, especialmente nas redes sociais, «à linguagem violenta e depreciativa, com palavras que ferem e por vezes destroem as pessoas», é preciso, como dizia o padroeiro dos jornalistas, S. Francisco de Sales, «usar a palavra como o cirurgião usa o bisturi».
«O jornalista humilde é um jornalista livre. Livre dos condicionamentos. Livre dos preconceitos, e por isso corajoso. A liberdade exige coragem», acentuou o papa, que pediu aos profissionais para não «venderem o alimento estragado da desinformação», oferecendo, antes, «o pão bom da verdade».
Depois de vincar a importância da liberdade de imprensa, Francisco lembrou que o mundo precisa da imprensa para não esquecer «muitas situações de sofrimento, que muitas vezes não têm a luz dos projetores»; e acrescentou: «Vem ao coração a pergunta que um de vós me fez: o que fazer com as guerras esquecidas?».
Os jornalistas «ajudam a não esquecer as vidas que são sufocadas antes ainda de nascer; as recém-nascidas que se extinguem por causa da fome, das dificuldades, da falta de cuidados, das guerras; as vidas das crianças-soldado, as vidas das crianças violadas», contribuem para que se tenham presente «tantas mulheres e homens perseguidos pela sua fé ou etnia», as pessoas «discriminadas, vítimas de violência e do tráfico de seres humanos», e as obrigadas, «pela calamidade, guerra, terrorismo, fome e sede, a deixar a sua terra»; cada uma delas «não é um número, mas um rosto, uma história, um desejo de felicidade».
Ao mesmo tempo que não esquece o dever da denúncia de casos que atingem a dignidade humana, os profissionais da imprensa são chamados a noticiar «a realidade de quem não se rende à indiferença, de quem não foge diante da injustiça, mas constrói com paciência no silêncio».
«Há um oceano submerso de bem que merece ser conhecido e que dá força à nossa esperança», afirmou o papa, que expressou satisfação por na Associação o contributo feminino ser «plenamente reconhecido».
A terminar, Francisco pediu aos participantes na audiência para rezarem para ele, e a todos abençoou em silêncio, consciente de que nem todos «são crentes».