Uma particularidade do Jubileu é o envio, a cada diocese do mundo, de 800 “missionários da misericórdia”, a quem o papa dá a faculdade de perdoar os pecados reservados à Santa Sé. Mas Francisco fez mais.
Ao longo do Ano Santo da Misericórdia, que termina a 20 de novembro de 2016, todos os sacerdotes podem perdoar o aborto, pecado cuja absolvição é reservada aos bispos ou a padres por eles delegados. Um sinal para convidar ao arrependimento e ao pedido de perdão, outro elemento-chave do Jubileu.
«Eu abortei há 20 anos e na misericórdia de Francisco sinto-me acolhida e perdoada», diz Beatrice Fazi, de 43 anos. «Encontrei-me grávida e sem orientação, o homem de quem esperava um filho abandonou-me: não queria assumir a responsabilidade de criar uma criança», lembra.
«Havia chegado há pouco a Roma, de uma cidade de província do sul, onde é difícil confessar aos próprios pais algo semelhante, num contexto em que dar à luz antes do matrimónio equivale a uma marca de infâmia e de exclusão social.»
«Tinha ficado só, sentia vergonha e não tinha ninguém que me guiasse e me indicasse uma solução alternativa à interrupção voluntária da gravidez», acrescenta Beatrice, que conta este episódio e a sua conversão no livro “Un cuore novo” (“Um coração novo”, ed. Piemme).
«Um dia decidi ir confessar-me por superstição e medo de que um Deus vingador e juiz me punisse ou pretendesse alguma coisa de mim. Deitei fora todos os meus pecados e o sacerdote não me deu a absolvição, mas disse que ainda que excomungada e em condição irregular, era chamada à santidade.»
Durante anos manteve em segredo o aborto, ao mesmo tempo que experimentava a angústia de não se sentir perdoada «pela criança que impedi de vir ao mundo e que não pôde defender-se».
«[Hoje] considero-a o meu anjo no Paraíso, chamo-o Mateus.» Através da fé, «o desprezo por mim transformou-se em misericórdia», ainda que «a condição em que agi não era de plena liberdade».
Foi um caminho doloroso «para recuperar a dignidade e a coragem de olhar na cara o meu erro e aceitar o perdão por uma coisa que a seguir eu percebi que era horrível». Um peso insuportável que «procurava esconder em mim mas que dentro me provocava um vazio de consequências devastadoras: desordens alimentares e afetivas». Mal-estar e raiva.
Abismos nunca preenchidos por «justificações que não serviram para me absolver: sentia-me culpada por ter negado a uma criança o direito de nascer». Sentir Francisco que abraça «quem como eu me sentia rejeitada» enche o coração. A misericórdia vem antes do juízo. «Estou em casa, a Igreja é aqui.»
O livro “Um coração novo” conta a mudança de Beatrice para Roma, seguindo o sonho de ser atriz, os erros cometidos na juventude e a contínua busca de sentido. A descoberta da fé ocorreu após um conjunto de encontros aparentemente casuais.
«Escrevi este livro em consequência de um percurso que fiz em 15 anos. Sou uma atriz e converti-me na idade adulta, e isso levantou um pouco de escândalo, se não escândalo, muita curiosidade, sobretudo nas pessoas que me conheciam na minha vida “antes de Cristo” e viam como eu conduzia a minha vida “após Cristo”, explicou à Rádio Vaticano.
«Cada um de nós traz dentro de si feridas e coisas a que não consegue explicar; poder iluminá-las, poder tirá-las para fora, para que assumam contornos definidos e não permaneçam na escuridão da nossa consciência, serve para as poder confrontar», declarou a autora, mãe de quatro filhos, o último nascido em julho.
In: "Vatican Insider"