«A primeira tradução conhecida para a língua portuguesa do Cânticos dos Cânticos», datada de 1606, da autoria do padre jesuíta português Manuel Correia, constituiu um dos destaques da exposição alusiva ao livro bíblico que a Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, apresentou de outubro a novembro.
A mostra foi comissariada pelo poeta Gonçalo Salvado, que lhe cedeu obras da sua coleção, às quais foram acrescentadas peças da Biblioteca Nacional e de diversas entidades.
O projeto evidenciou «a extraordinária presença do Cântico dos Cânticos na cultura de língua portuguesa», documentada, na exposição, desde o século XV até à atualidade, «quer no plano das versões e traduções, quer na poesia, no teatro e no ensaio», assinala o comissário.
Entre as obras avultou «uma pintura quase desconhecida, e datada dos finais do século XVII de Bento Coelho da Silveira (1617-1708), o único artista a ilustrar passos do Cântico dos Cânticos na Europa do seu tempo».
A pauta original que o compositor Fernando Lopes Graça (1906-1994) dedicou ao livro do Antigo Testamento, «em estreia numa exposição», e a «monumental edição do comentário ao Cântico dos Cânticos de Frei Luís de Sotomaior (1526-1610), datada de 1559, considerada um dos grandes momentos da edição em Portugal», também foram expostos.
«Nenhum poema ao longo do tempo despertou tanto fascínio, e deu origem a tantas traduções e interpretações, como o Cântico dos Cânticos, o mais sublime e exaltante dos poemas amorosos. Lineares umas, alegóricas outras, religiosas ou secularizadas, artificiais ou eruditas, todas elas são, contudo, unânimes em realçar o altíssimo valor artístico desta pequena obra do lirismo, o seu imenso encanto e o seu magnetismo», observa Gonçalo Salvado.
O comissário sublinha também que, na cultura portuguesa, o livro «tem vindo a afirmar-se como um arquétipo estruturante do imaginário português», estando «na raiz» do seu lirismo e tendo deixado marcas «não só na poesia medieval, mas em toda a poesia, assim como em todas as expressões culturais posteriores».
«Esteve sempre presente na memória e no coração de todos nós e, provavelmente, aí continuará por muito tempo, pois a luz que dele irradia assemelha-se à de uma chama perene, provinda de “um fogo que não consente extinção”, como escreveu Eugénio de Andrade», refere o texto de apresentação da exposição.
A folha de sala termina a citar David Mourão-Ferreira: «Diante de um poema como o Cântico dos Cânticos, todos nós sentiremos vibrar, com renovada energia, a essência divina da nossa humanidade».