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Ribeiros de esperança - Intervenções pastorais para a aventura cultural do século XXI

A Editora Paulus lançou o ano passado a obra Ribeiros de Esperança – Intervenções pastorais para a aventura cultural do século XXI, da autoria de D. Carlos Moreira Azevedo, Bispo auxiliar do Patriarcado de Lisboa e Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social.

Do Prólogo: “Partilho aqui reflexões e apontamentos, nascidos em contextos e para públicos muito diversos, sempre resultantes de convites para apresentar comunicações ou conferências, fora do âmbito científico da própria investigação. A compilação destes apontamentos é a resposta a um desejo, insistente, manifestado por ouvintes, em aceder aos textos que serviam de base às minhas exposições orais. Parte deles já foram aliás publicados em revistas ou atas de Semanas e Congressos sobre algumas das temáticas presentes neste livro.

Os temas de que me solicitaram a abordagem, nos últimos dez anos, não se conjugam ou articulam, a não ser por desejarem ser simples intervenções de teor pastoral e meros elementos de reflexão, motivadores de renovação e esperança para os grupos a quem se dirigiam.

Ao atribuir o título de Ribeiros de Esperança queria sublinhar, em primeiro lugar, a consciência da pequenez do contributo: são apenas singelos regatos, tortuosos ribeiros, onde espero circule o dinamismo da Palavra de Deus, sempre revitalizadora dos percursos da evangelização. Em segundo lugar, destaco a dimensão da esperança que considero ser uma dimensão essencial para quem analisa situações difíceis e complexas das comunidades eclesiais no atual momento.

Virtude aliada do realismo pastoral - capaz de identificar lacunas, carências, limites e desafios - a esperança põe-nos em marcha na peregrinação cultural em que estamos implicados nesta hora da história.

O século XXI regista mudanças culturais exigentes de cuidado pastoral atento e dinâmico. Entrego estes humildes «ribeiros de esperança» a quem trabalha na procura de caminhos estreitos e felizes, coerentes e credíveis para a largueza da salvação, oferecida por Deus em Cristo Jesus.

O resultado proveniente dos direitos da venda desta obra será destinado à construção da "Casa Daniel", em S. Pedro das Águias - Granjinha (Tabuaço). Este projeto de um pequeno centro de espiritualidade, sonhado também pelo poeta Daniel Faria e levado por diante pela Associação Casa Daniel, pretende convocar para um silêncio reparador e criativo, à escuta da novidade do Alto. Será uma senda de esperança viva. Aqui, apenas servem as palavras."

Os textos que compõem esta obra estão agrupados em vinte e dois temas: “Ciência, religião e novo humanismo”, “A Bíblia na Tradição da Igreja”, “Indicações para a vida espiritual no século XXI”, “A paróquia do futuro”, “Liturgia, fonte e cume de toda a vida cristã: entre história e profecia”, “O sentido do espaço litúrgico: pedras de uma Igreja sem muros”, “A eucaristia, centro da vida cristã”, “Como viver a caridade pastoral na paróquia?”, “Tradição e inovação no agir social da Igreja”, “A responsabilidade da Igreja no campo da saúde”, “As raízes cristãs da Europa: verdade histórica e desafios da missão”, “Missão ad gentes e comunhão das igrejas locais”, “Hospedeiros do Espírito, servidores da missão”, “A família no plano de Deus”, “A urgência de educar”, “O futuro das intuições do Padre Américo”, “A finalidade da formação para o ministério presbiteral”, “Globalização”, “Imprensa regional e globalização”, “Família numa sociedade globalizada”, “Construir a paz no mundo” e “Mulher na Igreja: tempos novos para mentalidades novas”.

Das intervenções de D. Carlos Azevedo presentes nesta obra, apresentamos seguidamente a que tem por título "Religião e cultura".

"Como se relaciona a religião com a cultura? Aqui, cultura entende-se como o conjunto de tudo o que os seres humanos constroem: linguagens, valores, instituições, como criação coletiva para superar a carência dos instintos. Contudo, enfrentemos a pergunta: a religião será um dado necessário da natureza humana ou um acrescento cultural acessório? A experiência humana da relação com o divino é paradoxal. Acontece na história e supera-a, forma parte da natureza e ultrapassa-a.

A religião é hoje um tema relevante, como fator cultural em evidência. A previsão anunciada por Daniel Bell (O fim das ideologias), nos anos sessenta, não trouxe um mundo unificado, mas um apelo à ciência e à técnica. Neste momento, as grandes religiões serão instituições geradoras de fins últimos. Aliás, toda a cultura aponta para uma raiz cultual ou de culto religioso. Convém, contudo atender aos perigos. A existência moderna centra-se na cultura, como forma especificamente humana de realizar e transmitir a vida. A religião nasceria da procura global de sentido, desejo audaz de conceber o universo como algo de humanamente significativo, através de um esquema universal de símbolos que interpretassem a realidade. Houve até quem divinizasse a cultura no seguimento do racionalismo ilustrado. Identificavam Deus com o infinito da perfeição moral, com o futuro a que tende o ser humano.

