Lia há algum tempo numa revista americana que a bibliografia sobre a maçonaria supera os cem mil títulos. Para este interesse contribui certamente a aura de secretismo e de mistério que, com mais ou menos razão, envolve numa espécie de neblina as várias “obediências” e os “ritos” maçónicos, para não falar depois da própria génese, que segundo a historiadora inglesa Frances Yates «é um dos problemas mais discutidos e discutíveis em todo o campo da investigação histórica» (curiosamente, o ensaio da estudiosa era dedicado ao Iluminismo da Rosa-Cruz, traduzido pela [editora italiana] Einaudi em 1976). Não queremos, obviamente, adentrarmo-nos neste arquipélago de “lojas”, “orientes”, “artes”, “afiliações” e denominações, cuja história frequentemente se entrelaça – no bem e no mal – com a da política de muitas nações (penso, por exemplo, no Uruguai, onde participei recentemente em vários diálogos com expoentes da sociedade e da cultura de tradição maçónica), assim como não é possível traçar linhas de demarcação entre a autêntica, a falsa, a degenerada ou a para-maçonaria e os vários círculos esotéricos ou teosóficos.
É igualmente custoso desenhar um mapa da ideologia que rege um universo tão fragmentário, do qual talvez se possa falar de um horizonte e de um método mais do que de um sistema doutrinal codificado. No interior deste âmbito fluido encontram-se algumas interseções suficientemente delineadas, como uma antropologia baseada na liberdade de consciência e de intelecto e na igualdade dos direitos, e um deísmo que reconhece a existência de Deus, deixando porém móveis as definições da sua identidade. Antropocentrismo e espiritualismo são, portanto, dois percursos suficientemente escavados no interior de um mapa muito variável e móvel que não estamos em condições de esboçar de forma rigorosa.
Nós, todavia, satisfazemo-nos apenas em assinalar um interessante livrinho que tem uma finalidade muito circunscrita, o de definir a relação entre maçonaria e Igreja católica. Entendamo-nos desde já: não se trata de uma análise histórica dessa relação nem das eventuais contaminações entre os dois sujeitos. É, de facto, evidente que a maçonaria assumiu modelos cristãos até litúrgicos. Não se deve esquecer, por exemplo, que no séc. XVII muitas lojas inglesas recrutavam membros e mestres entre o clero anglicano, de tal modo que uma das primeiras e fundamentais “constituições” maçónicas foi redigida pelo pastor presbiteriano James Anderson, falecido em 1739. Nela, entre outros elementos, afirmava-se que um adepto «nunca será um ateu estúpido nem um libertino irreligioso», mesmo se o credo proposto era, no fim, o mais vago possível, «aquele de uma religião sobre a qual todos os homens estão de acordo».
Ora, a oscilação dos contactos entre Igreja católica e maçonaria teve movimentos muito variados, chegando até à clara hostilidade, marcada pelo anticlericalismo de uma parte e excomunhão da outra. Com efeito, a 28 de abril de 1738, o papa Clemente XII, o florentino Lorenzo Corsini, promulgava o primeiro documento explícito sobre a maçonaria, a Carta Apostólica “In eminenti apostolatus specula”, em que declarava «dever-se condenar e proibir… as mencionadas Sociedades, Uniões, Reuniões, Encontros, Agregações ou Convenções dos Pedreiros Livres e dos “Francs Maçons” ou com qualquer outro nome chamadas». Uma condenação reiterada por sucessivos pontífices, de Bento XIV até Pio IX e Leão XIII, que afirmava a incompatibilidade entre a pertença à Igreja católica e a obediência maçónica. Lapidar era o Código de Direito Canónico de 1917, cujo cânone 2335 recitava: «Quem se inscreve na seita maçónica ou noutras associações do mesmo género que tramam contra a Igreja ou as legítimas autoridades civis, incorre “ipso facto” na excomunhão reservada “simpliciter” à Santa Sé».
O novo Código, em 1983, temperou a fórmula, evitando a referência explícita à maçonaria, conservando a substância da pena destinada também, em sentido mais geral, a «quem der o nome a uma associação que maquina contra a Igreja» (cânone 1374). Mas o texto eclesial mais articulado sobre a inconciliabilidade entre a adesão à Igreja católica e à maçonaria é a “Declaratio de associationibus massonicis” emanada pela Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano, a 26 de novembro de 1983, assinada pelo prefeito de então, o cardeal Joseph Ratzinger. A declaração precisava exatamente o valor do asserto do novo Código de Direito Canónico, sublinhando que permanecia «sem alteração o juízo da Igreja quanto às associações maçónicas, porque os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e porque a inscrição nelas permanece proibida».
O livrinho a que nos referimos agora [“Declaração sobre as associações maçónicas”, Congregação para a Doutrina da Fé, Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano, 2015] é interessante porque junta – além de uma introdução do atual prefeito da congregação, cardeal Gerhard Müller – dois artigos de comentário a essa declaração publicados então pelo [jornal da Santa Sé] “Osservatore Romano” e pela [revista italiana] “Civiltà Cattolica”, bem como dois documentos de outros tantos episcopados locais, a Conferência Episcopal Alemã (1980) e das Filipinas (2003). Trata-se de textos significativos porque se confrontam com as razões teóricas e práticas da inconciliabilidade entre maçonaria e catolicismo, como os conceitos de verdade, religião, Deus, homem e mundo, espiritualidade, ética, ritualidade, tolerância. Em particular é significativo o método adotado pelos bispos filipinos, que articulam o seu discurso através de três trajetórias: a histórica, a explicitamente doutrinal e a das orientações pastorais. O todo é articulado segundo o género catequético de perguntas e respostas, 47, que permitem entrar também nas particularidades, como a cerimónia de iniciação, os símbolos, o uso da Bíblia, a relação com as outras religiões, o juramento de irmandade e os graus hierárquicos, entre outros temas.
Estas várias declarações de incompatibilidade entre as duas pertenças à Igreja e à maçonaria não impedem, todavia, o diálogo, como é explicitamente afirmado no documento dos bispos alemães, que já então elencavam âmbitos específicos de discussão, como a dimensão comunitária, a beneficência, a luta contra o materialismo, a dignidade humana, o conhecimento recíproco. Deve-se, além disso, superar a atitude de certos ambientes integralistas católicos que – para atingirem alguns expoentes inclusive hierárquicos da Igreja que a eles desagradam – recorrem à arma da acusação apodítica de uma sua pertença maçónica. Em conclusão, como escreviam já os bispos da Alemanha, é preciso ir além da «hostilidade, ultrajes, preconceitos» recíprocos, porque «em relação aos séculos passados melhoraram e mudaram o tom, o nível e o modo de manifestar as diferenças» que ainda continuam a existir claramente.
Card. Gianfranco Ravasi