EnjoyLife/Bigstock.com
A pequena urna branca está diante do altar. A igreja repleta de gente, num silêncio atónito e comovido. Uma multidão de amigos aperta-se junto aos pais de Pedro Maria Adeodato, morto na barriga da mãe poucas semanas antes do termo da gravidez. Chamaram-no assim, colocando-lhe o nome do grande amigo de Jesus, o da Virgem e um terceiro que significa "dado por Deus". Um dom que os pais não quiseram renunciar depois de os médicos terem diagnosticado uma grave malformação incompatível com a vida. E assim viveram sete meses, rezando e esperando, pedindo o milagre da cura a par do da conversão do coração? Porque é que pôde acontecer? Que sentido tem uma morte tão atroz? Apetece dizer que não há palavras para responder.
E todavia, há. São as palavras que a graça de Deus colocou na boca dos pais e que se depositam de maneira indelével no coração de quem participou num funeral difícil de esquecer. Quando souberam do infeliz diagnóstico, o pai e a mãe escreveram aos amigos uma carta que encerra o sentido do que estava a acontecer e que lhes permitiu viver o tempo da espera com a consciência de que somos feitos - todos - para um destino bom, uma consciência que talvez eles próprios não imaginavam poder ter. «É-nos pedido um sacrifício. Ou seja, tornar sagrado a nossa relação com o Pedro, o que quer dizer vê-lo como o vê Deus: com virgindade. Este sacrifício é uma responsabilidade enorme quanto à nossa fé e à nossa vida. Ser tocados pela graça é isto: ver as coisas como Cristo.
Às vezes o Mistério toca-te com uma carícia (como quando nós dois nos conhecemos), outras vezes de maneira mais decisiva e com traços violentos. Ver uma coisa com virgindade pede-te, antes de tudo, que perguntes e verifiques onde está o teu coração, o teu centro afetivo: onde está a tua felicidade. Parece por vezes dado como adquirido dizer que a felicidade está em Cristo. No nosso caso não o é por nada: a nós é pedido reconhecer que a nossa felicidade não está no Pedro, mas em Jesus. Não está em jogo apenas o nosso filho, mas a relação com Ele. Uma amizade que nos pede tudo.»
A eles, verdadeiramente, foi pedido tudo, um "sim" total e incondicional. Por isso decidiram celebrar o funeral na mesma igreja onde alguns anos antes se tinham unido em matrimónio, proclamando um "sim" que os ligava para toda a vida. E aquela igreja - por uma coincidência que diz muito das dinâmicas misteriosas que movem a existência - é dedicada a S. Pedro, o mesmo nome que acompanharam num percurso misterioso, confiando-se a um Outro. Reconhecer que a vida é um mistério nas mãos de um Outro é a única maneira para dar-se razões do que aconteceu.
A fé fá-lo intuir mesmo dentro de uma dor inenarrável, que chegar até a experimentar a abrasividade da morte. «Quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor»: o excerto de S. Paulo que é lido do púlpito descreve a posição vertiginosa que os pais do pequeno Pedro puderam ter nestes meses de ansiosa expetativa, pela graça de Deus mais do que por um heroísmo impossível. Quando o funeral termina e se abrem as portas da igreja, um raio de sol pousa levemente sobre os presentes.
É um sinal, inesperado, que parece evocar as palavras de um canto entoado pouco antes: «Não vos rendais à escuridão que as coisas devora, agora é noite mas o dia virá, ainda». Num mundo que vive no ceticismo e que deixou de saber dar-se as razões para viver, pode acontecer descobrir estas razões quando se está diante da morte. Podem acontecer coisas como estas, num funeral. Coisas do outro mundo. Neste mundo.