Detemo-nos hoje na quinta bem-aventurança, que diz: «Bem-aventurados os misericordiosos, porque encontrarão misericórdia». Nesta bem-aventurança, há uma particularidade: é a única em que a causa e o fruto da felicidade coincidem. Aqueles que praticam a misericórdia encontrarão misericórdia, serão “misericodiados”.
Este tema da reciprocidade do perdão não está presente só nesta bem-aventurança, mas é recorrente. E como poderia ser de outra forma? A misericórdia é o próprio coração de Deus! Jesus diz: «Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados». Sempre a mesma reciprocidade.
E a Carta de Tiago afirma que «a misericórdia leva sempre a melhor sobre o juízo».
Mas é sobretudo no Pai-nosso que nós rezamos: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido»; e esse pedido é o único retomado no fim: «Se vós, com efeito, perdoardes aos outros as suas culpas, o vosso Pai que está nos Céus também vos perdoará; mas se vós não perdoardes aos outros, também o vosso Pai não perdoará as vossas culpas».
Há duas coisas que não se podem separar: o perdão dado e o recebido. Mas muitas pessoas estão em dificuldade, não conseguem perdoar. Muitas vezes o mal recebido é tão grande, que conseguir perdoar é como escalar uma montanha altíssima. Este facto da reciprocidade da misericórdia indica que precisamos de revirar a perspetiva. (…) Com efeito, se a quinta bem-aventurança promete encontrar misericórdia, e no Pai-nosso pedimos o perdão das dívidas, quer dizer que nós somos essencialmente devedores, e temos necessidade de encontrar misericórdia!
Todos somos devedores. Para Deus, que é tão generoso, e para os irmãos. Cada pessoa sabe que não é o pai ou a mãe que devia ser, o esposo ou a esposa, o irmão ou a irmão que deveria ser. Sabemos que, ainda que não tenhamos feito o mal, falta sempre alguma coisa ao bem que deveríamos ter feito.
Mas é precisamente esta nossa pobreza que se torna a força para perdoar! Somos devedores, e se (…) iremos ser medidos com a medida com que medimos os outros, então convém-nos alargar a medida e saldar as dívidas, perdoar. Cada um deve recordar que precisa de perdão e de paciência; este é o segredo da misericórdia: perdoando, é-se perdoado.
Por isso, Deus precede-nos e perdoa-nos em primeiro lugar. Ao receber o seu perdão, tornamo-nos capazes, por nosso lado, de perdoar. Assim a própria miséria e a própria carência de justiça tornam-se ocasião para se abrir ao Reino dos Céus, a uma medida maior, a medida de Deus, que é misericórdia.
De onde nasce a nossa misericórdia? Deus disse-nos: «Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso». Quanto mais se acolhe o amor do Pai, tanto mais se ama. A misericórdia não é uma dimensão entre as outras, mas é o centro da vida cristã: não há cristianismo sem misericórdia.
Se todo o nosso cristianismo não nos conduz à misericórdia, errámos o caminho, porque a misericórdia é a única verdadeira meta de todo o caminho espiritual. Ela é um dos frutos mais belos da caridade (…).
A misericórdia de Deus é a nossa libertação e a nossa felicidade. Nós vivemos de misericórdia, e não nos podemos permitir estar sem misericórdia. (…) Somos demasiadamente pobres para pôr condições, precisamos de perdoar, porque precisamos de ser perdoados.