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Cinema: “O clube”

Imagem Póster (det.) | D.R.

Cinema: “O clube”

Desde sempre o chileno Pablo Larraín demonstrou ser um dos realizadores mais interessantes do panorama internacional. Em “Tony Manero”, durante a ditadura de Pinochet, o protagonista estava de tal maneira obcecado por John Travolta em “Febre de sábado à noite”, que todos os sábados montava um espetáculo de dança numa região periférica, enquanto que, como segundo trabalho, era assassino a soldo.

Em “Post morten”, Larraín imaginava um empregado na morgue de Santiago do Chile que, no momento do golpe de estado que implantou a ditadura, via chegar, para a autópsia, o cadáver de Salvador Allende. Com “Não”, voltou novamente a falar do seu país, evocando o ano de 1988, aquando do referendo sobre a continuidade de Pinochet no poder por mais oito anos, sem eleições, que o ditador pensava poder vencer.

Especialista em indagar zonas obscuras, ângulos remotos nunca explorados, sem poupar horrores de qualquer género, com uma assinatura estilística pessoalíssima, Larraín foi premiado em 2015 no Festival de Cinema de Berlim com o Urso de Prata pelo filme que chega hoje às salas portuguesas: "O clube".

Uma casinha, como muitas na costa chilena, em que vive um grupo desaparecido de homens e uma mulher, Mónica. Poderiam ser amigos, reformados. A chegada de dois desconhecidos revela que são padres, escondidos, confinados porque cometeram graves abusos. A mulher é uma religiosa, que encontrou a expiação como cuidadora e, ao mesmo tempo, guardiã daquela reclusão.

Um sacerdote é pedófilo, outro foi um capelão militar que encobriu abusos terríveis, há um pároco que contribuiu para redistribuir os filhos de raparigas pobres por famílias ricas estéreis: crimes que cometeram pensando que faziam o bem, não percebendo verdadeiramente as acusações que lhes são dirigidas.

A Igreja envia um emissário. Um jovem elegante que tem a tarefa de estabelecer a verdade. Encontra-se diante de pessoas que perderam não só a fé, ou tem uma maneira pessoal de a declinar, mas que têm medo e querem ser esquecidos. Se é a piedade que o impele ou o desejo de ser o primeiro a colocar uma pedra sobre o passado, é uma interpretação deixada ao espetador, aturdido pela crueza das imagens.

Larraín avança na sua investigação sem sombra de esperança nos homens e nas instituições, e no caminho para aquela transparência evocada por Bento XVI e perseguida pelo papa Francisco, que parece mais árdua do que nunca.

O filme, que abre com uma citação do livro do Génesis - «Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas» - inspira-se em factos reais, mas a evolução da narrativa é ficcionada. Realizado com talento, pode incomodar alguns católicos.

O realizador, que conhece bem o funcionamento interno da Igreja católica no Chile, denuncia o comportamento daqueles indivíduos que, ao quererem agir em nome de Deus, apenas agiram por eles próprios e semearam o alvoroço entre os crentes.

A violência que atravessa o filme ecoa a violência sofrida pelos alvos diretos dos atos dos sacerdotes, mas também daquela que foi sentida por todos os que se sentiram traídos pelos comportamentos ignóbeis de pessoas em que depositavam toda a confiança. Pablo Larraín não esconde, com efeito, o sofrimento das vítimas, como o daquele homem que, à porta da casa amarela, grita palavras em desordem mas terríveis e precisas.

O filme mostra também até que ponto os sacerdotes e a ex-religiosa são incapazes de reconhecer o alcance dos seus atos. Ultrapassaram um limite que os coloca fora dos códigos e dos valores da instituição a que pertenceram. Fica claro que não compareceram diante da justiça civil, mas nenhuma razão é apresentada para o justificar.

Todos os atores são extraordinários a exprimir a incompreensão, a perturbação psicológica ou o abatimento. Há também uma belíssima fotografia, muito levemente desfocada, de tons sombrios, como se o belo e a fealdade estivessem em perpétuo combate.

Não é uma obra sobre a pedofilia, embora ela seja abordada, defende o realizador, para quem o papa Francisco lhe «interessa»: «O jesuíta do filme representa a nova Igreja e tem semelhanças com o papa. Está em curso uma batalha entre a velha e a nova Igreja: a primeira é pelo “statuo quo” e as portas fechadas, os prelados com anéis e joias, e está em conflito aberto com a Igreja de Bergoglio, mais humilde e próxima dos fiéis. Mas ambas partilham o terror pela imprensa e os meios de comunicação social; talvez a Igreja tenha mais medo da imprensa do que do inferno».

Sobre a ascendência cinematográfica de “O clube”, Larraín explica: «Poderei citar Bergman e Buñuel, mas penso também no aspeto místico e religioso de Pasolini. Pasolini faz levitar um personagem; antes de rodar um novo filme, eu e a equipa vemos sempre uma das suas obras».

 




 

A partir de textos de Marina Sanna, Federico Pontiggia (cinematografo.it) e Magali Van Reeth (signis.net)
Redação: Rui Jorge Martins
Publicado em 09.06.2016

 

Título: O clube
Realizador: Pablo Larraín
Interpretação: Roberto Farías, Antonia Zegers, Alfredo Castro
Género: Drama
País / Ano: Chile / 2015
Duração: 98 min.
Classe etária: M/18

 

 
Imagem Póster | D.R.
O realizador, que conhece bem o funcionamento interno da Igreja católica no Chile, denuncia o comportamento daqueles indivíduos que, ao quererem agir em nome de Deus, apenas agiram por eles próprios e semearam o alvoroço entre os crentes
A violência que atravessa o filme ecoa a violência sofrida pelos alvos diretos dos atos dos sacerdotes, mas também daquela que foi sentida por todos os que se sentiram traídos pelos comportamentos ignóbeis de pessoas em que depositavam toda a confiança. Pablo Larraín não esconde, com efeito, o sofrimento das vítimas
Todos os atores são extraordinários a exprimir a incompreensão, a perturbação psicológica ou o abatimento. Há também uma belíssima fotografia, muito levemente desfocada, de tons sombrios, como se o belo e a fealdade estivessem em perpétuo combate
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