A tradição ilustrada concebeu a religião como sobrevivência de algo absurdo, que paulatinamente se conseguirá levar à extinção. No século XVIII começou a dizer-se que a religião era uma simples derivação cultural, sem autonomia. Mesmo considerando-a um dado culturalmente valioso, é vista como criação humana capaz de descobrir o sentido originário das coisas. É positiva e necessária porque expressa um mistério que transcende o ser humano. Daqui passa-se a outra afirmação. A religião diz-se puro invento sem base nem conteúdo, uma experiência passageira. Não oferece possibilidade de abertura transcendente para o mistério de Deus, para a ilustração, porque Deus não existe e não pode conhecer-se. A razão é considerada árbitro supremo da realidade e tudo o que pareça transcendê-la é julgado ilusório. A redução racionalista faz Deus perder a Sua identidade e transcendência para ser expressão da cultura. A religião aparece apenas como experiência simbólica do que a filosofia conhece profundamente ou é mera resposta equívoca a problemas humanos. Absolutiza-se a cultura e a religião perde sentido.

Por outro lado, a tendência para considerar a religião como uma atitude irracional pode entender-se pelas suspeitas psíquicas e socioeconómicas. Para Freud é uma ilusão necessária para sobreviver às calamidades da vida e para Marx é expressão do sofrimento dos oprimidos. Se estas explicações foram valiosas no campo da crítica e sugestivas para um aprofundamento, não conseguiram abarcar a riqueza do fenómeno religioso na sua totalidade. Alguns, no seguimento destes mestres, Marx e Freud, consideraram que.a religião deixou de ser essencial à cultura. Só construindo um mundo sem Deus, a humanidade poderá ser autónoma. Pensaram ter chegado o tempo da humanidade se libertar do pecado da religião, refazer as feridas. Considerando a cultura como elemento essencial do ser humano, acabam por idolatrá-la como construção de um todo universal e metódico, onde cada elemento tinha lugar num conjunto ordenado de sentido. Esta idolatria da cultura angustia a pessoa e esvazia o sentido da vida. Veja-se o que acontece hoje na era do vazio...

Outros respondem que a religião mais do que construção arbitrária ou falida de uma cultura infantil ou falsa, exprime o sentido mais profundo da realidade humana. O ser humano é naturalmente religioso. Olhando para o interior sente-se a profundidade simultaneamente criadora e destruidora de um Deus que nos dá alento. Esta imersão na torrente de vida interior está plena de contradições, de amor e ódio, paz e violência. O diabo é explicação fácil para poderes que parecem habitar os humanos. Volta-se ao velho paganismo ou até ao judaísmo com a mentira destruidora de Satã. Quem nega Deus e recusa adorá-l'O perverte a condição humana e caminha para a desagregação.

No renascer religioso, subjaz sempre a crise de Deus. A crise dos ateísmos e o auge da indiferença agnóstica são a outra face da crise de Deus no cristianismo. A questão de Deus deixou de ter seriedade, de ser pertinente.

A débil descrença de hoje não tem a agilidade para falar de Deus, "como quem não quer a coisa", mas toma-O demasiado a sério, sem se referir a Ele verdadeiramente. A religião recupera significância social como símbolo do sonho humano de felicidade, de reencantamento mítico, do refúgio que salva da intempérie existencial ou confirma a inocência desejada e procurada. A religião aparece como um mecanismo capaz de nos permitir viver equilibradamente a contingência que não podemos eliminar.

O sagrado não se destruiu na modernidade, ocultou-se e inibiu-se, subsistiu no subconsciente cultural histórico, mas como foi inibido pode retornar, pela perversão ou pela neurose camuflada. O simbolismo pelo qual o sagrado se manifesta está subconsciente na cultura moderna. Há que conjugar e articular a razão e o simbolismo, ou seja, o "espírito", como horizonte final escatológico (de cada pessoa e da história), a que tenderia a figura humana.

Concluindo, a crítica cultural da religião purifica-a de andrajos que lhe retirem a luz pura e nua de Deus. As vestes culturais, que inevitavelmente envolvem a experiência religiosa e a que tantos crentes se prendem, necessitam de ser criticadas quando perturbam o acesso ao transcendente. Compete aos crentes de cada época a liberdade criativa para exprimir em linguagens, em serviços e instituições a incontível e insondável vontade de Deus."

 

D. Carlos Azevedo
Bispo auxiliar do Patriarcado de Lisboa, Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social
In Ribeiros de Esperança, ed. Paulus
15.04.09

Capa

Ribeiros de Esperança
Intervenções pastorais
para a aventura cultural
do século XXI

Autor
Carlos A. Moreira Azevedo

Editora
Paulus

Páginas
414

Ano
2008

Preço
€ 21,00

ISBN
978-972-30-1386-3










































































































































 

 

 

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