Adoração dos magos (det.) | Domingos Sequeira | 1828 | Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
No nascimento e na morte de Jesus ressoa para Ele o mesmo título, “Rei dos judeus”. No nascimento – texto que a liturgia deste domingo da Epifania nos propõe – dizem-no os magos e repetem-no os escribas e o rei Herodes; na morte fá-lo escrever Pilatos sobre uma placa, usam-no os soldados para troçar dele, leem-no todos os presentes na execução bárbara da crucificação. No nascimento e sob a cruz está a mesma revelação: a humanidade é una na procura de Deus e no repúdio de Deus, ou melhor, em crer no bem com esperança ou em não crer no bem, preferindo a violência, o mal.
Por isso o Evangelho da Epifania, da manifestação da identidade de Jesus aos gentios, àqueles que não eram judeus, filhos de Israel, é um Evangelho decisivo, que dá a esta solenidade litúrgica um significado particular.
Jesus nasceu Rei dos judeus, mas para todos, e todos podem ir até Ele. No Evangelho de Mateus proclamado nas missas deste domingo (2,1-12) há história, mas há também uma leitura que o evangelista faz na fé.
Nasce uma criança numa simples família formada por um artesão, José, e pela sua jovem mulher, Maria; nasce num estábulo, refúgio para o rebanho nos campos de Belém, e no entanto alguns homens vindos de longe, do Oriente, ou melhor, da sua sabedoria orientada, na sua procura são levados a ver neste simples nascimento o cumprimento da sua busca, a plenitude da sua sabedoria.
Todos os seres humanos de cada tempo e cultura, com efeito, têm em comum sobretudo a procura do bem, mesmo que depois contradigam este seu desejo tão desafiante. Em cada ser humano há um anseio de bem, de vida plena, de paz, e este fogo que habita os humanos impele-os a procurar, a meter-se a caminho, a declarar insuficiente a terra que habitam, o horizonte habitual. Por este caminho os humanos procuram e encontram como sinais o que têm ao seu alcance: o céu, a terra, o mar e também as criaturas animadas e inanimadas com as quais podem sabem comunicar.
Naquela longa peregrinação, sobretudo da mente e do coração, alguns sábios, os magos, olharam para as estrelas, para a areia do deserto, para os animais que montavam, para a bagagem que transportavam consigo, para viver e para oferecer. Para quem escrutina o horizonte surge sempre uma estrela, há sempre – como diz o nosso trecho evangélico – um oriente, um erguer-se, que convida ao caminho. E assim aconteceu para aqueles magos, que do Oriente chegam a Jerusalém, a cidade santa, o umbigo do mundo.
Eles perguntam «onde está o Rei dos judeus que nasceu?» precisamente aos judeus que não se tinham dado conta do nascimento do seu Rei. Não tinha dado conta o rei que reinava naquele momento, Herodes, não se tinham dado conta os sacerdotes nem sequer os peritos das Sagradas Escrituras, os escribas. Eis o escândalo: quem é designado para conhecer e observar o que acontece, não sabe, quem é capaz de interpretar pontualmente as Escrituras em referência ao Rei dos judeus anuncia-o com clareza e certeza, todavia numa situação de radical cegueira.
É assim, e ainda hoje assim acontece: podem conhecer-se as palavras de Deus contidas nas Escrituras, podem citar-se e explicar com competência, podem até ensinar-se aos outros, e contudo, ao mesmo tempo, permanecer numa situação de total cegueira ou surdez, manifestações da dureza do coração.
Esta vinda dos magos causa, porém, inquietação, perturbação da parte dos representantes do poder político e de toda a Jerusalém, porque quando o poder vê surgir outro teme e treme, sentindo-se ameaçado. Desde aquela hora a inquietação e a perturbação não haverão de cessar, até ao dia em que este Rei dos judeus que nasceu acabará para sempre, revestido com um manto de púrpura, com uma cana como cetro na mão, com uma coroa de espinhos sobre a cabeça, desprezado, esbofeteado e por fim pendurado nu num poste, a cruz.
No entanto aqueles sábios obedientes às Escrituras dos judeus, ou melhor, re-orientados pelas Escrituras, conseguem novamente ver a estrela, que os conduz até ao menino Rei Messias, a Belém, onde encontram o que procuravam mas que certamente não esperavam assim: não um palácio, não uma corte real em festa, não a pompa digna do nascimento de um príncipe, mas simplesmente um menino e a sua mãe.
Contemplam não aquele que tanto tinham esperado e procurado, mas outro. E como convertidos, mudados na sua mente e no seu coração, reconhecem a realeza na anti-realeza, a realeza poderosa e universal na fragilidade humana, num menino incapaz de falar e de ser eloquente com a palavra. Todavia os magos compreendem, chegam à fé, apesar de não terem nem a revelação nem as sagradas Escrituras. E não por acaso, Mateus anota que regressam ao seu país através de outro caminho, isto é, outro modo de pensar e de viver.
Assim acontece a revelação, para os judeus e para os gentios: só olhando para a fragilidade de Jesus, para o seu ser pequeno, se pode compreender a sua verdadeira realeza, a sua verdadeira identidade, não plasmada com base nas imagens dos reis e dos poderosos deste mundo. Por outras vias os outros Evangelhos dirão a mesma coisa: contemplação de Jesus é vê-lo crucificado; visão de Jesus é vê-lo como semente caída à terra.
Aqueles magos, convertidos à vista do menino naquela pobre família, naquela manjedoura, adoram, prostram-se e oferecerem-lhe ouro, incenso e mirra, produtos preciosos do Oriente, elaborados pela cultura dos gentios. O que Jesus ressuscitado poderá dizer aos discípulos - «ide e fazei discípulos todos os gentios» - tem aqui a sua primícia. Os gentios tornam-se discípulos quando procuram com sinceridade, se abrem com audácia e se põem a caminho sem hesitação.
Quantos homens e quantas mulheres, do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, como estes magos procuram o bem, se sentem viandantes, a caminho, se exercitam a reconhecer a salvação como humanização e trabalham para que o humano seja sempre mais humano. Saibam-no ou não, são pessoas para as quais cada criança que nasce, cada humano que vem ao mundo surge com a dignidade de um rei; surge como um irmão ou uma irmã que espera de nós o nosso ouro (o que temos), o nosso incenso (o perfume libertado pela nossa presença), a nossa mirra (o que sabemos sacrificar de nós próprios, gastando a vida pelo outro).
A Epifania é manifestação da verdadeira realeza a todos, cristãos e não cristãos. Mas agora que nos encaminhamos para a Páscoa, como recorda o calendário da data desta festa das festas, que neste domingo de Epifania é proferida nas Igrejas do Oriente e do Ocidente: a Páscoa, quando o Rei dos judeus haverá de ter o mesmo fim de cada um que ousa pensar e colocar em prática uma realeza como serviço do outro e não como poder violento. Mas a última palavra cabe a Deus, ao Deus de Jesus!