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Madre Teresa: amor sem limites

Na Mensagem para a Quaresma de 2008, Bento XVI detém-se “sobre a prática da esmola, que representa uma forma concreta de socorrer quem se encontra em necessidade e, ao mesmo tempo, uma prática ascética para se libertar do apego aos bens terrenos. Jesus refere, de maneira peremptória, quão forte é a atracção das riquezas materiais e como deve ser clara a nossa decisão de não as idolatrar, quando afirma: «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Lc 16, 13). A esmola ajuda-nos a vencer esta incessante tentação, educando-nos para ir ao encontro das necessidades do próximo e partilhar com os outros aquilo que, por bondade divina, possuímos.” Por isso, “a Quaresma convida-nos a ‘treinar-nos’ espiritualmente, sobretudo através da prática da esmola, para crescermos na caridade e nos pobres reconhecermos o próprio Cristo.”

Cerca de uma centena de imagens do fotógrafo japonês Morihiro Oki retratam no álbum “Madre Teresa – Amor sem Limites”, da Editora Lucerna, o quotidiano da Beata de Calcutá e das Missionárias da Caridade que, na pobreza e na simplicidade, se têm distinguido por reconhecer e amar Jesus Cristo nos indigentes e excluídos.

Neste artigo publicamos um dos textos escritos por Morihiro Oki e seis das fotografias incluídas na obra.

 

Em 1979, Madre Teresa recebeu o Prémio Nobel da Paz pelas suas actividades em favor dos pobres do mundo. Dezoito anos mais tarde, vendo a decadência da nossa sociedade, devemos aproximar-nos do espírito de Madre Teresa.

Em Julho de 1974, coincidindo com o Ano dos Povos das Nações Unidas, desloquei-me à Índia para fazer uma reportagem em Calcutá, considerada o ponto fulcral da explosão demográfica. As ruas da cidade estavam repletas de camponeses que tinham sido obrigados a deixar as suas casas após dois anos de seca seguidos de enormes inundações, bem como de refugiados da guerra indo-paquistanesa. As duas estações ferroviárias de Calcutá, Howrah e Sealdah, eram conhecidas como “terminais dos refugiados” e todos os dias ali afluíam cerca de 2000 pessoas. Os apeadeiros das estações, as ruas, os parques, os hospitais, as escolas e os depósitos de lixo estavam apinhados de pobres famintos. Barracas, montanhas de lixo, pessoas estendidas pelas ruas, velhos e doentes em situação desesperada. Transtornado com tudo o que via, sofri um choque cultural.

Casa das Missionárias da Caridade, Lisboa
Casa das Missionárias da Caridade, Lisboa

Tinha chegado com a ideia, pouco empenhada, de fazer uma reportagem sobre Calcutá enquanto ponto de partida da explosão demográfica; a angústia que sentia provocava-me uma disenteria permanente. Deixei de ter apetite e a vontade de recolher material de reportagem desvaneceu-se com ele. Enclausurei-me no hotel com a ideia fixa de regressar ao Japão.

Certo dia, num alfarrabista da rua principal, Chowringhee, encontrei um livro. Tinha por título “Algo de Belo para Deus” e continha uma descrição da actividade de Madre Teresa feita pelo jornalista da BBC Malcolm Muggeridge. Não sei o que me chamou a atenção naquele livro, mas lembro-me de lhe ter pegado sem hesitação. Foi ele que me levou ao encontro da magnífica experiência de Madre Teresa. Vi uma luz brilhante atravessar as trevas de Calcutá. Mergulhadas na multidão miserável e desesperada, na doença e na pobreza extrema, Madre Teresa e as suas Missionárias da Caridade viviam a mesma existência dos pobres, identificando-se totalmente com os mais desprezados.

A convicção de que, quanto mais pobres são, mais os pobres representam Cristo levava Madre Teresa e a sua ordem a uma essencialidade radical. No interior dessa dimensão essencial, as suas almas em contraste com a vida austera, eram ricas. Não seria essa a causa do seu optimismo contínuo e extremo?

Decidi visitar a Casa para Moribundos Indigentes. Estacionei o carro em frente da casa da Madre, na esquina do templo de Kali. Logo à entrada, fiquei pasmado ao ler a palavra “moribundos” escrita de forma muito clara na tabuleta. Era para ali que levavam os que se tinham deixado esvair de fome e de doença pelas ruas. Entrei e vi dezenas de pessoas estendidas em leitos, na sua maioria reduzidas a pele e osso pela tuberculose ou pela inanição. Vi pessoas à beira da morte. No meio delas, afadigadas e sorridentes, circulavam irmãs que distribuíam comida, medicamentos ou simplesmente um pouco de companhia. Seguravam a mão a homens e mulheres idosos cujas gargantas já não conseguiam engolir a sopa. E falavam-lhes olhos nos olhos.

Aquela cena impressionou-me de tal maneira que me senti prestes a perder os sentidos. Foi ali que descobri o que perdem aqueles de nós que se deixam acomodar no seu conforto. Levado por aquela descoberta e pela profunda comoção que senti, tirei inúmeras fotografias de Madre Teresa, analisando continuamente, através da minha objectiva, as actividades desenvolvidas por ela e pelas irmãs. Tinha encontrado aquele que seria o tema mais importante da minha vida profissional.

Quis logo encontrar-me com Maré Teresa, mas não foi possível. Pensando que a descoberta daquele meu desejo de seguir madre Teresa constituía já recompensa bastante para a minha viagem, regressei a Tóquio para iniciar os preparativos de um empreendimento bastante exigente.

