Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura

Na Terra Santa, o caminho para a Páscoa tem o sabor das origens

Viver a Quaresma na Terra Santa tem um significado e um sabor particular de todos os pontos de vista.

Antes de tudo o ponto de vista daquela que os santos papas Paulo VI e João Paulo II chamavam a «geografia da salvação». Aqui, os textos litúrgicos e evangélicos que caracterizam os domingos da Quaresma e, depois, da Semana Santa, evocam imediatamente lugares concretos. O deserto e o monte das tentações estão a meia hora de Jerusalém. O lugar da transfiguração é identificado com o monte Tabor, na Galileia. Também os acontecimentos lembrados por Jesus para convidar à conversão estão aqui, nos restos arqueológicos da Cidade Velha, e o mesmo pode dizer-se do átrio do templo, no qual Jesus emite a famosa sentença que salva a vida da adúltera: «Quem está sem pecado, lance primeiro a primeira pedra contra ela».

A Semana Santa, depois, faz-nos caminhar de Betfagé a Jerusalém juntamente com Jesus, conduz-nos seguidamente a Betânia, faz-nos pernoitar nos vários lugares de Jerusalém: o “Dominus Flevit”, onde Jesus chora sobre a Cidade Santa, o Cenáculo, o Getsemani, o santuário da Condenação e da Flagelação, a Via Dolorosa (protótipo de toda a “Via Crucis” [Via-sacra], o Gólgota e o Santo Sepulcro.

A fisicalidade destes lugares e as deslocações requeridas para passar de um para outro recordam-nos que a vida cristã é caminho, caminho concreto, caminho nos passos de Jesus, caminho de conversão que nos obriga a aligeirar cada vez mais o peso que levamos, para poder seguir o Mestre pelo caminho do dom de si.



Aqui recupera-se de maneira muito forte também o sentido e o valor do jejum. Os nossos irmãos orientais, nisto, são muito mais radicais do que nós, ocidentais



Aqui, depois, a Quaresma faz-nos respirar também uma dimensão ecuménica, que nos ajuda a recuperar certos aspetos que no Ocidente não são tão relevantes. Evidencio dois: a dimensão de vigiar em oração e a dimensão do jejum. Em Jerusalém, e de modo especial no Santo Sepulcro (mas não só), a Quaresma é caraterizada também pelas vigílias de oração. A noite de sábado para domingo torna-se numa constante celebração da vigília pascal, a oração prolonga-se, e o sentido da Quaresma (que é precisamente um caminho para a Páscoa) concentra-se e condensa-se em cada vigília, experimentando o cansaço de permanecer acordado em oração, na expetativa do encontro com Jesus ressuscitado, com aquele que venceu a morte.

A noite não já não é, simplesmente, o tempo em que as trevas vencem, mas torna-se o tempo em que a luz das velas vence a escuridão das trevas, os cantos e as orações rompem o silêncio da morte e o perfume do incenso recorda-nos que o amor é mais forte inclusive do que a morte.

Aqui recupera-se de maneira muito forte também o sentido e o valor do jejum. Os nossos irmãos orientais, nisto, são muito mais radicais do que nós, ocidentais. Durante todo o tempo da Quaresma, praticam uma forma de jejum que os conduz a absterem-se, diariamente, de tudo o que é derivado animal (carne e seus derivados, ovos, leite e seus derivados, gorduras animais…). Obviamente, o jejum quaresmal é modelado a partir do jejum de 40 dias praticado pelo próprio Jesus no deserto, segundo as narrativas evangélicas, e torna-se uma maneira de voltar ao essencial, para regressar precisamente ao deserto, para se deixar purificar por Deus e aprender a ter fome e a alimentar-se da Palavra de Deus.

Esta insistência oriental no jejum (que também os muçulmanos praticam durante o mês do Ramadão, e os judeus por ocasião de algumas festividades religiosas e nacionais) recorda a cada um de nós a necessidade de nos educarmos para sermos livres diante das muitas necessidades que temos (físicas e sociais, naturais e artificiais), e com maior razão no contexto de uma sociedade concebida pela cultura do consumo e do descarte. Como toda a proposta evangélica, também esta é, naturalmente, atualizada e personalizada, porque cada um de nós tem dependências a ultrapassar e escravidões das quais se deve libertar.



Era uma comunidade pequena, e também muito frágil, aquela que acompanhava Jesus no seu caminho para Jerusalém, de tal maneira pequena e frágil que aos pés da cruz ficaram a fazer-lhe companhia só a sua Mãe, o discípulo amado, Maria de Magdala e Maria de Cleofás. Pequena e frágil continua a ser a nossa presença cristã nesta Terra Santa



Mas também o partilhar uma mesma prática é importante porque torna-se um apoio mútuo neste caminho de libertação e purificação que Jesus nos propõe, para fazer-nos crescer na capacidade de amar até ao dom de si, para nos conduzir a um morrer que contém já o gérmen da ressurreição, que é o coração da Páscoa.

Na Terra Santa, depois, o caminho quaresmal para a Páscoa tem sempre o sabor das origens. Era uma comunidade pequena, e também muito frágil, aquela que acompanhava Jesus no seu caminho para Jerusalém, de tal maneira pequena e frágil que aos pés da cruz ficaram a fazer-lhe companhia só a sua Mãe, o discípulo amado, Maria de Magdala e Maria de Cleofás. Pequena e frágil continua a ser a nossa presença cristã nesta Terra Santa, da qual muitos continuam ainda a partir porque não compreendem o valor, a vocação e a missão de ser hoje cristão na Terra Santa; mas da qual muitos continuam a partir porque dificilmente entreveem aqui um futuro para as suas famílias e para os seus filhos, sem saber que a aridez espiritual do Ocidente tão sonhado é, em certos aspetos, ainda mais difícil de enfrentar.

Aqui, a própria “Via Crucis” entre as ruas da Cidade Velha torna-se uma poderosa evocação da primeira “Via Crucis”, percorrida por Jesus entre o clamor e a indiferença, e um símbolo da existência cristã no mundo contemporâneo, que é um caminhar seguindo os passos de Jesus, que vai dar a vida por um mundo e por uma humanidade em que parecer prevalecer a distração contínua e a globalização da indiferença. E, todavia, uma comunidade de discípulos, ainda que poucos e frágeis, que seguem Jesus pelo caminho do dom de si, em companhia de Maria e do discípulo amado, é já semente e profecia de ressurreição: de um mundo novo, de uma civilização nova, de uma humanidade nova.


 

Francesco Patton
Custódio da Terra Santa
In SIR
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 11.03.2019 | Atualizado em 10.10.2023

 

 
Relacionados
Destaque
Pastoral da Cultura
Vemos, ouvimos e lemos
Perspetivas
Papa Francisco
Impressão digital
Paisagens
Prémio Árvore da Vida
Vídeos