As tristes páginas da história dos campos de concentração do século breve falam apenas superficialmente das trevas siderais de tempos radicalmente obscurecidos pela barbárie. E no entanto, na noite cerrada, a intensa obscuridade é rasgada pela luz mais poderosa das estrelas.
Etty é diminutivo de Ester, que quer dizer “estrela”. É uma estrela cadente que traz uma mensagem de esperança, ao mesmo tempo que encoraja com as suas promessas a manifestação de um desejo: «Tenho de educar o meu desejo e guiá-lo para o seu destino final, com toda a cautela e dignidade de que sou capaz» (“Diário”).
Interroga-se, coloca questões ao seu coração, “pensa” em como pôr de pé esse caule curvado e chagado do coração. Compreende também a necessária eventualidade de «domar o desejo», para se orientar e chegar à fonte da verdade, da autenticidade, mostrando a beleza e a dignidade de cada ser humano, para realizar a missão originária da vida: fazer de si uma obra de arte.
Desta forma, «trabalhar-se a si própria» torna-se empreendimento corajoso e por vezes lacerante, quando se chega à fonte e se bebe da água borbulhante da vida eterna. Aqui, e só aqui, se purifica «o grande ódio que nos envenena a alma».
A alma é “psyché” em grego, mas também borboleta, cujo voo indica a liberdade alcançada no campo de Westerbork: «Lá pude tocar com a mão como cada átomo de ódio que se acrescenta ao mundo o torna ainda mais inóspito».
Por isso Etty não «quer odiar», domina o seu desejo e «encadeia-o» numa fé na humanidade que a Fonte (Deus desenterrado) lhe revela: «Bastaria a existência de um só ser humano digno deste nome para poder crer nos homens e na humanidade» (“Diário”).
E faz verdadeiramente estremecer o coração como conseguiu – esta jovem mulher que nunca pôs os pés numa igreja e raramente numa sinagoga – alcançar os altos cumes da mística de Jesus, da sua humanidade («este é o meu Filho de quem me comprazo, segui a sua humanidade»): o amor pelos inimigos.