No ano seguinte, o de 1975, voltei a Calcutá. Dois dias após a minha chegada, peguei num mapa e dirigi-me para a sede (conhecida como “Casa-Mãe”) da ordem de Madre Teresa, as Missionárias da Caridade. A imagem habitual que temos dos conventos mostra-no-los situados no alto d euma colina, longe dos bairros mais populosos; fiquei, portanto, muito surpreendido por encontrar a Casa-Mãe perto das zonas mais degradadas. E também me causou surpresa a simplicidade do edifício. Com efeito, nada tinha que o assemelhasse a uma catedral; era apenas uma estrutura pequena e rude cuja porta dava para uma viela. Toquei à campainha, que emitiu um som seco e áspero. Apareceu uma irmã, que me conduziu a uma sala de espera.

A Madre entrou e sentou-se à minha frente; era uma velhinha pequenina de rosto sorridente sulcado por rugas profundas.

Capa do livro

Dei-lhe a carta de apresentação que trazia do arcebispo Shiryanagi (hoje cardeal), da diocese de Tóquio. Enquanto esperava, impaciente, que ela acabasse de ler a carta, o meu coração começou a bater descompassado. Tomado de um ataque de tosse, disse-lhe o que sentia: “No ano passado, fiquei extremamente comovido com uma visita que fiz à Casa para Moribundos Indigentes. Quero registar num documentário fotográfico as suas actividades humanitárias para as dar a conhecer aos Japoneses. Peço-lhe que me dê autorização para tirar fotografias”. Enquanto tentava fazer-me entender no meu inglês atabalhoado, a Madre fixava-me nos olhos. Respondeu-me com voz branda: “Não sei o que quer dizer com ‘humanitárias’. Não sou assistente social, nem filantropa. Faço o que faço apenas por Cristo”. Tinha pensado que ela iria ficar satisfeita por saber que as suas actividades me tinham tocado no mais fundo do coração. Fiquei desconcertado com aquela indiferença.

Com um sorriso ao canto dos lábios, continuou: “Se eu fosse assistente social ou filantropa, não teria deixado a felicidade da minha casa, nem me teria separado dos meus pais. Eu dei a minha alma a Deus e, portanto, o que faço não é humanitarismo, nem nada desse género. É muito simples. Volte amanhã, ás quatro da manhã. Pode começar por fotografar a oração da manhã.”

No dia seguinte, às três da manhã, acordei o motorista de táxi semi-adormecido com um abanão e dirigimo-nos para a Casa-Mãe. Chegámos à hora marcada, quatro da manhã. Na obscuridade, a luz que o santuário irradiava projectava-se no céu, qual símbolo do mundo que nos é desconhecido. O santuário, comprido e estreito, media 30 metros por 15. Madre Teresa estava ajoelhada na última fila, de frente para o altar. Enquanto ela e as outras irmãs rezavam com devoção, a luz do Sol nascente começava a iluminá-las por trás. Para mim, aquela cena simbolizava a grandeza da Casa-Mãe. Daí em diante, dediquei a minha vida a imortalizar aquela luz esplêndida e aquelas merecedoras pessoas.

Nirmal Hriday (Casa para Moribundos Indigentes). Nirmala Shishu Bhavan (Casa dos Meninos Sagrados). Prem Dan (Dádiva de Amor). Aldeia da Paz de Shantinagar, Centro de Reabilitação para Leprosos. A minha objectiva continuava a retratar o mundo da Madre e das suas irmãs quem nos seus esforços para louvar e servir a Deus, conseguiam transmitir um amor sem limites. Um mundo lindíssimo, cheio de felicidade.

Este livro é o resultado do que a minha objectiva reteve.

Se através dele alguém conseguir reencontrar o seu próprio coração, tantas vezes esquecido nas nossas vidas de abundância, se ele ajudar alguém a sentir a aridez do nosso bem-estar presente, ou a reflectir sobre o que verdadeiramente significam “amor” e “abundância”, já me darei por mais do que satisfeito.

É imensa a minha gratidão pelos encontros com Madre Teresa, que me guiou com profunda compreensão e boa vontade. Agradeço também à Irmã Agnes, à Irmã Xavier, à Irmã Luke e à Irmã Shanti, bem como a todas as outras religiosas e noviças. Recordo-as com grande afecto e profundo respeito.

 

Veja uma selecção de fotografias do álbum.
Aguarde alguns segundos antes do carregamento da primeira imagem.

Morihiro Oki

15.02.2008

 

 

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Capa do livro

Madre Teresa
Amor sem Limites

Autor
Morihiro Oki

Editora
Lucerna

Páginas
130

Data
2004

Preço
€ 11,25

ISBN
972-883-506-X


























































Porque caiu
aquela pessoa?
Por que razão a
consideram indesejável?
Porque é que ninguém
a ajuda a levantar-se?
Porque é que ninguém
a convida a entrar?
Talvez esteja embriagado, mas aquele que
deixaram só,
prostrado no chão,
é meu irmão

(Madre Teresa)






















































































Dei-lhe banho,
depois pu-la na cama.
Segurou na minha mão
e presenteou-me com
um belo sorriso.
Disse apenas "obrigada",
e depois morreu.
Fiz um exame
de consciência.
Que teria eu dito
no seu lugar?
Provavelmente,
teria gritado:
"Vou morrer. Sofro."
Deu-me muito mais
do que eu lhe dei.
É esta a grandeza
dos pobres.
São eles
os meus irmãos
e as minhas irmãs

(Madre Teresa)

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