Não é o fim do confinamento, mas cada vez mais se fala nesse horizonte, e mais cedo ou mais tarde as portas que hoje estão fechadas vão voltar a entreabrir-se. Todos os envolvidos na invenção cultural vivem há muito na expetativa (e necessidade) de poder levantar de novo o pano das suas salas, dos seus espaços.
Com a hibernação do universo da cultura, criadores e usufruidores têm ficado como que em pousio. Tem havido cada vez menos ocasiões de criar em comum, de viver experiências coletivas e de as debater. Ora, a arte é uma maneira de sair de si e de se abrir a algo que nos interpela e ultrapassa. Apesar dos tesouros de inovação desenvolvidos digitalmente para manter uma ligação entre artistas, públicos e obras, teme-se que uma demasiada longa privação modifique estes laços.
De facto, a vida cultural no sofá é uma oportunidade de aceder a novas criações, mas pode também acabar por reduzir o nosso horizonte a programas formatados e de experiência solitária. A cultura deve viver para lá do divertimento.
Neste contexto, os católicos poderiam deixar-se interpelar. Durante muito tempo, a articulação entre os cristãos e o mundo artístico foi fecunda. É conhecida a importância da fé para inspirar e financiar obras-primas. E, hoje, quantas outras criações continuam a ser irrigadas por uma busca de sentido?
Com o tempo, aquela relação fragilizou-se, ficou reduzida a quase nada. Mas quando as igrejas voltarem a abrir para as celebrações litúrgicas, porque não aproveitar para renovar o diálogo? Elas poderiam ser redescobertas também como espaços culturais (igualmente pelos crentes), e delas extrair-se uma nova riqueza interior.
Não se trata de fazer salas de espetáculos das igrejas: há múltiplas formas a imaginar, no imprescindível respeito pela sua identidade sagrada, bem como pelas regras sanitárias, nomeadamente em torno aos tempos de oração.
Fiéis e pastores: abramos as portas, convidemos músicos a tocar, atores a ler, artistas a expor. Quer sejam crentes ou não-crentes, em busca ou em rutura, sacudamos os nossos hábitos tantas vezes tépidos, e proponhamos-lhes, naturalmente em diálogo, um espaço de expressão.
«A arte é como a misericórdia. Não deve rejeitar nada nem ninguém», diz o papa Francisco. Neste período em que precisamos tanto de arte como de misericórdia, a audácia do reencontro pode produzir frutos preciosos e insólitos.