«A arte do presépio tradicional português está a definhar e corre o risco de se extinguir», exigindo-se discernimento para manter a sua identidade, alerta o Centro UNESCO de Arquitetura e Arte, com sede em Santiago do Cacém.
«Não se trata de manter a arte presepística como algo parado no tempo, há todo um espaço de inovação a valorizar, mas o que ocorre agora é uma amálgama de coisas sem sentido e sem gosto, que perturba inclusivamente a captação da mensagem de fundo do presépio», acentua José António Falcão, responsável do organismo.
Em nota enviada hoje ao Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, o historiador de arte recorda que «o presépio português faz parte de uma rica tradição europeia, mas tem personalidade própria, em que marcam presença as cenografias baseadas em paisagens naturais, a multiplicação de cenas da vida rural e urbana, a alternância de escalas e o destaque conferido à Sagrada Família, que é o seu epicentro».
Para o vice-presidente da Europae Thesauri, associação internacional dos museus e tesouros de arte sacra, tem vindo a assistir-se nas últimas décadas a «uma perda acentuada dos traços distintivos» dos presépios, «que abandonam a sua matriz e se tornam cada vez mais produtos comerciais descartáveis», pelo que «está em risco um património, material e imaterial, que precisa de mais atenção».
Esta quinta-feira, 7 de dezembro, é inaugurado em Santiago do Cacém um «presépio tradicional português», que ficará em exposição até 7 de janeiro. Ao longo do mês haverá «conferências, visitas guiadas, concertos e outras iniciativas que visam dar a conhecer as boas práticas da arte dos presépios».
Assegurar o futuro da arte, transmitir os seus preceitos aos mais novos e adaptá-la aos tempos de hoje são os objetivos do projeto, «que transforma a construção de um presépio tradicional português numa “escola viva” do presepismo e chama si a intervenção dos moradores no centro histórico» da cidade alentejana.
O presépio, exposto no quartel velho dos bombeiros, foi construído sob a orientação do arquiteto Ricardo Pereira, da conservadora-restauradora Sara Fonseca e da pintora Raquel Ventura, envolvendo, ao longo de vários dias, «mais de meia centena de pessoas, entre adultos e crianças».
«De início, uma equipa recolheu pedaços de cortiça, troncos, bolotas e ervas aromáticas nas matas litorais, tendo o cuidado de preservar espécies protegidas; outra concebeu a estrutura de base, ergueu a sua “alma”, usando cadeiras e mesas, e forrou-a com papéis coloridos, fabricados por uma empresa da zona», explica o Centro UNESCO.
Outro grupo «foi desembrulhando e alinhando centenas de figuras – todas com mais de 50 anos, todas feitas em materiais tradicionais –, emprestadas por famílias e instituições da terra; outra ainda ocupou-se de alguns restauros imprescindíveis».
A construção do presépio constitui uma «“escola informal” da arte presepística, em que se transmitem, de geração para geração, os segredos de como se faz uma gruta, se monta uma cascata ou se dispõe a cavalgada dos Reis Magos».