Com o desaparecimento de Max von Sydow, a 8 de março, em Paris (tinha nascido em Lund, Suécia, a 109 de abril de 1929), encerra-se um filmografia gloriosa, longuíssima, e no entanto de média qualitativa extraordinariamente alta, tanto no cinema de autor quanto no de género. Uma filmografia fortemente marcada pela fundamental associação entre o ator e Ingmar Bergman, de cuja obra von Sydow será uma das figuras mais recorrentes. A colaboração começa de modo fulgurante com “Morangos silvestres” (1957), e sobretudo com “O sétimo selo” (1957), no qual terá o seu primeiro papel como protagonista. Com o seu físico hierático e dolente, o seu modo de interpretar feito de tonalidades quase impercetíveis, o ator que dá vida a uma personagem atormentada mas estoica, um cruzado no fundo de um mundo devastado, que se ergue como oposto perfeito – embora inquietantemente especular – da morte, com a qual joga xadrez.
Daí em diante, com a sua presença austera, e muitas vezes enigmática, von Sydow consegue pôr-se nas múltiplas declinações que o cinema de Bergman oferece aos seus personagens, demonstrando-se sempre credível, sem deixar de manter uma reconhecível personalidade própria. Com efeito, a autêntica mimese é por ele excluída. Todavia, mais do que a “não recitação” exigida por Kubrick, Bresson, Rohmer e muitos outros naquele exuberante período do cinema de autor, no qual se pede muitas vezes aos autores de se dobrarem passivamente à visão do realizador, a interpretação de von Sydow é uma não completa adesão à personagem que deixa abertas espirais metafísicas. As suas personagens têm espessura, mas ao mesmo tempo são máscaras no interior dos jogos existencialistas de Bergman. Com frequência símbolos de pertença a esta ou àquela filosofia, em particular a esta ou àquela margem na dissensão entre espírito e matéria.
É no interior destes espectros que von Sydow é, em “O rosto” (1958), um ambíguo ilusionista, em “A fonte da virgem” (1960) um pai religioso vingativo e injusto, enquanto que “Em busca da verdade” (1961) vê-o como um marido excessivamente racional incapaz de captar os horizontes espirituais da mulher doente mental, em “Luz de inverno” (1963) um pai de família que sente sobre as costas o peso dos problemas do mundo, em “A hora do lobo” (1968) um pintor que está a perder o contacto com a realidade.
Depois deste período pátrio, repleto de papéis de rara intensidade, nos anos 70 ocorrem deslocações aparentemente mais despreocupadas. Nos EUA demonstra não ter a vaidade de ator reservado, participando em filmes de género, aliás muito bons: o horror de “O exorcista” (William Friedkin, 1973), em que interpreta um dos seus papéis mais memoráveis, P. Merrin, e a história de espiões “Três dias do Condor” (Sydney Pollack, 1975). A sua versatilidade é demonstrada, sobretudo, com um papel duplo (um dos quais no feminino) no grotesco “Gran bollito” (Mauro Bolognini, 1977).
Nos anos 80 é já uma lenda viva, e por isso pode permitir-se conferir o seu profissionalismo, a a sua ausência de snobismo, a produtos pop, quase “trash”: “Flash Gordon” (Mike Hodges, 1980), “Conan, o bárbaro” (John Milius, 1982), “Nunca mais digas nunca” (Irvin Kershner, 1983), regressando depois a obras de qualidade, como o subvalorizado “Dune” (David Lynch, 1984) e “Ana e as suas irmãs” (Woody Allen, 1986). Mais tarde colabora com Win Wenders (“Até ao fim do mundo”, 1991) e com o Lars von Trier ainda “pré-Dogma” de “Europa” (1991). Nos últimos vinte anos regressa muitas vezes ao cinema de género, mas de classe, com Steven Spielberg, Martin Scorsese e Ridley Scott.
Nos anos recentes talvez tenha exagerado a sua disponibilidade, participando na última e inútil reedição de “Guerra das estrelas”, e até na vulgar série de fantasia televisiva “A guerra dos tronos”. Divagações que, no entanto, não corroem uma carreira impossível de igualar para um ator de hoje.