S. Martinho: Da compaixão pelos pobres
Nascido em Sabária da Panónia, actual Hungria, de progenitores certamente pagãos, cerca de 316. Aos dez anos pediu para entrar na Igreja contra a vontade dos seus, pensando mesmo em retirar-se para o deserto. Para o libertar das influências cristãs, aos 15 anos o pai inscreveu-o no exército.
Após ter sido dispensado, por seu pedido, da condição de militar, Santo Hilário ordenou-o sacerdote. Depois de ter convertido a mãe (355), retirou-se, solitário, para uma ilha. Mais tarde conseguiu licença para se retirar para um lugar perto de Poitiers; lá construiu uma cabana e permaneceu 11 anos entregue à oração e à penitência.
Em 371 foi elevado, contra vontade, à sé episcopal de Tours. O zelo de Martinho estendeu-se por quase toda a França e nunca temeu enfrentar-se com os poderosos.
A morte surpreendeu-o numa viagem pastoral, em 397. A voz do povo canonizou-o. A sua vida chegou bem depressa a todo o Império; durante a Idade Média faziam-se peregrinações ao túmulo de São Martinho, quase tantas como aos sepulcros dos Apóstolos em Roma.
Conta-nos Sulpício Severo como Martinho, que foi seu amigo íntimo, praticou a caridade por amor de Cristo.
"Indo de caminho um dia em que mais não tinha sobre ele que suas armas e seu capote militar feito duma só peça, Martinho encontrou um pobre nu. Era por um Inverno mais rigoroso que o vulgar, e tão rude que muita gente morria de frio às portas da cidade de Amiens. Por mais que o desgraçado pedisse aos que passavam que tivessem piedade dele, todos passavam adiante. Compreendeu o homem de Deus, ao ver que os outros não eram tocados de compaixão, que aquele lhe estava reservado. Mas que podia fazer? Nada tinha a mais que a clâmide que o revestia; já tinha dado o resto para uma boa obra semelhante. Então, agarrou a espada, cortou o manto ao meio, deu uma parte ao pobre e envolveu-se de novo com a outra. Daqueles que o rodeavam, alguns começaram a rir, achando-o ridículo nas suas vestes rotas. Mas muitos outros, mais avisados, suspiravam profundamente por nada terem feito de semelhante, enquanto tinham mais vestimentas e teriam podido vestir o pobre sem terem necessidade de se despir.
Na noite seguinte, enquanto dormia, viu Martinho a Cristo, vestido com a parte da sua clâmide com que tinha coberto o pobre. Incitam-no a que olhe atentamente o Senhor e a que reconheça as vestes que deu. Depois, ouve Jesus dizer com voz forte à multidão dos anjos que o rodeiam: 'Ainda catecúmeno, Martinho cobriu-me com suas vestes'”.
"Os seus feitos, melhor ou pior os pude explicar com palavras; mas a sua vida interior, o seu comportamento de cada dia, os transportes de sua alma sempre virada para o céu, tudo isso, em verdade o declaro, nunca, nunca discurso algum o explicará. Impossível é pintar esta perseverança e esta medida na abstinência e nos jejuns; esta força nas vigílias e nas orações; estas noites consagradas á oração como se dias fossem: estes todos instantes plenos das obras de Deus, sem cuidado no repouso ou nas ocupações, mesmo as da comida e do sono, que apenas as necessidades da natureza obrigavam a satisfazer. Tudo isso, em verdade, nem o próprio Homero se, como se diz, saísse dos infernos o poderia expor: de tal forma é verdade que tudo em Martinho era grande demais para em palavras ser expresso. Nunca Martinho deixou passar uma hora, um momento, sem se abandonar à oração ou se absorver na leitura: e mesmo lendo ou fazendo qualquer outra coisa, nunca deixava de rezar a Deus. Tal como o ferreiro, descansando embora em meio do seu trabalho, bate ainda a bigorna, assim Martinho, mesmo quando parecia fazer outra coisa, continuava a rezar. Ó homem verdadeiramente bem-aventurado! Sem malícia alguma, não julgando ninguém, não condenando ninguém, a ninguém pagando o mal com o mal."
Sulpício Severo
12.11.2008
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