A edição desta segunda-feira do jornal do Vaticano, "L'Osservatore Romano", dedica meia página a analisar «a teologia dos sentidos» do P. José Tolentino Mendonça, primeiro diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.
«Não há separação entre alma e corpo», escreve Antonella Lumini sobre o livro "A mística do instante", publicado originalmente pela Paulinas Editora em 2014 e traduzido o ano passado para italiano, com o título "Mistica dell'instante. Tempo e promessa", pela "Vita e Pensiero".
A cisão da alma e do corpo «é estranha à tradição bíblica, na qual o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, é considerado na sua integridade: "O corpo já não é um revestimento externo do princípio espiritual ou uma prisão da alma, como pretende o platonismo e as suas muitas réplicas"», refere o artigo, citando o livro.
«Dado que o acontecimento da incarnação é o fulcro do cristianismo, também a nível teológico», urge «a necessidade de uma inversão de perspetiva quanto ao corpo e à realidade sensível», salienta a autora no início do texto.
Depois de o cristianismo ter elaborado uma conceção do corpo «como causa de pecado», nas últimas décadas o mundo ocidental tendeu «para o extremo oposto, chegando ao paradoxo de idolatrar o corpo como objeto exterior».
«É urgente», por isso, situar o corpo «no seu lugar» e ao mesmo tempo entendê-lo como realidade «habitada pelo Espírito», assinala Antonella Lumini sobre o propósito da obra de Tolentino Mendonça.
Durante séculos, a teologia preconizou a «noite escura dos sentidos», pelo que «a procura interior implicou sempre uma luta contra a realidade sensível, como se o divino fosse completamente estranho "às potencialidades do corpo e à sua gramática"», aponta o texto.
As referências do atual vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa são Thomas Merton, Michel de Certeau e, «em particular, Raimon Panikkar, segundo o qual "a mística não é outra coisa senão a experiência integral da vida"».
«Por isso não diz respeito a poucos eleitos, mas a quem se abra a uma experiência livre e pessoal de Deus e do seu Espírito através de uma adesão total, sem mais rejeições, ao instante presente», sustenta a autora.
Para «poder colher o instante», é preciso «educar os sentidos», de modo que se tornem uma «"porta aberta"», indica Tolentino Mendonça, que «fragmento após fragmento, recorrendo a passos bíblicos, citações de poetas e escritores, consegue realçar as extraordinárias valias de cada um dos cinco sentidos, individuando na experiência sensorial profunda o canal preferencial através do qual se tece a subtil relação entre Deus e a humanidade».
Antonella Lumini salienta as intuições «particularmente atuais e estimulantes do livro», notando «um aspeto talvez pouco evidenciado: o psíquico».
«Se a alma orienta o seu conatural desejo de infinito para os bens materiais, desnatura os sentidos, que perdem a sua medida criatural, e de canais da luz divina tornam-se canais de pulsões excessivas, instrumentos de pesada escravidão. "Um dos nossos problemas são os círculos sem saída que vamos construindo, e que são prisões invisíveis que explodem com a nossa liberdade".»
Por conseguinte, considera a autora, o corpo não é «causa de pecado, mas o psíquico. Os sentidos são vias de conexão entre indivíduo e tudo, entre eu e Deus, mas se se bloqueiam deixam de ser portas abertas, tornando-se barreiras que dão só a medida da distância».
«O instante abre à contemplação da beleza», que é «a medida perfeita da criação e que, irradiando-se, penetra os sentidos despertando-os para a luz criadora», conclui Antonella Lumini.
L'Osservatore Romano, 29.2.2016 | D.R.
Rui Jorge Martins