Há lugares e lugares para um renascimento. E aquele que foi celebrado a 24 de dezembro entre as pedras ainda feridas da antiga igreja de S. Paulo em Mossul, no Iraque, é especial. Após três anos e meio tornou-se a celebrar solenemente, nesta véspera de Natal, uma missa no coração da cidade que o autoproclamado Estado Islâmico tinha eleito para sua capital.
Foi o patriarca caldeu Louis Raphael Sako que presidiu à celebração, acompanhado pelo bispo siro-católico de Mossul, Petros Mouche. Presente esteve também o bispo siro-ortodoxo Nicodemus Daoud Sharaf. Os diferentes rostos do cristianismo iraquiano reunidos para um Natal que é um símbolo poderoso na cidade da qual o pretenso califado tinha banido os cristãos, traçando a letra “Nun”, de “nazarenos”, nas portas das suas casas.
Uma centena de pessoas congregaram-se para a missa na igreja de S. Paulo, uma das muitas de Mossul que era, historicamente, o coração do cristianismo iraquiano. Entre os presentes uma representação das primeiras 70 famílias cristãs que reentraram após a libertação das forças opressoras, pequena vanguarda corajosa das centenas que – vítimas da limpeza étnica do verão de 2014 – continuam a viver exilados da sua cidade.
Na missa tomaram também parte autoridades iraquianas, líderes tribais, chefes militares e muitos cidadãos de fé islâmica. Um momento público que traduziu o desejo conjunto de que Mossul reencontre rapidamente todas as suas igrejas e as comunidades cristãs, que na região têm raízes antiquíssimas.
Muito significativo é o facto de que nos dias anteriores à celebração ter estado um grupo de jovens muçulmanos a remover os escombros que o Estado Islâmico tinha deixado atrás de si no exterior da igreja e a limpar o seu interior. Um gesto que o patriarca Sako não deixou de sublinhar na homilia.
Na igreja faltam ainda as janelas e nas paredes está presente a imagem do bispo caldeu Paulos Faraj Raho, raptado e morto em 2008, e que se tornou o símbolo de todos os sofrimentos que se seguiram, como foi o caso do duríssimo tributo de sangue que a ofensiva militar pela libertação da cidade deixou, e que um relatório recente estimou em 10 mil vítimas entre os civis.
Na igreja, as pedras antes usadas para destruir serviram para compor a gruta do presépio. E noutras zonas da cidade despontaram árvores de Natal, associando-se ao convite lançado aos cristãos para regressarem a Mossul.
Pequenos sinais de esperança, num contexto que todavia continua difícil e repleto de grandes incertezas. Por isso, na sua homilia o cardeal Sako relançou o desafio da unidade entre os diversos componentes do Iraque de hoje, superando a tentação do sectarismo e das vinganças.
«Estamos aqui reunidos para rezar pela paz e estabilidade nesta antiga cidade, no nosso país e no mundo inteiro. Daqui fazemos um apelo a todos os muçulmanos para que façam ouvir a sua voz, para extinguirem as trevas do extremismo, da discriminação e do conflito, para promoverem a paz, a tolerância, o amor, a fraternidade e a dignidade», afirmou o prelado.
E o cardeal Sako prosseguiu: «É o que estes jovens muçulmanos fizeram, restituindo-nos esta igreja; convidamos os jovens cristãos, yazidis e pertencentes às outras minorias a unirem-se a eles. É esta solidariedade que nos faz esperar que os dispersos possam voltar a Mossul e a viverem em paz».